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© Julius Schrank / Greenpeace

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“Acabou a festa”. Assim foi o Salão de Munique 2023

A primeira revolução na mobilidade começou há 135 anos, em Munique. A cidade alemã voltou a ser palco da inovação (e de protestos) neste salão automóvel que, agora, é guiado pela mobilidade “verde”.

Depois de meio século em Berlim e quase 70 anos em Frankfurt, o principal salão automóvel alemão parece ter chegado a Munique para ficar. Curiosamente, foi aqui que Carl Benz apresentou o seu “Modelo 3”, o primeiro automóvel a gasolina, em 12 de setembro de 1888 na Exposição de Motores e Máquinas de Trabalho. Aliás, a Baviera está no centro da inovação automóvel, desde os primeiros carros elétricos desenvolvidos por Andreas Flocken, em Coburg, até ao famoso motor de compressão criado por Rudolf Diesel, em Augsburg, no mesmo período. Hoje, as últimas tecnologias de ponta para a indústria automóvel passam pela eletromobilidade, veículos conectados e condução autónoma. E estiveram em destaque no IAA Mobility 2023 que decorreu até 10 de setembro na capital bávara.

Mais do que um salão automóvel, este é um festival da mobilidade que permite reunir os principais intervenientes, fabricantes e fornecedores da indústria automóvel, empresas tecnológicas e startups, especialistas em urbanismo, fornecedores de energia e de formas complementares de mobilidade como bicicletas, scooters, motos, drones e até veículos voadores. O próprio naming do salão coloca a mobilidade em destaque, num evento multifuncional onde pudemos encontrar tudo aquilo que nos vai mover no futuro próximo. Tudo tão elétrico quanto possível, incluindo os automóveis.

A indústria já compreendeu que a sua própria sobrevivência está em jogo e que os carros deixaram de ser considerados como o melhor meio de transporte. Aliás, para muitos, o automóvel é visto como um inimigo público.

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Carros? Não, obrigado!

Este é um tempo de mudança e transformação sem precedentes, no mundo global, e no setor automóvel, em particular. Enquanto as tempestades atiravam carros para os rios, em Espanha, manifestantes climáticos atiraram carros para dentro de um lago, situado na entrada do centro de exposições de Munique, onde decorreu a última edição do IAA Mobility.

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Lá dentro, dois ativistas colocaram-se de pé no tejadilho dos novos Mercedes Classe E e BMW i7, exibindo a mensagem de protesto “The party is over” (“A festa acabou”). Tudo aconteceu durante a visita do chanceler Olaf Scholz, que anunciou medidas para tornar a Alemanha no “primeiro país da Europa a exigir que os operadores de 80% de todas as estações de serviço forneçam opções de carregamento rápido, com pelo menos 150 kW para carros elétricos”.

A visita do chanceler alemão Olaf Scholz ao salão de Munique foi aproveitada pelos ativistas climáticos para se manifestarem, dentro e fora do centro de exposições

© Lucas Wahl / Greenpeace

A ideia é reduzir o stress da autonomia que continua a dissuadir muitos condutores de veículos elétricos. Atualmente com cerca de 90 mil pontos de carregamento públicos, a maior economia da Europa pretende oferecer um milhão até 2030 para estimular a mobilidade elétrica.

Os preços elevados, a autonomia limitada e a falta de opções de carregamento, especialmente em zonas rurais, são os argumentos habituais para justificar a não adoção dos carros elétricos.

Interativo e internacional

Um total de 750 expositores de 38 países apresentaram mais de 300 novidades, entre estreias mundiais e inovações tecnológicas. No Centro de Exposições de Munique decorreram várias conferências inspiradoras, debates e sessões de networking em três palcos diferentes. Entre os palestrantes, políticos e empresariais, a atriz Natalie Portman era a estrela numa longa lista de mais de 500 oradores onde se encontravam ainda os protagonistas do C-level de empresas tecnológicas como a Qualcomm, Amazon Web Service (AWS), Infineon, Bosch ou Google.

