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Os músicos portugueses parecem estar determinados a voltar em grande ao ativo depois de alguns anos particularmente difíceis. 2023 já se afigurava como um ano intensivo para a produção nacional. Tendo em conta a quantidade (e a diversidade) de discos e singles que já foram editados nos seis primeiros meses do ano, a expectativa foi mais do que confirmada.

A partir de um universo que poderia dar várias outras listas, sem nunca repetir canções, esta é uma amostra que serve de panorâmica sobre um universo de criatividade que se alarga cada vez mais, do hip hop ao fado (até juntando ambos), da eletrónica às contaminações da tradição mais distante dos grandes centros. Destacamos aqui 23 canções portuguesas que marcaram a primeira metade deste ano.

“Ai Coração”

Mimicat

É o tema que os portugueses escolheram para representar Portugal na Eurovisão. “Ai Coração”, uma faixa composta em cinco minutos por impulso criativo, estava na gaveta de Mimicat há cerca de 10 anos. A cantautora ponderou oferecê-la a outras artistas para a interpretarem, mas acabou por a tornar sua. O resultado foi um fado corridinho a festa de leste, com uma aura mais clássica que remete para a tradição do Festival da Canção. Foi a primeira vez que um tema oriundo de uma candidatura de livre submissão conquistou o concurso da RTP e Mimicat considerou mesmo que simbolizou uma vitória dos “underdogs”. Não teve a melhor prestação na Eurovisão, mas ainda assim é uma das faixas nacionais que contam a história deste ano.

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“Cadáver”

xtinto

É um dos singles de Latência, o primeiro álbum de Francisco Santos, rapper que assina como xtinto. “Cadáver” fala sobre sucesso póstumo e volta a demonstrar como xtinto não só é um dos rappers portugueses com uma escrita mais rica e elaborada, como é também um autêntico ás dos refrões melódicos, de calibre pop. A transição do instrumental a meio da faixa torna-a ainda mais estimulante.

“Chakras”

Ivandro e Julinho KSD

Dois amigos da Linha de Sintra, que em poucos anos se tornaram em duas das maiores estrelas da música nacional, reúnem-se num tema que inclui o melhor de ambos — as melodias doces de Ivandro e o flow contagiante e sonoridade mexida de Julinho KSD. Superação e ascensão social numa letra cantada de forma fraterna em português e crioulo.

“Estrada”

Pedro Mafama

Foi em março que Pedro Mafama revelou o primeiro single do seu segundo álbum, Estava No Abismo Mas Dei Um Passo Em Frente. Apresentado desde logo como um disco mais celebratório e alegre, Mafama e o co-produtor Pedro da Linha usaram um sample do “Hino dos Mineiros de Aljustrel”, uma canção pesada e melancólica, para a cruzarem com rumba portuguesa, ligada à comunidade cigana, que resultou numa faixa dançável e luminosa que fala sobre a procura de liberdade e que tem uma forte carga simbólica. Um avanço auspicioso em que Pedro Mafama voltou a reinventar a tradição portuguesa de forma original e ambiciosa.

“Fase”

ProfJam

Denso e espiritual, o rapper ProfJam lançou este ano um disco de “Música de Intervenção Divina” (abreviada para MDID). São muitas as faixas que se destacam — inclusive já havia uma série de singles apresentados durante o ano passado — e uma delas é esta “Fase”. Evidencia bem o talento de Mário Cotrim para cruzar melodias com profundidade e criatividade lírica, num exercício ao alcance de poucos, ainda que o álbum não seja tão acessível quanto o anterior.

“Foi Assim que Aconteceu”

Marisa Liz

Depois de muitos anos a trilhar um percurso de sucesso na música pop em Portugal (destacou-se, sobretudo, nos Amor Electro), Marisa Liz determinou-se a gravar um disco a solo. Girassóis e Tempestades chegou neste ano de 2023 e um dos grandes singles é “Foi Assim que Aconteceu”. Trata-se de uma canção com arranjos cuidados e co-produção de Moullinex.

“Ginga”

Tó Trips

Tó Trips, membro de Dead Combo, Club Makumba ou Lulu Blind, voltou a apostar num disco a solo. A guitarra é, naturalmente, a protagonista de Popular Jaguar, o álbum onde se encontra esta “Ginga”. É uma canção bem ao gosto de Tó Trips, repleta de texturas e aromas, que parece cruzar latitudes e contar uma história. Misteriosa, claro, pois só a podemos imaginar. O contributo do contrabaixista António Quintino também é essencial.

