Durante os últimos doze meses o Observador publicou dezenas de especiais, histórias em formato mais longo, histórias que mereceram atenção redobrada. Um ano depois, fomos ver o que aconteceu a estas pessoas. Como está Maria, a bebé que nasceu quando chegou a Troika? As campeãs do Ouriense ganharam alguma coisa este ano? E como terminou a volta ao mundo de André? Será que já há gente nas casas da EPUL no Martim Moniz? E David, o rapaz que tinha sido sequestrado pela mãe e entregue ao pai? É feliz?
- Maria, a bebé que nasceu com a Troika, fez quatro anos
- Procuradora expulsa de Timor voltou a “casa”
- Ébola. Voltaram os apertos de mão e os abraços “à boa maneira africana”
- Martim Moniz. A casa está estreada, mas por estrangeiros
- David vive com o pai e em menos de um ano aprendeu a falar polaco
- Falhanço? Faltam os heróis. “Ainda estamos nas trincheiras”
- Legionella em Portugal — “Eu quero ver alguém preso”
- Ter um contrato sem termo na Disney World dos investigadores
- Bastião laranja. Não foi um furacão, mas uma brisa
- O desgaste lá acabou por aparecer em Ourém
- Ele deixou-se inspirar pelo mundo e agora anda a inspirar o país
- João, o miúdo transgénero que ajudou à união de outros pais
Maria, a bebé que nasceu com a Troika, fez quatro anos
A ideia de ir para o infantário foi abandonada pouco depois da reportagem do Observador. Tinham passado apenas alguns dias. “Chegou a casa: abraçou-me. pediu desculpa. disse-me: fui despedido”, escreveu a mãe de Maria, Vera Agostinho, no seu blogue. Naquele dia, a ideia de Maria — a bebé que nasceu há quatro anos, quando Sócrates anunciou a chegada da Troika — e de o irmão Miguel entrarem na “escolinha”, em setembro, foi completamente chutada para canto. Começava-se a falar de recuperação económica, mas não naquele lar.
Nos meses que se seguiram, Vera e e Guilherme Cruz tiveram que recorrer às poupanças. Havia vacinas para pagar. Foram obrigados a desistir da ginástica infantil e passaram a comer carne apenas duas vezes por semana. Venderam roupas que já não precisavam e compraram brinquedos em segunda mão. Mas, garante Vera, nunca lhes faltou nada. E Guilherme acabou por voltar a trabalhar.
Os meses de tormento não passaram ao lado de Maria e de Miguel. Os dois irmãos cresceram e evoluiram neste último ano. Ela “aprendeu, sobretudo, muito sobre ela, sobre os outros e sobre a natureza”, diz a mãe. “Continua uma menina tranquila e curiosa. Gosta de cozinhar e de correr, de apanhar folhas, flores, pedras e paus e de trazer tudo para casa dentro nos bolsos”. O Miguel aprendeu a questionar o mundo à sua volta através da pergunta “porquê”. Já come sopa sozinho e até consegue acender a luz. Por trás da sua timidez, é bem-disposto. Tem agora dois anos e meio.
Vera já decidiu. Ficará por casa mais uns anos, até que o mais novo possa entrar no pré-escolar, aos cinco. Tem projetos profissionais que não a obrigam a cumprir horários, só a “combinar palavras”. E assume-se como mãe, sem problemas.
Texto: Sónia Simões
Procuradora expulsa de Timor voltou a “casa”
Neste momento está nas Varas Criminais do Campus de Justiça, em Lisboa. Foi de lá que a procuradora Glória Alves saiu há mais de dois anos para trabalhar em Timor e foi para aqui que voltou de uma forma inusitada: quando o Governo timorense lhe deu ordem de expulsão, a ela e a mais cinco juízes, um procurador e um oficial da PSP, que trabalhavam naquele país no âmbito de um protocolo de cooperação com Portugal.
Na altura foram invocados motivos de “força maior” e de “interesse nacional”, mas os magistrados disseram sempre que os motivos do seu afastamento se deviam aos processos mediáticos que tinham em mãos, que envolviam figuras políticas. “Pelo que tenho contactado com os meus colegas de lá, nenhum dos julgamentos destes processos foram feitos”, afirma Glória Alves ao Observador.