A última edição do Salão de Munique também se viveu na rua, com diversos construtores a optarem por um contacto mais direto com o público

No centro histórico da cidade, o festival de mobilidade continuava em Open Space para oferecer uma experiência de proximidade à população, em oito locais com acesso gratuito. Automóveis, bicicletas e e-bikes estiveram disponíveis para demonstração. Por exemplo, o Laboratório do Cidadão, situado na Marienplatz, oferecia debates e workshops sobre o futuro da mobilidade e do desenvolvimento urbano, enquanto as crianças podiam experimentar várias atividades lúdicas. Havia também uma programação musical variada com concertos diários gratuitos no Open Space da Königsplatz. E em todos estes locais encontrámos expositores de marcas de automóveis, de serviços de mobilidade, de fornecedores de energia e também de software.

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Chineses mais perto

A indústria chinesa veio ao coração da Europa mostrar que já não é uma sombra no retrovisor dos melhores fabricantes de automóveis europeus. É que tal como acontece com os espelhos, o que vemos refletido está mais perto do que aparenta.

A experiência e o saber acumulados ao longo de mais de um século significam uma base de conforto para os fabricantes tradicionais. Isto é algo que os novos construtores e marcas não podem usar a seu favor. Mas, por outro lado, são mais ágeis e rápidos a responder às exigências do mercado.

Sejam marcas mais conhecidas, como a BYD, a MG e a Xpeng, ou menos, como a Seres, o Observador pôde constatar que é evidente a melhoria acentuada na qualidade dos carros. Desde o design aos materiais usados, a proximidade aos padrões europeus é cada vez maior. E, em breve, será interessante perceber se os consumidores vão fazer escolhas movidos pela marca ou pelo preço, pela confiança ou pela novidade.

O número de expositores com foco na eletrificação é crescente. Gigantes como a Samsung, CATL e Bosch vão conquistando espaço e público

Venda de elétricos em alta

As vendas de veículos elétricos dispararam quase 55% no mercado europeu, para cerca de 820 mil veículos nos primeiros sete meses deste ano. Um número que representa cerca de 13% das vendas de automóveis.

A verdade é que, se por um lado os fabricantes europeus se preocupam com a invasão chinesa, por outro os principais fornecedores de componentes para a indústria automóvel estão muito interessados em alargar as parcerias na China e fornecer peças produzidas na Europa a estes fabricantes em crescimento acelerado.

Os fabricantes de automóveis europeus precisam de competir com os novos intervenientes asiáticos na era elétrica em tudo, desde produtos e estratégia financeira até ao controlo da cadeia de abastecimento.

Um total de 750 expositores de 38 países apresentaram mais de 300 novidades, entre estreias mundiais e inovações tecnológicas

Automóveis em destaque

Cerca de 40% dos expositores que se deslocaram ao Salão de Munique estão sediados na Ásia, com o número de empresas chinesas a representar a maioria, incluindo produtores de baterias como a CATL e fabricantes de veículos elétricos como a BYD, a XPeng ou a Leapmotor. Mas, a jogar em casa, as marcas alemãs esforçaram-se para impor a sua força, procurando trazer a atmosfera e o glamour de outros tempos a este salão.

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O Vision Neue Klasse foi a maior atração do stand da BMW. O concept de aspecto retrofuturista que aponta o caminho estilístico da marca, partilhou as atenções com as variantes híbridas plug-in do novo BMW Série 5 e do BMW i7 Protection, o primeiro veículo totalmente elétrico no segmento. Os modelos das séries 5 e 7 com motor de combustão interna também estiveram em exposição, a par do BMW iX5 Hydrogen equipado com propulsor elétrico alimentado por células de combustível de hidrogénio.

  • BMW iX5 Hydrogen

A Mercedes-Benz revelou a base do que será o novo CLA, um coupé de quatro portas com uma nova plataforma elétrica. Oferece até 750 quilómetros de autonomia e o seu sistema elétrico de 800 V permite, segundo a marca, uma autonomia de 400 quilómetros em apenas 15 minutos de carga num posto de carregamento rápido de 250 kW.

O construtor de Estugarda também apresentou o novo Classe E All Terrain, com um novo sistema híbrido plug-in a gasolina, maior altura ao solo e também novos propulsores.

