À conta dele, assistimos a uma revolução para melhor nos serviços de comboio, tanto nos urbanos como nos de longo curso. Ele é descontos nas tarifas das áreas metropolitanas do Porto e Lisboa, de Braga e de Aveiro. Ele é voucher CP em pré-venda. Ele é comboios especiais linha do norte acima depois da meia-noite e meia, com direito a paragem em Nine. Calma, este não é um sonho molhado de um daqueles maluquinhos que coleccionam carris e locomotivas em miniatura. Trata-se apenas do efeito Bieber, que promete revolucionar o país por uma horas. Ou pelo menos o sub-sector do transporte ferroviário.

Isto porque Justin Bieber vai actuar no Meo Arena nesta sexta-feira, dia 25. Há quem jure que o 25 de Novembro é um dia naturalmente aziago mas no que toca à música pop eu tendo a discordar. Bieber é um rapaz canadiano de 22 anos, com talento para o showbiz, e que tem conseguido manter-se à tona da água, tendo em conta a pressão que com certeza sofre um jovem milionário que começou a ter sucesso mediático muito cedo.

Vejamos, que outras referências temos do Canadá? Alces. Ursos. Uma bandeira que faz lembrar o Outono. A polícia montada e alguns lenhadores que adoram o transformismo, pelo menos a acreditar na canção dos Monty Python. Ah, temos os Arcade Fire, mas esses competem noutro campeonato, o dos sacos de pano ao ombro e das barbas compridas e enfeitadas. A verdade é que Bieber consegue ser um exemplo de sucesso, contrariando o fado que diz que as estrelas precoces estão condenadas a acabar na sarjeta — como Macaulay Culkin — ou no Júlio de Matos — como teria acontecido com Michael Jackson, se sequer sonhasse onde fica a Avenida do Brasil em Lisboa.

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Desde os 14 anos que Bieber manda nos tops e arrasta multidões pelo mundo fora, vendendo muitos discos (sim, ainda há quem o faça) e esgotando concertos em estádios, barracos e pavilhões. Exemplo disso mesmo é a casa cheia que Bieber vai encontrar na zona do Parque das Nações, apesar de o preço dos bilhetes poder ir até uns estratosféricos 125 euros. Eventuais tendas montadas à volta da sala de espectáculos lisboeta podem ser confundidas com as estruturas montadas por aqueles que não conseguiram entrar no Eldorado Web Summit. Gente que foi ficando por ali, na esperança de ser bocejada pela sorte ou por uma ideia brilhante na área das tecnologias. Adiante.

Numa época de consumo imediato e destruição criativa acelerada, é impressionante que Justin Bieber continue a fazer muito sucesso, sem o público dar mostras de cansaço ou de querer votá-lo à obsolescência. A sua audiência continua a ser fiel e militante, apesar de vivermos na era do défice de atenção e da busca incessante pela próxima vedeta descartável. E como tal é de saudar que um miúdo cuja carreira começou em 2008 — curiosamente o ano do terramoto Lehman Brothers, sinal de que as catástrofes podem andar de mãos dadas — consiga sobreviver à erosão. Sobretudo se tivermos em linha de conta os inúmeros escândalos em que já se viu envolvido.

Bieber já foi detido mais do que uma vez nos Estados Unidos por conduzir de forma errática e pouco segura, o que não deixa de ser irónico num país que permite que compremos uma arma de assalto numa ida ao supermercado, desde que respeitemos o código da estrada. Também tem sido acusado de ser intempestivo e violento, envolvendo-se em zaragatas com paparazzi ou fãs demasiado metediços, como aconteceu há dias em Barcelona. Mas também quem nunca teve vontade de assestar duas pêras em alguém que nos mói a pinha? Até o Papa Francisco já se descaiu nesse sentido.

Tenhamos calma, é um garoto como todos os outros que gosta de copos, cânhamo, aceleradores e salsifrés danados. Nada de especial. Curiosamente, a única polémica que o salpicou com mais intensidade teve a ver com um vídeo posto a circular na internet, o território natural do rapaz, a sua arena preferida, no qual o jovem Bieber, então com 15 anos, faz uma paródia de mau gosto com racismo e Ku Klux Klan ao barulho. A revelação acabou num pedido de desculpas por parte da jovem vedeta e o que é facto é que a sua carreira somou e seguiu. Não tanto porque o KKK é o novo normal mas sim porque Bieber tem sabido gerir a sua popularidade, acumulando sucessos em todos os parâmetros que importam: discos vendidos (a sério, mesmo), visualizações no Youtube, seguidores no Twitter, número de streamings no Spotify, acumulação de escândalos nos tablóides ingleses.

Reconheçamos-lhe os méritos: Justin Bieber foi capaz de cavalgar o sucesso nesta época digital sem cair na autofagia, é conhecido pelos seus trabalhos filantrópicos e até fundou uma espécie de religião unipessoal com milhões de crentes em todo o mundo. Ainda por cima falamos de crentes, os beliebers, que só querem adorar o seu profeta, sem tiques de cruzadas, dilúvios ou califados. Digamos que no mundo em que vivemos nada disto é despiciendo. Mesmo que lhe custe trautear os versos de “Love Yourself”.

[concerto de Justin Bieber esta sexta-feira no Meo Arena em Lisboa, às 20h; primeira parte com Mic Lowry & The Knocks; bilhetes entre os 42 e os 125 euros]

Pedro Vieira é consultor da Booktailors, pivô de televisão e ilustrador relutante.