A procuradora regressou “a casa”, mas esta casa está arrumada de forma diferente. Com o novo mapa judiciário, em vigor desde setembro de 2014, viu muitos serviços mudarem de nome. Mesmo assim, não “calhou” numa comarca onde os processos mudaram de sítio. “Voltei em janeiro porque estive de férias”, explica.
Triste com o governo de Xanana Gusmão, a procuradora diz, no entanto, que tem saudades do país e dos timorenses. “Noutras circunstâncias, e não com este governo”, voltaria a trabalhar por lá. Enquanto isso, vai falando com amigos que deixou por lá, na maioria professores.
“Neste momento a cooperação está suspensa e mesmo que não estivesse eu não iria para Timor, mas com uma alteração do quadro timorense voltaria para lá”, afirma.
Texto: Sónia Simões
Ébola. Voltaram os apertos de mão e os abraços “à boa maneira africana”
Para a maioria dos portugueses o surto do ébola é uma ameaça que mora, e sempre morou, longe. Por cá houve meros casos suspeitos, que não passaram disso mesmo. Mas para Emanuel Pereira o perigo tem vivido ao lado. Este português chegou à capital da Guiné-Conacri – o terceiro país mais atingido pela epidemia – em abril do ano passado. Neste momento, garante, a situação está “muito mais calma” do que em outubro, quando falou, pela primeira vez, com o Observador.
“A preocupação está muito mais reduzida, uma vez que o ébola parece já não fazer parte das conversas quotidianas dos guineenses, os cumprimentos mais acalorados à boa maneira africana foram retomados e a vida das pessoas regressou à normalidade”, retrata Emanuel Pereira, acrescentando, porém, que os cuidados continuam, como a medição da temperatura à entrada das instituições e estabelecimentos públicos e a lavagem de mãos com desinfetante.
“Parece-me que gestos mais simples do dia-a-dia, designadamente a lavagem das mãos, passaram a fazer parte das preocupações de cada um”, descreve o português que está a trabalhar no Ministério da Economia e Finanças da República da Guiné Conacri.
Da capital para o interior, também a situação tem vindo a tranquilizar. O médico de saúde pública Eugénio Cordeiro esteve na prefeitura de Kissidougou, a 500 km de Conacri, entre fevereiro e março deste ano, com o propósito de ajudar no combate à epidemia. Mal chegou fez vigilância de contacto, numa zona onde tinha surgido um caso pouco tempo antes. Mas nas seis semanas que por lá andou não mais foi encontrado um caso de ébola naquela zona.
Como tal, dedicou o resto do tempo a fazer vigilância ativa, ou seja, a percorrer os serviços de saúde, “com condições muito más e completamente ultrapassados”, e a visitar as comunidades locais. “Foi uma ótima experiência. Mas sei que tive alguma sorte, pois fui para o interior e consegui ter um contacto muito maior com a população” o que não teria acontecido num centro urbano.
Texto: Marlene Carriço
Martim Moniz. A casa está estreada, mas por estrangeiros
Basta fechar os olhos e já não estamos no centro de Lisboa. A música caribenha, o som de água a correr e dos skates a galgar muros invadem os ouvidos com a mesma intensidade com que uma multiplicidade de cheiros exóticos chegam ao nariz. De repente, já não é o Martim Moniz, é o que se queira: uma praia das Caraíbas onde se vendem chamuças e água de coco, por exemplo.
O que pensará disto a rapariga louro-nórdico que se chegou agora mesmo a uma varanda com um copo de vinho tinto na mão? Não sabemos. Saberá ela que estar naquela varanda era um cenário impensável há poucos meses? O projeto que a Empresa Municipal de Urbanização de Lisboa (EPUL) construiu no Martim Moniz só ficou pronto no fim de 2014, onze anos depois do previsto, 13 anos depois de os compradores terem começado a pagar empréstimos e numa corrida contra o tempo antes da extinção da empresa, determinada para o último dia do ano passado.