“Grandeza”

Slow J

Na busca pela internacionalização, têm sido cada vez mais os músicos portugueses a apresentarem-se no A Colors Show — formato em que artistas singulares de todo o planeta interpretam as suas canções em estúdio, perante um público global, num cenário minimalista. Slow J levou um novo single, “Grandeza”, composto pelos irmãos GOIAS, que poderá muito bem fazer parte do seu próximo disco. Com um refrão imponente, versos assertivos e bridges extraordinárias, volta a distinguir Slow J como um dos mais estimulantes músicos portugueses do seu tempo.

“Heartless”

Richie Campbell

Richie Campbell terá dado em abril um dos concertos mais importantes do ano para a música portuguesa, quando esgotou a Altice Arena, em Lisboa, para apresentar o seu novo álbum, Heartbreak & Other Stories. Um dos grandes singles é “Heartless”, uma canção que sintetiza bem o poder cativante do R&B sofisticado, açucarado e perfecionista que Ricardo Costa se propôs a fazer desde que reinventou a sua carreira com Lisboa (2017).

“Loucamente”

D.A.M.A e Los Romeros

Nos últimos tempos, os D.A.M.A têm-se aproximado de raízes tradicionais para construírem as suas novas canções. Infiltraram a sua música pop com cante alentejano em “Casa” e agora foi a vez de abraçarem o flamenco com “Loucamente”, uma colaboração com Los Romeros. Tem sido uma trajetória artística diferenciadora para o trio de Miguel Cristovinho, Kasha e Miguel Coimbra.

“Mais que ao Sol”

Milhanas

Com uma voz afadistada — e aqui até se ouve guitarra portuguesa — Milhanas é uma das jovens cantoras que têm formado uma nova (e tão importante) vaga de mulheres vocalistas na pop portuguesa. “Mais que ao Sol” é um dos singles do seu álbum de estreia, De Sombra a Sombra, onde a artista se despe das suas dores numa canção envolvente.

“Mão na Mão”

Ana Lua Caiano

Ana Lua Caiano assume-se neste momento, facilmente, como uma das grandes promessas da música portuguesa. Com um novo disco para provar isso mesmo, Se Dançar É Só Depois, um dos mais estimulantes dos novos temas é “Mão na Mão”, que mostra bem aquilo de que a sua autora é feita. Dotada de uma voz cristalina, a artista volta a cruzar ritmos tradicionais da música nacional com sons eletrónicos, refrescando a nossa herança cultural com um embalo pop.

“Menina da Praia”

Tainá

Com produção de Marcelo Camelo, o novo single de Tainá — jovem brasileira radicada em Portugal — é luminoso e subtil, transportando-nos facilmente para um passeio à beira-mar, junto da natureza e dos pequenos prazeres da vida. A voz doce da cantora é fulcral neste tema de arranjos cuidados.

“O Quarto (Fado Pagem)”

Carminho

Nesta estrada interminável que é a prática do fado, Carminho agarrou-se a uma melodia do lendário Alfredo Marceneiro para escrever “O Quarto (Fado Pagem)”, single do disco que apresentou no início deste ano, Portuguesa, que consolida o seu legado e talento. Carminho propôs-se a jogar as regras do jogo, seguiu os cânones do fado, para acrescentar mais camadas à história e aumentar o seu espólio, que é cada vez mais rico e próximo da perfeição.

“Património”

VLUDO

Sam The Kid continua a apostar nos discos colaborativos com nomes do hip hop underground e Dedos Finos marcou a estreia de VLUDO, o entusiasmante projeto que junta os seus instrumentais às rimas ásperas de Blasph, rapper experiente e carismático que pintou da melhor forma as telas sonoras que lhe foram entregues. “Património” é um single particularmente eficaz porque também inclui versos sagrados de Samuel Mira.

