O primeiro discurso de Sebastião Bugalho

como cabeça de lista da AD, na Universidade da Europa, na Curia

Dra. Manuela Ferreira Leite, curvo-me perante os seus 45 anos de serviço público à democracia portuguesa. Curvo-me perante o seu trabalho em prol da democracia e da Europa. E agradeço-lhe, com todo o coração, estar aqui connosco. É por sua causa e por aquilo que fez por nós que também me senti confiante para estar aqui hoje. Obrigado, Manuela Ferreira Leite. Além desta gratidão pessoal e cívica, também há a feliz coincidência de ter sido a última líder do PSD que ganhou as eleições Europeias há 15 anos. E, portanto, estar aqui connosco, oxalá sirva de talismã, de sorte para esta candidatura. Que a história não se repete para correr mal, também se repete para correr bem. Para ganhar.

Sebastião Bugalho, no seu primeiro discurso como candidato, preparou ao milímetro e com uma métrica cuidada todo o discurso, mas deixou espaço para o improviso. A presença da antiga líder do PSD provocou uma das adaptações de última hora que fez ao discurso, aproveitando para transformar o que chamou de “feliz coincidência”, numa espécie de presságio para o seu próprio resultado. Bugalho define claramente como meta não perder por poucos (na vitória pírrica do PS em 2014), nem perder por muitos (como em 2019), mas voltar a vencer umas Europeias, como aconteceu em 2009, quando Paulo Rangel, escolhido pela então líder Ferreira Leite, impôs a primeira derrota ao socratismo. À “talismã” fez um rasgado elogio, confirmando a propensão elogiosa conhecida ao candidato da AD.

Foi sempre aqui, no espaço comum que representamos, que esse sonho europeu vibrou e se fez cumprir. Foi assim com um jovem algarvio de Boliqueime, que conseguiu uma bolsa para estudar em Inglaterra e regressou ao seu país ‒ para mais tarde ser primeiro-ministro e Presidente da República. Foi assim com um jovem de Almada, que ouviu a Revolução na rádio e correu para o cacilheiro, para ver a Liberdade a acontecer ‒ e mais tarde ser primeiro-ministro e Presidente da Comissão Europeia. Foi assim com um jovem alentejano de Beja, que foi para Paris estudar graças ao programa Erasmus, se tornou engenheiro e voltou ao seu país ‒ para mais tarde ser comissário europeu e presidente de Câmara. E, foi assim com um jovem de apenas 28 anos, a minha idade, em 1999, que seria relator do Parlamento Europeu para as Alterações Climáticas, e mais tarde ministro do Ambiente.”

Uma boa parte do discurso foi a justificar o facto de ser jovem e, por consequência, inexperiente. Para sossegar o eleitorado e a militância mais cética relativamente à sua idade, Sebastião Bugalho lembrou que outras figuras de destaque do partido já foram jovens. E começaram jovens nestas andanças. Comparou-se, nesse caso, a Cavaco Silva, Durão Barroso, Carlos Moedas e Jorge Moreira da Silva. Cavaco Silva é o único dos quatro mencionados que não esteve na Europa, mas partiu jovem para Londres antes de entrar na política e esta é uma forma de se comparar ao mais vitorioso de todos os mencionados. Quanto aos outros, Barroso chegou a presidente da Comissão Europeia, Moedas foi comissário europeu, Jorge Moreira da Silva eurodeputado. Sobre este último, é curioso que Bugalho não fale do jovem de Espinho que chegou a São Bento  (Montenegro) — provavelmente para não entrar numa comparação direta, que deixaria para uma fase seguinte do discurso –, preferindo referir o adversário do atual primeiro-ministro nas últimas diretas do PSD, que tem uma coincidência: foi para Bruxelas com 28 anos, os mesmos que tem Bugalho, para ser deputado europeu (embora o cabeça de lista fosse o mais experiente Pacheco Pereira).