Tanto tempo passou, que os jovens que ganharam o concurso de 2001 para ter uma casa naquela praça já deixaram de ser jovens, compraram casas noutros sítios e organizaram a vida de outra forma. Mas continuam a ter empréstimos para pagar. Nuno Oliveira é um deles. Em 2001 tinha 24 anos e era solteiro. Hoje, com 38 anos, é casado com Susana e pai de dois filhos. “Em 2007 nasceu a primeira criança, em 2009 a segunda. E ficou completamente de parte a vinda para aqui”, conta Nuno num Martim Moniz bem diferente daquele onde julgou que ia viver. O empreendimento está acabado e três lojas chinesas já estão abertas no rés-do-chão, mas ainda são raras as janelas onde se vê movimento. E do que se vê, muitos dos atuais ocupantes são turistas.
Para Nuno e Susana foi quase como fazer uma conta de somar: Lisboa está na mira dos turistas; a casa fica bem no coração da cidade e há todo um mercado de estrangeiros que preferem apartamentos a hotéis. A ideia surgiu apenas uma semana antes de fazerem a escritura. “Até aí pensávamos em arrendamento de longo prazo. Perguntámos, informámo-nos sobre como é que funciona” e voilà, explica Susana, que ainda teve uma ponta de pena. “No dia em que fizemos a escritura, entrámos em casa e, de facto, é uma casa cheia de luz, é uma casa que apaixona, é confortável, bonita, em Lisboa, a cinco minutos de tudo. Dá vontade de vir para cá morar. Mas nós descemos com os pés à terra e não é possível, não faz sentido para nós, enquanto família. Tenho pena é que isto não tenha acabado há uns cinco aninhos”, desabafa.
Feita a escritura no fim de fevereiro, os turistas começaram a chegar quase logo a seguir. Pelo T2 que têm num dos prédios que não dá diretamente para o Martim Moniz, Nuno e Susana cobram 70 euros por noite durante o mês de maio. “Não estamos à espera de enriquecer, mas naturalmente pagar o investimento que aqui temos. Estamos a pagar o empréstimo associado à casa. Estivemos 14 anos nesta luta, não foi pouco tempo, e investimos aqui muito dinheiro.”,
“Queremos que a casa se pague a ela própria. É um ativo”, diz Nuno, já conformado com a ideia de não morar ali e encarando o novo e inesperado negócio com entusiasmo.
Texto: João Pedro Pincha
David vive com o pai e em menos de um ano aprendeu a falar polaco
Aquele sonho era recorrente. Jacek Rybezynski sonhava que, no dia do seu aniversário, reencontrava o filho desaparecido há quase três anos depois de raptado pela própria mãe. E foi o que pensou, em maio, quando estava na Polónia e recebeu um telefonema da Polícia Judiciária portuguesa a dizer-lhe para apanhar um avião e vir buscar o filho a Setúbal.
“Quando sonhava com isto acordava frustrado. Percebia que tinha sido um sonho. Naquele dia só pensava no momento em que ia acordar, precisava que me beliscassem para acreditar”, recorda, emocionado, ao Observador, numa conversa via Skype. O dia de que fala é o 23 de maio de 2014, quando dois inspetores da Polícia Judiciária, que já seguiam há alguns dias os passos da sua ex-mulher, portuguesa, acabaram por intercetar mãe e filho. David tinha já sete anos e percebia o que estava a acontecer.
https://youtu.be/0P8q3UTce9g
Desde que saíu da sua terra natal, em Coruche, com o filho pela mão, a mãe de David fazia esforços para não utilizar cartões multibanco, não renovar cartões de identificação nem inscrever o filho numa escola. A queixa por rapto foi feita por Jacek, a quem fora concedida a guarda da criança após o divórcio. E a PJ investigou e acabou por conseguir encontrar o menor.
Jacek apanhou o primeiro avião que conseguiu, até Berlim, na Alemanha. Depois fez a ligação para Lisboa e seguiu de carro para Setúbal. O encontro emocionou os próprios polícias e magistrados. “Pai!”, gritou David, feliz pelo reencontro. Quem viu arrepiou-se. À semelhança do que fez com o Observador, via Skype, David dançou em frente aos polícias. Ao Observador fez breakdance, uma das suas ocupações desde que chegou à Polónia para viver com o pai. Sorridente, de caracóis revoltos num cabelo claro, David diz que não gosta da escola. Mas gosta de dançar e tocar piano.
