“Seja o que Deus quiser!”. Diz minutos antes de fazer a prova de avaliação de conhecimentos e capacidades (PACC), ainda a caminho de Setúbal, vindo a repeti-lo instantes depois de a ter terminado, com os nervos à flor da pele. Alexandra Cardoso tem 38 anos, dá aulas desde 2004/05, mas como nunca conseguiu horários completos anuais soma menos de cinco anos de ensino. É uma das professoras que tem de fazer a PACC para poder dar aulas. E por isso esta sexta-feira foi fazê-la, ainda que contrariada.
“Vou fazer uma prova em relação à qual estou contra porque não afere nada! Mas o que vou fazer agora? Desistir de ser professora? Sempre fiz isto e fiz bem. Se não der aulas vou fazer o quê?”, desabafa a professora de inglês do segundo ciclo, lançando para o ar perguntas, sem esperar respostas de volta.
Natural de Vila Pouca de Aguiar, distrito de Vila Real, Alexandra Cardoso já correu o país de norte a sul. No ano letivo passado esteve de baixa, doente, e por estar a fazer tratamentos de quimioterapia faltou às duas chamadas da PACC – uma em dezembro e outra em julho. De nada lhe valeu o atestado médico. Ficou excluída da prova e de fora do concurso deste ano. Mas este mesmo problema de saúde poderá ser a chave para lhe abrir portas no próximo ano letivo.
“Fiquei com uma incapacidade de 66%. Pelo menos uma coisa boa a doença me trouxe. Assim posso concorrer ao abrigo da portaria 29 e é quase garantido que consiga colocação no próximo ano. Mas primeiro preciso de passar nesta prova”, explica a docente, já a chegar à Escola 2, 3 e Secundária da Bela Vista, do Agrupamento Vertical de Escolas Ordem de Sant’Iago, em Setúbal.
Na verdade Alexandra não vem sozinha. Isabel assumiu os comandos da viagem, ao volante. Muito mais calada, a professora de matemática e ciências do segundo ciclo também vai fazer a prova, embora com muito menos esperança que a amiga. “Já não acredito em nada disto”, afiança Isabel, que começou a dar aulas em 2003/04, mas só conseguiu um ano de horário completo. Desde 2012/13 que não dá aulas. Isabel já não é uma caloira nestas andanças da PACC. Há um ano também se inscreveu. Mas, convencida de que a prova não seria validada, dada a confusão que se fez sentir na escola e em especial na sala de aula, acabou por fazer a prova sem ler. “Mesmo assim tive 8,5 valores. Ao menos se tivesse lido a prova…”, ironiza, confessando-se “arrependida”.
Duas horas de prova: pouco tempo para quem a fez; uma eternidade para quem esperava cá fora
À chegada à escola, mesmo ao lado do bairro social da Bela Vista, em Setúbal, tudo tranquilo. Os relógios marcam 14h30. Falta meia hora para a prova começar e do lado de fora dos portões, apenas dois sindicalistas marcam presença, distribuindo folhetos com palavras de ordem contra a PACC. Nada de protestos. Muito diferente do que aqui se viveu há um ano atrás, relembram os funcionários que conversam à entrada da escola. Tumultos, cola nas fechaduras e invasão do recinto escolar, obrigaram mesmo à intervenção policial.
Alexandra e Isabel passam o portão, identificam-se e seguem caminho. Espera-as uma prova de avaliação de duas horas. E enquanto dentro das salas os docentes veem os ponteiros rolar a uma velocidade estonteante, cá fora, os relógios parecem estar parados. Os pés gelam e nem os casacos tapam o frio que se faz sentir. Dois seguranças e duas funcionárias da escola vão falando, sem parar quietos, sobre tudo o que vai de mal no país, mas nem assim aquecem.
Às 16h30 começam a sair os professores suplentes que foram chamados pelo diretor, para evitar contratempos de uma greve marcada para este dia por vários sindicatos dos professores. Às 17h10 saem os avaliados.
“Tivemos muito pouco tempo! Fiz tudo, mas só em algumas das perguntas consegui realmente pensar. Agora seja o que Deus quiser”, resume Alexandra Cardoso, confessando: “passou-me tudo pela cabeça. Inclusive abandonar a sala”.
Já no carro, de regresso a casa, a professora de inglês liga para uma amiga que também fez a prova em Lisboa: “Sara, só me apetece beber caipirinhas e esquecer que fiz isto! A tua também era uma porcaria? Eu fiz umas cinco ou seis ao calhas…” E a conversa continua no mesmo tom.
Alexandra acha que a prova exige conhecimentos de matemática a mais para quem é de letras. Já a matemática Isabel queixa-se dos longos enunciados. Nenhuma ficou satisfeita.
“Se a prova comum é assim então a específica até logo, já foste!”, antecipa Alexandra Cardoso que só espera obter aprovação na PACC. Para já espera também esquecer a prova, da qual sente “vergonha”.
Esta sexta-feira, de acordo com dados oficiais do Ministério da Educação, apresentaram-se 2.514 professores contratados para fazer a prova, que decorreu sem perturbações nas cerca de 80 escolas. O que significa que faltaram 347 dos 2.861 docentes que se tinham inscrito. No ano passado inscreveram-se para a componente comum da prova, em dezembro de 2013, 13.551 professores, mas no final das duas chamadas, só 10.220 exames foram validados. Desses, 8.747 obtiveram nota positiva, com uma média de 63,3 pontos percentuais.