Tenho ouvido as críticas, até já respondi a algumas com humildade e boa disposição. Parece que dizem que sou muito novo. E é verdade e, como diz o senhor primeiro-ministro, é um problema que passa com o tempo. Mas o primeiro-ministro francês neste momento tem 34 anos, eu sou só candidato Parlamento Europeu

Sebastião Bugalho assume ser muito novo, mas prossegue com a justificação desse handicap que lhe é apontado. Cita depois Luís Montenegro que, minutos antes, tinha dito que ser muito novo é um problema que passa com a idade. Frase que, aliás, também tinha sido utilizada por Rui Rio quando escolheu como cabeças de lista dos distritos vários jovens nas legislativas de 2019. Nessa comparação, Sebastião Bugalho poderia ter referido o caso de Sanna Marin (que na Finlândia chegou com 34 anos a primeira-ministra) ou, na sua família política, o austríaco Sebastian Kurz (que lá chegou com 31 anos), mas aproveita o hype de Gabriel Attal, que é mais atual. Há, porém, uma diferença: Attal foi nomeado, Bugalho tem de ser eleito. Salta à vista outro detalhe: Bugalho está a comparar-se com um primeiro-ministro. Sabendo disso, justificaria na frase seguinte a ousadia.

E que eu tenho dado o conta, o dr. Luís Montenegro não pensa meter os papéis para a reforma. Pelo contrário, está a começar agora o seu percurso como primeiro-ministro e vai triunfar, chefiando um Governo fiel ao seu programa.”

Nos corredores do PSD comenta-se que o objetivo (ou, pelo menos, a ambição) de longo prazo de Sebastião Bugalho não é ser eurodeputado, mas sim primeiro-ministro. Há quem tenha utilizado a expressão de que Montenegro estaria a meter a “raposa no galinheiro”. Ora, o candidato da AD às Europeias vem dizer que não está nesse campeonato e que Montenegro ainda agora começou, mas fá-lo com uma particular sagacidade. Utiliza a mesma frase que António Costa utilizou no Congresso da Batalha em 2018 quando Pedro Nuno Santos se assumia como seu sucessor e não se falou noutra coisa. O primeiro-ministro e líder do PS disse na altura: “Não meti os papéis para a reforma”. A comparação de Bugalho abre margem a leituras de que, também ele, se considera um potencial sucessor de Montenegro — mesmo que o vá negando na forma literal. Ou seja: que está para Montenegro como Pedro Nuno Santos esteve para Costa.

Parece que dizem que corremos um risco. E não é mentira. A política é o exercício permanente do risco. O Luís Montenegro arriscou quando me convidou. E eu arrisquei quando disse que sim. Mas quando é que a nossa História não se fez de risco? Quando é que o mundo avançou sem ousadia? Quando é que algo melhorou sem um mínimo de coragem?”

O cabeça de lista da AD tenta vender o risco como uma espécie de ativo eleitoral e não o contrário. Bugalho atribui ao risco um pendor mais de arrojo, de algo que é inovador e ousado — logo, mais atrativo. Nesta ode ao risco acaba por ir também de encontro, certamente com alguma intencionalidade, à frase de Sá Carneiro que dizia que “a política sem risco é uma chatice”.

Nós, ao contrário de outros, não olhamos para a Europa através de uma visão
utilitarista. Para nós, a Europa é um destino em comum, não é uma ambição pessoal. Para nós, a União Europeia é do interesse nacional, não é um interesse de carreira.Nós não apontamos aos “falcões de Bruxelas” num dia, para nos candidatarmos ao Eurogrupo no outro. Nós não começamos a nossa jornada de braço-dado com os senhores do Syriza para a acabarmos em festa com o senhor Orbán (…) Não andamos a brincar com a Europa consoante a posição das sondagens, o ciclo eleitoral, a popularidade do senhor Macron. Isso não é assim. Para sermos respeitados, temos de respeitar. E quando a Europa olha para Portugal, sabe quem está onde sempre esteve: somos nós”.