Texto: Sónia Simões
Falhanço? Faltam os heróis. “Ainda estamos nas trincheiras”
Vasco Pedro esteve envolvido em três projetos antes de lançar a Unbabel. Todos falharam. Hoje, lidera a primeira startup portuguesa que recebeu investimento da Google Ventures, o fundo de capital de risco do gigante da tecnologia – foram cerca de 1,3 milhões de euros. Em junho de 2014, o quarto projeto de Vasco Pedro estava a crescer. Cerca de um ano depois continua assim: a empresa cresceu 40% em vendas nos últimos três meses, ultrapassou as 25 milhões de palavras traduzidas e estão mais de 25 mil tradutores inscritos na plataforma. Vasco Pedro explica: “Numa startup, um ano parecem 20. Há sempre muitas coisas a acontecer.”
A preocupação, agora, é o foco: escolher aquela que é a coisa mais importante para a Unbabel no momento. E concentrar os esforços da equipa nela. Se há um ano a pergunta que o Observador lançava era se o estigma do fracasso era uma pena para toda a vida, hoje Vasco Pedro diz que “há toda uma energia positiva” no ecossistema. As pessoas falam mais abertamente sobre o assunto e têm mais vontade de fazer coisas – de crescer e aprender. “Não acho que o falhanço deva ser celebrado, mas acho que faz parte do crescimento e que deve aprender-se com ele”, diz. O que ainda falta? Histórias de heróis, adianta Vasco Pedro. “Ainda estamos nas trincheiras.”
A José Simões, nem o Cristiano Ronaldo lhe valeu quando quis levar a Mobitto a bom porto. O projeto captou a atenção do Bola de Ouro português, mas não foi suficiente para resistir aos problemas que teve com a equipa e com os investidores. Quando o Observador falou com o empreendedor, ele estava em São Paulo, no Brasil, a trabalhar num site de comércio eletrónico. Queria ganhar dinheiro para ter conforto financeiro para poder voltar a arriscar. Um ano depois, já o fez.
“Há poucos meses, dei o primeiro passo (o meu primeiro investimento) para um projeto que penso realizar nos próximos três anos – começar a minha própria venture builder, um misto de startup studio e um mini fundo de capital de risco, se possível sediado em Portugal”, revela. A vida em São Paulo fez com que pudesse olhar novamente para o mundo do empreendedorismo, e é perto das startups que quer estar.
Sobre o falhanço, diz que não sabe se o ambiente em Portugal mudou, mas que teve oportunidade de partilhar a sua história com vários empreendedores. “Nunca senti que o meu falhanço tivesse alguma consequência negativa, mas também não voltei a tentar trabalhar em Portugal. Acho que hoje as pessoas entendem que, da mesma forma que sucesso não é final, o falhanço não será fatal”, adianta.
Para Hugo Pereira, investidor da Shiling Capital Partners, esta mudança sobre a forma como as pessoas olham para o falhanço é intergeracional. “É preciso passar uma geração para que se mude verdadeiramente, mas a mudança tem vindo a acontecer, passo a passo, aos poucos. Já não há tanto aquele medo de dizer que outros conceitos não vingaram e que se vai fazer outra coisa”, diz.
O investidor, que há cerca de um ano falava da importância daqueles que são os “empreendedores veteranos”, diz hoje que ainda não se diz abertamente “eu falhei”, mas há mais à-vontade para contar que se passou da ideia inicial para um conceito diferente. E adianta que casos como o do Grupo Espírito Santo também contribuíram para a redução do estigma. “Tornou o falhanço como algo mais democrático, que nos toca a todos”, diz. Até aos Donos Disto Tudo.
Texto: Ana Pimentel
Legionella em Portugal — “Eu quero ver alguém preso”
Nuno Viveiros, 43 anos, tem o dia 10 de novembro de 2014 gravado na memória. Foi nessa véspera de S. Martinho que este habitante de Alverca começou a sentir-se doente, tão doente que ao final do dia já não conseguia sair da cama. Os sintomas eram de gripe, mas de uma gripe muito forte, que nunca lhe tinha batido à porta. Guiou-se sempre pelos conselhos que lhe deram na Linha Saúde 24, até que, no sábado seguinte, decidiu ir ao médico, uma vez que a febre continuava nos quarentas. Diagnosticaram-lhe Legionella e já não saiu do hospital.
