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A "Dama de Ferro" da Estónia fez da Rússia a principal inimiga e resultou. Nem a inflação lhe estragou a festa eleitoral

Kaja Kallas assumiu a dianteira do apoio à Ucrânia e confrontação com a Rússia, enquanto lida com a inflação em casa. A estratégia compensou: derrotou extrema-direita e afastou inimigos da coligação.

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A história já foi contada uma e outra vez por Kaja Kallas. Em 1949, a sua bisavó, a sua avó e a sua mãe — um bebé de apenas seis meses — foram deportadas pelos soviéticos para a Sibéria, enquanto o seu avô foi enviado para um gulag.

“Foi um estranho quem deu à minha avó um frasco de leite que manteve a minha mãe viva durante aquela viagem”, disse Kaja Kallas aos eurodeputados a 9 de março do ano passado, quando discursou perante o Parlamento Europeu, poucos dias depois da invasão russa à Ucrânia. “Foram estranhos que secaram as fraldas da bebé na sua pele, porque era o único sítio quente dentro daquele carro de bois. E foram estranhos que ajudaram de inúmeras formas quando lhes foi permitido regressar à Estónia.”

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O governo de Kaja Kallas fez com que a Estónia fosse o país que mais contribuiu com armamento para a Ucrânia face ao PIB

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O objetivo da primeira-ministra estónia era o de alertar para as ambições e violência da Rússia de agora, que crê não serem muito diferentes da União Soviética daquele tempo. Ao longo dos últimos meses, Kallas tornou-se uma das porta-vozes europeias mais ferozes da defesa da Ucrânia e crítica da estratégia de apaziguamento do Kremlin. Para justificar a sua posição, invoca frequentemente a História da própria Estónia e a invasão soviética em 1940, o terror estalinista que levou à deportação de tantos como a sua família e a liberdade e independência só reconquistadas em 1991.

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E Kaja Kallas não se tem ficado só pela retórica. A Estónia cumpre atualmente o teto de gastos para a Defesa sugerido pela NATO: 3% do PIB. Ao mesmo tempo, deu ajuda militar à Ucrânia no valor equivalente a 1% do seu PIB, o que o torna no maior contribuinte de apoio militar à Ucrânia em termos proporcionais em todo o mundo. Para além disso, o país já acolheu mais de 40 mil refugiados ucranianos, o equivalente a cerca de 3% da sua população de pouco mais de 1,3 milhões. E a primeira-ministra não se tem coibido de criticar outros líderes europeus, como Emmanuel Macron e Olaf Scholz, quando considera que estão a ceder perante os interesses russos.

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Kaja Kallas com o Presidente francês Emmanuel Macron, de quem já discordou relativamente à postura face à Rússia

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Já lhe chamaram, por tudo isto, a “Dama de Ferro” da Europa atual. E, ao final da noite deste domingo, em que os estónios foram às urnas, parece claro que esta postura foi recompensada. O seu partido, o Reforma (centro-direita), foi o mais votado, com 31,4% dos votos (dados da noite de domingo) e pode até ganhar deputados. Não é uma maioria absoluta, é certo, mas não só o Reforma registou uma subida face às últimas eleições, em 2019, como esta é uma derrota clara do seu principal adversário — o EKRE, de extrema-direita, que subiu para segundo partido mais votado, mas terá perdido dois deputados face a 2019, ao não ir além dos 15,7% dos votos.

A contagem final dos votos e as negociações da próxima semana ditarão se Kallas conseguirá formar o governo que pretende, sem sequer ter de incluir um antigo parceiro cuja postura em relação à Rússia se revelou embaraçosa, o Partido do Centro (15%).

A postura anti-Rússia da “princesa da guerra”, que não agrada a todos

A campanha eleitoral não fez com que Kaja Kallas recuasse na postura confrontacional com a Rússia — neste momento, os dois países têm relações diplomáticas praticamente cortadas, sem embaixadores. Os estónios, disse a primeira-ministra recentemente, “têm de se habituar à ideia de que vivem na vizinhança de um Estado terrorista pária”.

Mas as relações existem, quer Kaja Kallas queira, quer não, e a oposição sabe disso — razão pela qual o tema não desapareceu ao longo de toda a campanha. A Estónia partilha uma fronteira de quase 300 quilómetros de extensão com a Rússia e cerca de 25% da sua população fala russo. Na cidade de Narva, a terceira maior da Estónia que faz fronteira com a Rússia, cerca de 20% dos habitantes nem sequer falam estónio.

Cidadãos que falam russo, o fantasma do passado soviético e ameaças cibernéticas. A Estónia continua a ser “uma parte vulnerável da NATO”

Apesar de a maioria dos estónios partilhar a posição crítica da Rússia da sua primeira-ministra, o partido de extrema-direita EKRE sabe que há fissuras a explorar e não apenas junto dos eleitores falantes de russo. O seu líder, Martin Helme, tem acusado Kallas de dar demasiado armamento à Ucrânia, pondo em risco a defesa do próprio país. Chama-lhe “princesa da guerra”, segundo a Der Spiegel, e acusa-a de estar a abrir demasiado a porta aos refugiados ucranianos, limitando o conforto social dos próprios estónios.

Ao mesmo tempo, o partido tem claramente suavizado a sua retórica face à minoria falante de russo no país, como notaram os académicos Stefano Braghiroli e Andrey Makarychev. “Há algo que temos em comum com os russos, eles são ortodoxos, não querem ter muçulmanos como vizinhos”, chegou a dizer um deputado do partido. As sondagens mostram, porém, que a maioria dos estónios falantes de russo continuam a preferir votar no Partido do Centro, historicamente ligado àquela comunidade.