“Peça Desculpas, Senhor Presidente”

Luca Argel

Com um tema simples, bonito e incisivo, o luso-brasileiro Luca Argel — que lançou uma obra notável intitulada Sabina — apelou ao “senhor presidente”, Marcelo Rebelo de Sousa, que, em representação de Portugal, pedisse desculpas pelo nosso passado colonial. Desconhecemos se esta canção teve alguma influência, mas o Presidente da República de facto pediu desculpas pela colonização, aquando da visita oficial do presidente brasileiro, Lula da Silva, nas celebrações do 25 de Abril. Luca Argel transformou desejo em canção com o mote certo e de forma majestosa.

“Pouca Terra”

Stereossauro e Ana Magalhães

Depois do incontornável Bairro da Ponte, o produtor e DJ Stereossauro voltou a abordar o fado para o fundir com música eletrónica (e outras texturas e cadências musicais) para Tristana, um disco que resulta de uma parceria com a fadista Ana Magalhães. “Pouca Terra”, que é dançável mas também contemplativa, é uma das melhores canções do álbum. Sandra Baptista também participa nesta faixa, que tanto parece evocar África como a música popular portuguesa.

“Purpurina”

João Não e Lil Noon (com Mike El Nite)

Dois anos após Terra-Mãe, a dupla de Gondomar formada pelo cantor João Não e pelo produtor Lil Noon reuniu-se para Se Eu Acordar. É um disco auto-consciente que afirma a nova canção romântica portuguesa, repleto de vanguarda mas também de sons retro, de ambientes noturnos e lascivos, que celebra a tradição mas também a leva por caminhos novos e reviravoltas alternativas. A dançável e envolvente “Purpurina”, que também conta com versos preciosos de Mike El Nite, é um dos melhores temas do projeto.

“Querido Ex Namorado”

Bárbara Tinoco

Uma das maiores estrelas pop do momento, Bárbara Tinoco, lançou muito recentemente um novo álbum, Bichinho. É um disco em que a autora revisita várias histórias pessoais e “Querido Ex Namorado” é uma das que se destacam. O single está inegavelmente bem estruturado, com os arranjos ideais, a voz no ponto e é mais uma prova da dimensão do talento de Tinoco enquanto escritora de canções.

“Saia da Carolina”

Carolina Deslandes

Carolina Deslandes foi outra das artistas portuguesas que abriram o ano com um lançamento de um novo álbum. No alinhamento diverso (talvez até disperso) de CAOS, encontramos “Saia da Carolina”, para a qual agarrou na canção popular de modo a construir um original hino feminista, de “punho cerrado”. Carolina Deslandes apresenta uma letra excecional com a entrega perfeita, onde até cabe uma cadência mais próxima do rap. Mensagem, consciência, estética e lírica — tudo a remar para o mesmo lado.

“Tê Menos 1”

EU.CLIDES

EU.CLIDES é um dos músicos mais entusiasmantes dos últimos anos a aparecer em Portugal. No seu primeiro longa-duração, Declive, uma das canções que mais se destacam é “Tê Menos 1”. Sátira da crise da habitação em Portugal, tem um balanço contagiante (também graças ao trabalho de Pedro da Linha) e é espetacularmente cativante na voz harmoniosa de EU.CLIDES. Trata-se de um tema repleto de texturas musicais, claramente construído com um perfecionismo tão paciente quanto audacioso.

“UUUUHH”

T-Rex

Tem feito um percurso ascendente nos últimos anos, mas 2023 vai ficar na história como o ano da consagração de T-Rex. O rapper e produtor da Linha de Sintra abriu as hostes com Cor D’Água, um muito aguardado disco de 20 faixas recheado de bangers orelhudos, ora efusivos, ora mais introspetivos. “UUUUHH”, que é single, é apenas mais uma entre tantas faixas que têm sido ouvidas de forma massiva ao longo destes meses. Com uma ginga angolana que lhe corre nas veias e um talento inato para as melodias e escrita, T-Rex é um dinossauro feroz no seu apogeu cretáceo e “UUUUHH” é o hino de celebração que se pedia.

“Vida”

Jorge Palma

No seu primeiro disco em 12 anos, Jorge Palma — um autêntico ícone da música portuguesa — mostrou ter ainda muito por fazer. O single homónimo é uma balada magistral e afetuosa, com arranjos de cordas e sopros de Filipe Melo e a guitarra acústica de Júlio Pereira. Não há voz com maior sapiência e serenidade do que a de Jorge Palma para nos cantar sobre a “Vida”.