“Fiquei chateado porque odeio dormir fora de casa”, graceja, agora com algum distanciamento, garantindo que nunca lhe passou pela cabeça que iria morrer daquela doença, que debelou rapidamente. Mas seis meses depois, e “por muito que não queira admiti-lo”, nota “que o corpo está muito mais fraco”. Este ano já lá vão cinco constipações, duas delas com febre. O único “ponto positivo” foi ter deixado de fumar logo no dia 11 de novembro.
Passado este tempo, continua com a mesma sede de justiça e já apresentou queixa-crime contra desconhecidos. “Eu sou má pessoa. Eu quero ver alguém preso. E não me apresentem o porteiro da fábrica ou o técnico que ganha 500 euros ou 600 euros!”, declara Nuno Viveiros, afirmando que irá “até onde conseguir” para encontrar um culpado.
Quem também já apresentou queixa-crime foi Isabel Sousa, que perdeu a mãe, de 73 anos, no passado dia 21 de dezembro. Foi uma das 10 vítimas mortais deste surto. “Quem cometeu este crime deverá ser punido, até porque continuamos aqui a viver e não sabemos se o perigo continua”, explica ao Observador.
Nuno Viveiros e Isabel Sousa são duas das 161 pessoas que, de acordo com fonte oficial do Ministério Público, apresentaram queixa-crime contra desconhecidos até ao dia 5 de maio. Paulo Rocha, presidente da Ordem dos Advogados de Vila Franca de Xira, acredita que o número de queixas possa chegar a 200. Ainda assim, bem menos do que as mais de 330 pessoas afetadas pela Doença dos Legionários.
Até aqui, as fortes suspeitas recaem sobre uma empresa em específico, a Adubos de Portugal (ADP), embora o caso continue sob investigação. Contactada, a empresa em causa disse “não ter nada a declarar ou a acrescentar para além do até então referido”.
Texto: Marlene Carriço
Ter um contrato sem termo na Disney World dos investigadores
Para quem deseja seguir uma carreira de investigação científica, sair do país de origem é uma forma de adquirir novas competências, ter experiências diferentes ou encontrar financiamento. Formado na Universidade de Coimbra, Tiago Brandão Rodrigues já esteve em Dallas (Estados Unidos), em Madrid (Espanha) e agora está fixo em Cambridge, no Reino Unido.
Fixo, mesmo fixo. Depois de três anos de bolsas de investigação em Inglaterra para seguir o trabalho de pós-doutoramento, Tiago Brandão Rodrigues conseguiu recentemente uma posição permanente em Cambridge, a cidade que diz estar para os cientistas como a Disney World está para as crianças. Esta posição equivale à de investigador auxiliar em Portugal e implica uma avaliação a cada cinco anos para definição do financiamento que o grupo de investigação vai receber.
“[Este contrato sem termo] torna o que é uma atividade com alguma precariedade, num projeto a médio-longo prazo, com outra solidez. Permite um nível de ambição maior, dá para pensar em projetos mais arriscados, ou em soluções que precisem de mais trabalho a longo prazo”, diz Tiago Brandão Rodrigues. “Não há nada melhor do que estar, no dia-a-dia, rodeado de gente brilhante, capaz, que faz a diferença nos campos onde trabalha.” O investigador admite que o nível de qualidade da ciência que se produz em Cambridge torna o trabalho que realiza exigente, mas muito desafiante.
Tiago Brandão Rodrigues trabalha no Cancer Research UK, onde se tem dedicado ao desenvolvimento de novas tecnologias para avaliar precocemente o efeito de um tratamento contra o cancro. Como esta técnica não se baseia no tamanho do tumor, mas sim na atividade metabólica, é possível verificar ao fim de poucos dias se o tratamento está a funcionar, em vez de esperar vários meses para avaliar o resultado com as técnicas tradicionais.
A investigação tem dado bons resultados e o investigador espera que os primeiros ensaios clínicos se iniciem brevemente. Mas até que a tecnologia esteja disponível para a aplicação clínica ainda podemos ter de esperar uma dezena de anos.
