A Comissão Europeia fez as contas e diz que o esforço orçamental que está refletido na proposta de Orçamento do Estado para 2017 não vale os 0,6% do PIB (produto interno bruto) que o Governo diz que vale, o que poderá deixar o Orçamento no limite e colocar problemas com a respetiva aprovação pela Comissão Europeia durante a próxima semana.

“Para 2017, as projeções preliminares da Comissão preveem uma melhoria ligeira do saldo estrutural em comparação com 2016, que (a confirmar-se) irá apontar para um risco de desvio significativo face à melhoria recomendada de pelo menos 0,6 pontos percentuais”, diz a Comissão, na carta, publicada esta terça-feira na sua página oficial e dirigida ao ministro das Finanças, Mário Centeno.

Já no início do ano, e referente ao Orçamento para 2016, a Comissão Europeia enviou uma carta semelhante para Lisboa, pedindo mais informação e alertando para o risco de chumbo. Neste caso, como a Comissão só avalia a legalidade do Orçamento, se o ajustamento previsto pelo Governo for inferior a 0,1 pontos percentuais, o Orçamento pode mesmo vir a ser devolvido a Lisboa. Na missiva, a Comissão diz apenas que o ajustamento é ligeiro, superior a 0%, mas sem dar qualquer valor.

De acordo com o conteúdo da carta, assinada pelo comissário para os Assuntos Económicos, Pierre Moscovici, e pelo vice-presidente da Comissão Europeia para o Euro, Valdis Dombrovskis, a diferença nas contas deve-se a previsões de Bruxelas menos otimistas do que aquelas que são feitas pelo Governo quanto ao cenário macroeconómico e pelo facto de algumas das medidas anunciadas no documento não estarem devidamente especificadas, uma questão já apontada no ano passado pelos serviços da Comissão, pela UTAO e pelo Conselho das Finanças Públicas.

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Agora, o Governo tem de responder à Comissão explicando aquilo que falta e dando garantias de que o ajustamento estrutural prometido ao Conselho da União Europeia em agosto passado, de 0,6 pontos percentuais do PIB, será cumprido.

A Comissão quer, ainda, detalhes sobre as bases em que assentam as projeções para todos os impostos, contribuições para a Segurança Social e transferências. Entre estes dados exige-se a execução orçamental de 2016 atualizada, uma queixa já feita pela direita no Parlamento e pela UTAO, e ainda detalhes sobre as poupanças esperadas com o perdão fiscal decidido no início deste mês. O ministro das Finanças tem um prazo até quinta-feira, 27 de outubro, para responder.

Nesta segunda-feira, a UTAO colocou a mesma questão. Nas contas feitas pelos técnicos independentes que trabalham junto do Parlamento, o Orçamento não inclui medidas suficientes para cortar o défice estrutural em 0,6 pontos percentuais. Segundo a UTAO, para conseguir cortar o défice no valor acordado com o Conselho da União Europeia em agosto, o Governo teria de incluir no Orçamento medidas para cortar o défice que valessem entre 1,7 e 2,1 mil milhões de euros, mas, nas contas dos técnicos, as medidas que lá constam só valem 645 milhões de euros, muito longe do exigido.

O Governo, através do secretário de Estado do Tesouro e Finanças, Ricardo Mourinho Félix, tinha assumido publicamente que iria ao encontro das exigências da Comissão e iria apresentar um esforço orçamental de 0,6 pontos percentuais. É esta a meta que figura no Orçamento. Mas é nas contas que a Comissão não acredita.

Em fevereiro de 2016, quando enviou uma carta muito semelhante ao Governo, a Comissão exigiu mais detalhe e ameaçou com um chumbo. Mesmo após as cedências do Governo, que culminaram com a decisão, durante a madrugada de sexta-feira, 5 de fevereiro, de não avançar com a redução da Taxa Social Única para os trabalhadores com vencimentos inferiores a 600 euros, o Governo e a Comissão continuaram a avaliar de forma diferente as medidas que estavam incluídas no Orçamento. O Governo dizia que valiam uma redução do défice estrutural na ordem de 0,3 pontos percentuais do PIB, mas a Comissão afirmou que as mesmas medidas davam para um ajustamento entre 0,1% e 0,2% do PIB.

Cartas como aquela que seguiu para Lisboa foram enviadas esta terça-feira para mais seis países para além de Portugal. Nenhuma delas significa que o país verá o seu Orçamento chumbado.

Em julho passado, o Governo comprometeu-se perante Bruxelas com uma redução do saldo estrutural, em 2017, de 0,6% do PIB, mais exigente do que os 0,4% que constavam no Programa de Estabilidade e Crescimento enviado para a Comissão Europeia em abril.