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O foco da Audi passa pelo revolucionário Q6 e-tron, equipado com o novo Digital Stage e um novo sistema operativo baseado na plataforma Android Automotive. Além dos novos ecrãs, outra das novidades é um head-up display com realidade aumentada. O sistema projeta informações e gráficos através de uma interface que se desloca de acordo com o movimento dos olhos do condutor. O Audi Q6 e-tron é o primeiro de uma série de modelos baseado na recém-desenvolvida Premium Platform Electric (PPE) e também numa nova arquitetura eletrónica.

  • Audi Q6 e-tron
  • Audi Q6 e-tron

A Volkswagen apresentou um Golf GTI de fusão, conjugando o desenho old school com a sofisticação do motor eletrificado do agora também ID. GTI. A evocação do hot hatch de tração dianteira com mais sucesso na história da marca alemã inaugura as linhas da nova gama de carros elétricos, equipado com suspensão desportiva e elementos de design específicos desta versão. A versão de produção do ID. GTI deverá chegar ao mercado no início de 2027.

Opel Experimental Concept

O Opel Experimental define as linhas que vão marcar os futuros modelos da marca alemã, que mostra também o Astra Sports Tourer Electric e o Corsa Electric. Já a Mini apresentou a nova família de modelos, incluindo o “queridinho” Mini nas versões Cooper e Countryman, totalmente elétricas.

No stand da Cupra encontramos o concept DarkRebel e o seu primeiro SUV elétrico, o Cupra Tavascan que será lançado em 2024. Estão previstos até 340 cv e autonomia de até 549 quilómetros.

O renovado Tesla Model 3 foi apresentado no Salão Automóvel de Munique, num dos stands mais simples e pequenos. Agora vem com um aumento de 5% a 8% na autonomia. O modelo de longo alcance virá com uma autonomia certificada WLTP de 629 km, enquanto o modelo de tração traseira regista uma autonomia de 554 km. O novo desenho da dianteira melhora a aerodinâmica e contribui para melhorar a autonomia. Os grupos óticos à frente e atrás também foram redesenhados. Há um novo sistema de infoentretenimento de 15,4 polegadas e dois carregadores sem fios para smartphones.

A Renault revelou mais um capítulo da estratégia Renaulution, desta vez através do novo Renault Scénic E-Tech, o veículo familiar médio totalmente elétrico e com design sustentável. O novo Scénic oferece mais de 620 km de autonomia WLTP e foi concebido a pensar nas famílias. Durante a apresentação, o responsável do Grupo Renault afirmou o compromisso com o desenvolvimento sustentável, através dos três vetores: ambiente, segurança e inclusão.

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Seguindo os passos do SUV Atto 3 e do Dolphin, a aposta mais recente da BYD chama-se Seal. Competindo com modelos como Tesla Model 3, BMW i4 ou Polestar 2, o Seal está disponível em versões de tração traseira ou integral. Ambas compartilham a mesma bateria de 82,5 kWh e anunciam uma autonomia acima dos 520 km. A BYD, ou “Build Your Dreams”, apresentou também o BYD Seal U (“U” de Utilitário) em estreia europeia. Trata-se de um SUV elétrico modular que combina a capacidade para transportar cinco passageiros com maior espaço para a bagagem.

Em estreia no stand da MG, agora chinesa, o Cyberster é o roadster elétrico que chega no momento em que a marca comemora o 100.º aniversário. Com motor duplo produz 536 cv de potência e pode acelerar até aos 100km/h em apenas 3,2 segundos. A MG exibe também o modelo mais convencional MG4 Electric XPower e o MG Marvel R Electric.

A chinesa XPeng tem entrado lentamente no mercado europeu, particularmente nos mercados da Noruega, Suécia, Dinamarca e Holanda onde já vende a berlina P7 e SUV G9. Agora é a vez de apresentar o mais recente G6, um SUV elétrico premium, que deve entrar em comercialização na Europa, no próximo ano.