Texto: Vera Novais
Bastião laranja. Não foi um furacão, mas uma brisa
Ninguém diria, mas Alvaiázere, o bastião laranja mais laranja do país, mudou. O presidente social-democrata demitiu-se a dois anos de terminar o mandato, o líder do PS local também. E o número de militantes socialistas teve um crescimento exponencial de 46,6%.
Quando, em setembro do ano passado, o Observador esteve em Alvaiázere para perceber como as primárias socialistas (ou a guerra dos Antónios, o Costa e o Seguro) eram vistas aos olhos de um dos maiores bastiões laranja – pouco habituado a falar de duelos internos – encontrou uma vila pacata que girava à volta da câmara municipal e de uma maioria social-democrata esmagadora. Militantes socialistas só havia 15, simpatizantes inscritos nas primárias eram apenas 56. Paulo Tito Morgado liderava a autarquia desde 2005, tendo sido reeleito em 2013 para um mandato de quatro anos, que só terminaria em 2017. Antes dele, já o município andava há mais de 20 anos vestido de laranja e com algumas das vitórias mais expressivas no currículo.
Mas de repente, um travão. Em novembro, Paulo Tito Morgado decide pôr um ponto final à governação de uma década e remete para 30 de abril o seu último dia na câmara. “Uma traição ao voto e à confiança das pessoas”, diz Nelson Paulino da Silva, líder da concelhia do CDS e o maior opositor ao executivo social-democrata no município.
Diz-se por aí que a decisão inesperada foi “por motivos pessoais”, apesar de a justificação oficial, vinda da boca do próprio, ter que ver mais com o novo ciclo de fundos comunitários e a limitação de mandatos. É que, se permanecesse no cargo até 2017 e depois já não se pudesse recandidatar (devido à limitação legal de mandatos) deixaria um Quadro de Referência Estratégico Nacional a meio e “condicionaria todas as opções políticas e de desenvolvimento estratégico” aos seus sucessores, justifica o agora autarca demisionário. Em todo o caso, “ninguém percebeu bem o abandono”, relata ao Observador o advogado alvaiazerense Fernando Simões, que foi líder da concelhia do PS local durante mais de dez anos e vereador durante outra dezena.
Entretanto, “há dois ou três meses”, outra demissão que, segundo o socialista da terra, foi igualmente pouco fundamentada: o presidente da concelhia socialista de Alvaiázere, José Santos, bateu em retirada, deixando a já pouco consistente estrutura socialista do concelho presa por um fio, sem comissão política, à espera de eleições antecipadas mas sem candidatos dispostos a avançar.
Um cenário “moribundo” para os socialistas que, ainda assim, é surpreendentemente contrariado pelos números. Se em setembro, nas vésperas das eleições primárias do PS, a concelhia socialista de Alvaiázere tinha 15 militantes de papel passado (8 ao lado de Seguro, 5 ao lado de Costa, e outros dois de voto incerto), hoje são 22 os militantes socialistas – um aumento de 46,6%. “Não é habitual os inscritos aumentarem aqui, assim de um ano para o outro”, constata Fernando Simões que, apesar disso, faz uma leitura mais fria dos números: “Continuam a ser apenas 22 num universo de cerca de 3 mil eleitores”. Algo está a mudar. Lentamente.
Texto: Rita Dinis
O desgaste lá acabou por aparecer em Ourém
Era mais do que parecer: tudo corria, mesmo, às mil maravilhas. Ou talvez até mais que isso, porque Ourém já não era apenas uma cidade, era uma fábrica que produzia sorrisos a cada vez que se falava das moças do Ouriense. As pessoas sabiam que ali moravam campeãs e as jogadoras sentiam que a terra lhes dava valor. Daí que, muitas, vissem como um prazer aquilo que tinha tudo para ser um sacrifício: os quilómetros que se faziam até aos treinos, as horas dormidas a menos, os estudos que dividiam atenções com o futebol ou os salários que se queriam, mas não existiam. A vontade, há seis meses, chegava para ganhar a tudo, mas Ana Cláudia sabia que algum dia o cansaço teria de aparecer: “Afinal, há mais ou menos dois anos que, felizmente, não parávamos.”