A cidade de Narva faz fronteira com a Rússia e ali 20% dos habitantes só falam russo

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

A estratégia, contudo, pode ter contribuído para que o EKRE tenha conseguido ultrapassar o Partido do Centro e se tenha tornado oficialmente o segundo maior partido da Estónia. Mas não é necessariamente neste tema que o partido consegue descolar-se do Reforma de Kallas; afinal, ainda no último debate que reuniu os principais candidatos à eleição, todos concordaram com a manutenção da meta dos 3% do PIB na Defesa — Helme incluído.

Inflação, o calcanhar de Aquiles que impulsionou a extrema-direita

É que até mesmo junto dos eleitores falantes de russo há resistência às posições do Kremlin. “O debate político hoje transcende as linhas étnicas”, resumiu ao Les Echos Tarmo Jüristo, líder da plataforma transpartidária SALK, com particular ênfase entre os eleitores mais jovens. “As pessoas hoje em dia dividem-se mais entre as que têm aspirações populistas e as que defendem reformas.”

Aquilo que pode ser o verdadeiro calcanhar de Aquiles de Kallas, prevê o ativista, não é a Rússia — é a inflação: “É um excelente tema para o EKRE.”

Martin Helme, líder do EKRE, colocou em dúvida os resultados do voto online

DR Twitter

A Estónia tem um dos valores de inflação mais elevados de toda a Europa: 18,6% em janeiro, tendo chegado aos 23,2% em agosto do ano passado. Para além de uma inflação mais acentuada nos Bálticos que já se sentia há mais de um ano, a guerra na Ucrânia veio agravar esta tendência. E a energia é a área onde esse aumento de preços mais se sente, já que o país não recebe gás natural russo desde abril do ano passado.

Os vários partidos são unânimes na necessidade de manter essa independência energética face à Rússia, mas apresentam estratégias diferentes para lá chegar. Enquanto o Reforma e outros partidos mais moderados defendem uma transição para as energias renováveis, o EKRE assume-se claramente contra o que define como “viragem verde louca” e quer a manutenção de combustíveis fósseis até que haja uma transição para a energia nuclear.

Esta posição ajuda a tornar o partido particularmente popular, já que é a única que se traduz numa possível redução de preços na energia: três cêntimos por quilowatt-hora em vez dos atuais 20 cêntimos, segundo as contas do partido, citadas pelo Euractiv.

Que coligação pode ter a Estónia — e qual o papel do Partido do Centro em tudo isto?

Se Kaja Kallas aceitasse fazer uma coligação com o EKRE, poderia respirar de alívio, já que juntos teriam provavelmente o número de mandatos suficientes para formar governo. Mas a primeira-ministra decidiu fazer do partido de extrema-direita o seu claro opositor, deixando claro que é o único partido com o qual não aceita fazer qualquer coligação. “É melhor passar quatro anos na oposição do que um só dia a governar com o EKRE”, decretou em janeiro.

Já na noite deste domingo, perante os resultados, Martin Helme do EKRE também assumiu que permanecerá na oposição — ao mesmo tempo que lançou dúvidas sobre os resultados do voto online, permitido na Estónia.

Isso significa que a condução dos destinos da Estónia deverá ficar nas mãos de Kaja Kallas e a composição do governo só está dependente das negociações que se encetam esta semana, com base nos mandatos obtidos no Parlamento de 101 lugares, distribuídos por seis partidos — mais um do que até aqui, já que os liberais do Estonia 200 irão entrar no hemiciclo depois de um excelente resultado com 13,4% dos votos.

A atual primeira-ministra reclamou vitória este domingo — “Saímo-nos bastante bem”, resumiu —, mas recusou explicar quem são os parceiros de coligação preferencial. Porque é aqui que tudo se complica. Tendo em conta que o Estonia 2000 e os sociais-democratas (9,3%) também já deixaram claro que não pretendem aliar-se ao EKRE, o caminho para o Reforma de Kallas fica mais fácil, como explicou Mari-Liis Jakobson, especialista em sociologia política, à Euronews: “O Reforma, o Estonia 200 e os sociais-democratas são uma possibilidade porque há semelhanças entre os seus eleitores.”

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Cartaz do Partido do Centro, que tem tido uma postura mais ambígua face à Rússia

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Resta saber se tal será suficiente para manter ao largo o Partido do Centro. Tradicionalmente colocado mais ao centro-esquerda, a sua identidade ao longo dos anos assentou sobretudo no facto de ser o partido preferido pelos falantes de russo no país. A guerra na Ucrânia, porém, tem feito com que o Partido do Centro se tente distanciar face à Rússia de Vladimir Putin: em março do ano passado, por exemplo, terminou o acordo que tinha com o Rússia Unida, partido de Putin.

Em junho do ano passado, porém, a primeira-ministra expulsaria o Partido do Centro da coligação, dizendo que este é “incapaz de colocar os interesses da Estónia acima dos interesses do partido e das suas várias alas”. Embora nunca tenha sido verbalizado, a postura face à Rússia parece ter sido o principal fator de discordância. Agora, mesmo com inflação, os estónios foram claros: o caminho que querem continua a ser o da postura firme contra o Kremlin de Vladimir Putin.

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