Sebastião Bugalho inicia aqui o tiro ao PS e começa por aquele que, já não sendo secretário-geral, é a figura viva mais querida dos socialistas: o antigo primeiro-ministro António Costa. O candidato da AD diz que, para as forças políticas que representa, a Europa não é uma “ambição pessoal” nem um “interesse de carreira”, numa alusão à ambição de António Costa em ser presidente do Conselho Europeu. Para António Costa guarda ainda outros “mimos” como ter elogiado a vitória do Syriza quando Tsipras foi eleito ou o facto de ter visto uma final europeia ao lado de Viktor Orbán — que entretanto foi expulso da família europeia pela qual Bugalho concorre, o PPE. Pelo meio, atira a Mário Centeno, mas com o objetivo de provar a “incoerência” do PS que, tanto é contra as imposições dos “falcões de Bruxelas”, como tem o seu ministro das Finanças a liderar o Eurogrupo. O ataque ao PS e a Costa está aqui alinhado num argumento mais abrangente e utilizado por Luís Montenegro minutos antes de que o PSD e o CDS têm uma posição europeia mais coerente do que a dos seus principais adversários (PS e Chega).

Não dizemos que o Parlamento português patrocina a guerra quando Volodymyr Zelensky se dirigiu ao Parlamento português. O patriotismo português é um patriotismo europeu e a Ucrânia é e será cada vez mais nossa irmã na Europa”

O candidato da AD fez várias referências no discurso que mostram que é pró-Ucrânia, definindo de forma clara o seu posicionamento. Mais do que isso: revela ser a favor da adesão da Ucrânia à União Europeia, mesmo que não o tenha dito textualmente. A esse propósito, aproveita por dar uma bicada ao PCP, dizendo que foi com orgulho que o PSD recebeu (por videochamada) Volodymyr Zelensky no Parlamento, ao contrário dos que consideraram a cerimónia um patrocínio à Guerra na Ucrânia.

Para isso, nesta legislatura, teremos de contribuir ativamente para o desenho do
quadro financeiro plurianual que aí vem ‒ provavelmente o último antes do
alargamento. Para isso, nesta legislatura, teremos de preparar o continente para o regresso doisolacionismo norte-americano, caso a hipótese do seu regresso se confirme.”

Ainda sobre as prioridades europeias de Sebastião Bugalho são dadas várias pistas e o cabeça de lista da AD alerta para a importância de conseguir um bom envelope financeiro no próximo quadro de fundos comunitários, uma vez que estes um dia serão bastante mais pequenos — principalmente se países mais necessitados nos balcãs, mas acima de tudo a Ucrânia, absorverem a maior parte desses fundos. À semelhança do Presidente da República e do primeiro-ministro, que têm alertado para as consequências de uma vitória republicana nos EUA, Bugalho alerta para a necessidade da Europa se preparar para o regresso de Donald Trump à Casa Branca.

Nós escolhemos fazer estas coisas e as outras, não por elas serem fáceis, mas por elas serem difíceis.”

Sobre os difíceis desafios que se colocam à Europa e em particular à lista que encabeça, Sebastião Bugalho cita John F. Kennedy que a 12 de setembro de 1962, num discurso conhecido como ” We choose to go to the Moon” utilizou as mesmas palavras para defender a continuidade do programa espacial que tinha por objetivo levar o Homem à Lua. O discurso visava contrariar o pessimismo existente relativamente ao plano de Kennedy e o discurso foi importante para que o objetivo prosseguisse. E acabou com sucesso, sete anos depois.

Nós, portugueses, nunca precisámos de ser grandes para fazer grande coisas.
No futuro, na Europa, também será assim. A cura para o cancro pode não ser descoberta num laboratório português, mas será uma equipa europeia, com uma cientista portuguesa, a consegui-lo. A primeira bandeira em Marte pode não ter as nossas quinas, mas terá 12 estrelas. E uma delas também será a nossa. Um grande homem disse uma vez que ‘para se conhecer a vitória é preciso conhecer a derrota’. Mas, meus caros, eu estou plenamente convicto: Nós escolhemos ganhar.

Bugalho entra agora na dialética de Marcelo Rebelo de Sousa de que os portugueses, mesmo sendo de um país pequeno no mundo e médio na UE, conseguem grandes feitos. Mas com uma adaptação: Portugal consegue ser grande integrado no bloco europeu. Exalta assim um patriotismo não nacionalista que, em vez de ser nacional, é europeu. Refere como exemplo (quase por absurdo) das possibilidades do bloco europeu (como um todo) a ida à Marte — para a qual diz não haver pressa — o que acaba para fazer a ponte com a ambição de Kennedy da frase anterior, essa sim com uma ambição direta de ir para o infinito e mais além.