Pararam agora, que a temporada, por fim, terminou. E ao contrário do par de anos anterior, o Ouriense não acabou em festa — a equipa ficou em terceiro entre as quatro que estiveram taco a taco na fase de apuramento do campeão nacional. Nada conquistou. Mas, há quase oito meses, quando o Observador foi dar uma espreitadela a Ourém, as jogadoras ainda eram bicampeãs nacionais e estavam prestes a competir nos dezasseis avos de final da Liga dos Campeões. Nunca uma equipa portuguesa tinha chegado tão longe. Foram eliminadas e, depois, lá começou a aparecer o desgaste. “Fizemos a primeira fase inteira do campeonato a treinar e a jogar em campos emprestados, em Fátima ou em Caxarias”, diz hoje Ana Cláudia, lamentando os meses e meses que esperaram até que as obras dessem ao clube um novo campo de relva artificial.
Essa espera nunca deixou que fosse fácil reunir as jogadoras, à volta de uma bola, três vezes por semana. Nem todas vivem, ou viviam, em Ourém, como Ana Cláudia: “A equipa nunca conseguia treinar junta. Umas vinham a uns dias e outras a outros. Umas estudavam e quase todas trabalhavam.” O que se fazia por gosto começou a fazer-se com esforço. Ainda não será desta, por exemplo, que Ana retomará a licenciatura em Contabilidade que já em outubro tinha interrompido. “É muito complicado. Estava a ficar sem tempo e não vale a pena continuar se não nos conseguirmos dedicar ao máximo”, resume. Ana continuará a jogar e suspeita que Mafalda, a irmã, de 31 anos, que já é mãe de um filho, também o faça: “Às vezes falamos disso e ela anda a ver. Acho que ainda não tem coragem para deixar os treinos e o futebol. O bichinho ainda é forte.”
A Marco Ramos esse “bicho” não teve força suficiente para o convencer a continuar. O treinador disse basta e, três dias antes de voltar a falar com o Observador, demitiu-se do cargo. Viu problemas a acumularem-se e não gostou ver os que já existiam a acentuarem-se. “Poucas jogadoras nos treinos, poucas condições de trabalho, promessas de trazer algumas futebolistas que não vieram, o campo…”, enumera, ao frisar que, depois de tanto sucesso, “é preciso mudar naquilo que falhou: acima de tudo, na estrutura, nas condições das miúdas e na competitividade interna do plantel”. A estrutura do Ouriense para o futebol feminino, lamenta, “ainda é amadora”, e Marco diz que o clube não pode “queimar a etapa” que construiu com os títulos conquistados.
A temporada acabou sem novas taças a entrarem no museu do clube, mas Ourém, garante Ana Cláudia, continua a sorrir com o futebol feminino.
Texto: Diogo Pombo
Ele deixou-se inspirar pelo mundo e agora anda a inspirar o país
André tinha de voltar a casa. Estavam todos à espera dele. Estava a família, estavam muitas empresas, estavam muitos seguidores nas redes sociais e estavam muitos empreendedores que o tinham ajudado a ir.
André partiu em viagem sozinho, a novembro de 2013. Voltou um ano depois com mais força, mais convicção e mais certezas. E muitas histórias. André foi o empreendedor português que quis descobrir outros empreendedores no mundo inteiro. Em agosto, quando conversou com o Observador, tinha passado por 17 países. No fim da viagem, André contabilizou 23 países, 143 entrevistas a pessoas inspiradoras e mais de 126 mil quilómetros percorridos.
“Estar um ano sem ver os pais, os avós, os amigos, sem ver a namorada… Faltar a festas de aniversário e a todas as datas marcantes não é pera doce”, admitia em agosto ao Observador. Naquela altura estava no Uruguai, ainda tinha três meses pela frente para completar o ano a que se tinha comprometido. A vontade de desistir não tinha chegado nos primeiros nove meses e também não o assombrou nos restantes três. “Mas foi duro”, apressa-se agora a afirmar. Passou fome, perdeu oito quilos num mês e meio, foi assaltado, roubaram-lhe a bagagem de viagem no aeroporto. Deparou-se com cenários muito diferentes da sua realidade, que se divide entre os Açores e Lisboa.
“Conheci desde empreendedores que viviam com dois ou três dólares por dia até empreendedores em Silicon Valley que têm milhões”, conta André. Mas em todos encontrou uma característica comum: “A atitude que põem nas coisas e a forma como encaram os problemas.”