A marca chinesa Avatr é uma colaboração entre a fabricante de automóveis Changan e a conhecida marca de smartphones Huawei. O carro desportivo é ligeiramente maior que um Tesla Model S e estará disponível com duas variantes: uma com 308 cv nas rodas traseiras, e uma dual motor com 570 cv e tração integral. Com autonomia entre 650 km e 700 km, a bateria fornecida pela CATL recorre à plataforma de 800V, garantindo tempos de carga mais rápidos.

Facilitar o consumo

Além das soluções pioneiras em termos de mobilidade, digitalização e inovações tecnológicas que aceleram a economia circular com foco na eficiência energética, uma parte importante deste salão de Munique foi ocupada pelas empresas de serviços financeiros.

O Credit Agricole apresentou em Munique a sua estratégia na oferta de financiamento e serviços para alcançar a liderança em termos de mobilidade “verde”. Após a criação de uma oferta completa de leasing através da Leasys, que também opera em Portugal, o banco francês amplia a presença dedicada ao setor com a aquisição de 100% do CA Auto Bank e da sua subsidiária Drivalia para se tornar líder pan-europeu em financiamento, aluguer e mobilidade automóvel.

O Crédit Agricole Auto Bank tem agora uma parceria com a Tesla numa dezena de países

A Drivalia pretende constituir uma frota de pelo menos 15 mil veículos nos próximos três anos, começando com alugueres de médio e longo prazo e expandindo gradualmente os seus serviços para incluir todas as soluções, como a partilha de carros elétricos e soluções inovadoras como o aluguer de carros por subscrição. A expansão da Drivalia deverá continuar em 2024, para incluir Áustria, Suécia e Suíça, atingindo um total de 18 países. A presença europeia da empresa surge alinhada com a do CA Auto Bank, que quer ser o banco da mobilidade para um planeta melhor.

O Crédit Agricole Auto Bank tem acordos com mais de 30 marcas de automóveis, destacando-se a parceria com a Tesla que está agora disponível em 10 países. No stand do grupo financeiro, o CEO do Credit Agricole disse-nos que conta com “dois mil colaboradores em 18 países para comercializar todos os produtos que são importantes para a mobilidade verde, empréstimos tradicionais, aluguer de longo e curto prazo e modelos de subscrição”. Uma oferta integrada que Stéphane Priami considera “fundamental para a construção de um novo sistema de mobilidade urbana”. Referindo-se ao sucesso da operação do CA Auto Bank, Priami destacou o valor próximo de 24 mil milhões de euros em ativos, no final de junho, muito além das previsões iniciais.

O Crédit Agricole anunciou ainda a aquisição de 65% do capital da Hiflow, tornando-se acionista maioritário na scale-up francesa que é líder em serviços de entrega de veículos a clientes, de forma personalizada. Foi também anunciada uma joint-venture com a Opteven, empresa que se dedica à gestão de garantias e manutenção. Até 2026, mais de 20 serviços serão disponibilizados por todas as entidades europeias do grupo Crédit Agricole Consumer Finance.

O declínio progressivo dos salões dedicados ao automóvel deverá continuar a acentuar-se, com muitas marcas a abandonar o formato e até a optar por realizar eventos próprios

Novos tempos

Compreender a diversidade de necessidades das pessoas é de extrema importância para envolver a sociedade no caminho para a mobilidade sustentável e conectada, com impacto neutro no clima. Isto implica que os automóveis, tal como os conhecemos, vão passar a ser apenas uma entre diversas opções ao dispor dos consumidores. Este é um caminho sem retorno, como demonstram os compromissos assumidos pela União Europeia no sentido de acelerar a transição digital e elétrica.

O declínio progressivo dos salões dedicados ao automóvel deverá continuar a acentuar-se, com muitas marcas a abandonar o formato e até a optar por realizar eventos próprios, em locais emblemáticos e exclusivos.

Mas este IAA Mobility parece estar a abrir novos caminhos. A exposição deixou der ser um mero salão do automóvel para dar lugar a uma plataforma dedicada aos temas da mobilidade. A Baviera continua a ser a sede de alguns dos mais prestigiados construtores alemães, como a Audi ou BMW. E Munique parece predestinada a continuar a desenvolver os transportes e a mobilidade sustentável de uma forma inovadora.

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