Passou as histórias para o papel e escreveu um livro que, aliás, já foi entregue na editora. Será lançado em setembro. Lá estão as pessoas mais inspiradoras, as histórias mais surpreendentes, relatos de situações inesperadas e vários pormenores do ano em viagem. Desde novembro que André se tem dedicado também a dar palestras por todo o país a empresas, escolas secundárias e universidades. André já era gestor e, agora com uma volta ao mundo no currículo, é consultor e dá apoio a empresas portuguesas que queiram internacionalizar-se ou a empresas estrangeiras que queiram instalar-se em Portugal.
As histórias são muitas. André, agora com 25 anos, conta-nos uma delas. Passou por Kibera no Quénia, um grande bairro de lata. Apanhou um transporte para ir até lá. Saiu um pouco antes do local e conheceu um rapaz que que seguia para o mesmo destino. Perguntou-lhe: como é Kibera? Ele respondeu que, apesar de ser um bairro de lata, as pessoas eram livres e estavam ao lado da sua família. “Mostrou-me a casa dele, que não era mais que quatro paredes feitas de barro.” O quarto era um colchão, não havia casa de banho nem cozinha. O rapaz devolve a pergunta a André: e como é Portugal? “E eu pensei: ‘agora como é que vou explicar como é Portugal?’ E expliquei: temos sol, temos praia e, apesar da crise, as coisas começam agora a melhorar.” O rapaz responde: “Mas vocês comem quantas vezes por semana?”
Texto: Catarina Marques Rodrigues
João, o miúdo transgénero que ajudou à união de outros pais
O João é o miúdo que gosta de brincar com coisas de menina e que adora dançar ballet. O João é uma criança transgénero. O João é o miúdo de dez anos que ajudou muitos pais a unirem-se. O João está a ajudar famílias inteiras a lidarem com os filhos e nem faz ideia disso.
Foi na 1.ª Conferência Internacional de Pais de LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgénero/Transsexuais) que o Observador conheceu Sandra, a mãe de João. Sentimos receio nas palavras dela. Sentimos a vontade de partilhar uma história e lutar incessantemente contra a vontade de proteção do filho. Ganhou a primeira, e ganharam seis famílias que são agora apoiadas pela Amplos (Associação de Mães e Pais pela Liberdade de Orientação Sexual e Identidade de Género), que organizou a conferência de outubro.
“Depois da reportagem, os pais começaram a aparecer e tivemos necessidade de criar o núcleo Amplos Infância”, conta-nos Manuela Ferreira, vice-presidente da Amplos. Até outubro, Sandra tinha sido a primeira mãe de uma criança transgénero a contactar a associação e depois dela, por causa dela, vieram muitos mais.
Na génese do projeto, que já celebrou cinco anos de vida, estão pais e mães com filhos homossexuais que queriam partilhar histórias, frustrações, conselhos e alegrias com outros pais. Foi Margarida Faria, presidente, quem decidiu fundar a associação depois de saber da homossexualidade da filha. “Pensei ‘temos de criar um movimento em que os pais percebam que não estão sós porque havia muito para fazer’.” Margarida e o marido juntaram-se numa reunião da rede ex aequo (associação de jovens LGBTI e apoiantes) e pediram aos jovens para levarem os pais. Resposta: silêncio e lágrimas. “Foi um momento de um impacto incrível. Percebemos que havia poucos pais que sabiam da homossexualidade dos filhos, mas fizemos logo um lançamento numa livraria aberta, a Ler Devagar, no centro de Lisboa”. Apareceram 10 pais em 70 pessoas. Depois começaram a marcar iniciativas e foram aparecendo cada vez mais famílias. O início foi difícil. “Lembro-me que fiquei com uma tendinite no ombro de tantos e-mails que mandei”, recorda Margarida ao Observador. Hoje, 19 maio, a Amplos já apoiou mais de 200 pais.
No novo núcleo Amplos Infância, as seis famílias juntam-se entre elas, “os filhos de todos brincam à vontade”, sem preconceitos. Organizam lanches e convívios. Está também prevista uma parceria com o Instituto de Apoio à Criança já no princípio do próximo ano escolar. “Vão dar-nos uma formação nesta área para podermos intervir nas escolas”, avança Manuela.
Texto: Catarina Marques Rodrigues