Ainda fará correr muita tinta o fenómeno ADN nas legislativas deste ano. O partido, liderado por Bruno Fialho, passou de uma votação de 10 mil eleitores em 2022 para 10 vezes mais, atingindo os 100 mil. A AD foi-se queixando de que podia estar a haver confusão na hora de votar com as duas siglas e denominações, mas, como a CNE (Comissão Nacional de Eleições) avisou no domingo, já não havia nada a fazer. “É um debate fora do tempo”, declarou o seu porta-voz, Fernando Anastácio.
Depois dos votos, a contagem resultou nessa decuplicação de votos para a ADN – Alternativa Democrática Nacional que, assim, terá direito a pedir a subvenção partidária e que pode chegar aos 390 mil euros. E o cenário final podia ser outro.
Mas terá mesmo havido confusão? Ricardo Ferreira Reis, diretor do centro de sondagens da Universidade Católica, acredita que possa ter havido mesmo engano. É que, segundo a análise que fez e que contou à História do Dia do Observador, desta terça-feira, a votação no ADN “acompanhou os votos da AD. É mais forte nos distritos em que a AD é mais forte e é mais fraco nos distritos em que a AD é mais fraca”. O professor de economia vai mais longe. A correlação de votos entre AD e ADN em eleições passadas é negativa, ou seja, quando um sobe o outro desce, o que significa que são partidos de transferência, mas nestas eleições a correlação foi positiva. “O que indica complementaridade, cresce um e cresce o outro. Estando em áreas de sobreposição é estranho estar a acontecer e é significativo”.
Segundo dados divulgados por este economistas, no caso da AD com o Chega a correlação é negativa em 60%, no caso da AD com o ADN que era negativa de 18% nestas eleições foi positiva em 40%. O que se torna uma irregularidade estatística. “Aconteceu qualquer coisa que não é apenas um fenómeno social, político, é algo mais profundo”.
[Já saiu o segundo episódio de “Operação Papagaio” , o novo podcast plus do Observador com o plano mais louco para derrubar Salazar e que esteve escondido nos arquivos da PIDE 64 anos. Pode ouvir o primeiro episódio aqui]
ADN tirou três deputados à AD
Ainda que o exercício possa subvalorizar o eleitorado do ADN, nas contas feitas pelo Observador — e considerando os votos a mais que o partido obteve nestas eleições face a 2022 em que não concorreu em todos os círculos eleitorais — a votação expressiva neste partido conduziu a menos três mandatos para a AD. Ou seja, se esses votos tiverem sido por engano, então a AD teria fechado as contas de domingo (ainda sem os dois círculos da emigração) com mais três deputados, ou seja, com um total de 82 mandatos.
Essa eventual transferência aconteceu em Lisboa, Coimbra e Viseu. Em Lisboa, a AD em vez de 14 ficaria com 15 deputados. O PS ficaria exatamente ao contrário, com 14 deputados em vez dos 15 que obteve. A AD ficaria, assim, à frente do PS também em Lisboa.
Outro deputado que o PS perderia seria o de Viseu. A AD elegeria quatro deputados (em vez dos três que conseguiu) e no distrito considerado, em tempos, o cavaquistão, o PS e o Chega ficariam, ambos, com dois deputados. Na contagem de domingo, AD e PS ficaram empatados em termos de mandatos (3).
É precisamente ao Chega que a AD roubaria, com os votos do ADN, o outro deputado, neste caso de Coimbra. Ficaria, tal como o PS, com quatro mandatos. O Chega ficaria apenas com um.
Nestas contas, no final, a AD conseguiria os tais 82 deputados, o PS ficaria com 75 mandatos e o Chega com 47. A direita (AD mais IL) somariam, neste cenário, 90 deputados e ultrapassariam os 89 que ficariam nas esquerdas (PS, Bloco, CDU, Livre e PAN). “O crescimento do ADN é uma marca desta eleição. Estaríamos num cenário diferente se não tivesse sido isso. E presumo que o crescimento é motivado por uma circunstância, e não por adesão ao partido, mas condiciona o resultado final”, comentou, na noite eleitoral, Rui Rocha, da Iniciativa Liberal.
IL na coligação que resultado teria?
De igual modo, também não alterava grandemente o resultado final em termos de formação governativa se a IL tivesse aceitado integrar a coligação pré-eleitoral da AD. Ainda assim, juntos conseguiriam mais quatro deputados e também neste cenário a direita (AD e IL) teriam mais votos que a esquerda unida.
Uma coligação de quatro partidos à direita (PSD, CDS, PPM e IL) aumentaria deputados para a Aliança nos mesmos distritos do ADN, Viseu, Coimbra e Lisboa, juntando-se a este trio o círculo de Portalegre. O que significava mesmo que a AD — que não elegeu neste distrito — conseguiria colocar um deputado por esta região, retirando-o ao Chega que foi a segunda força política mais votada, a seguir ao PS, atirando a AD para a terceira posição.
Mais seis deputados com AD+ADN+IL
O Observador ainda fez outro exercício para perceber o impacto que possa ter tido estes dois fenómenos: eventual transferência de votos, por engano, da AD para o ADN; e não inclusão da IL na Aliança. O Observador somou os votos dos três partidos. E aqui a AD conseguiria mais seis deputados.
Além dos anteriormente referidos Lisboa, Coimbra, Viseu, Portalegre, neste cenário em que se considera como votos da Aliança os da IL e os adicionais do ADN, a AD obteria ainda maior representação no Porto, retirando um deputado ao Chega, que ficaria sem mandato na Guarda e reduziria o número de representantes por Santarém de três para dois. Nestas contas ainda entraria mais um deputado para a AD pelo círculo da Madeira, que era retirado ao PS (que ficaria só com um mandato, em vez dos dois que obteve).
Ou seja, se considerarmos este cenário de AD+ADN+IL, o Chega é quem perderia maior número de deputados: cinco; enquanto o PS reduziria os mandatos em três.
Na contagem final a AD (direitas sem Chega) conseguiria 93 deputados, contra os 88 das esquerdas. Ainda que conseguisse o maior número de assentos parlamentares não obteria maioria absoluta, mas o cenário poderia ser diferente.
“Não podemos excluir a possibilidade, que parece reduzida, de poder ter havido mesmo uma intenção deliberada de votar neste partido [ADN], o que contraria a estatística deste fenómento dos votos e sondagens, mas não seriam os primeiros a contrariar a estatística”, considera Ricardo Ferreira Reis que, na sua análise, também excluiu a correlação da subida do ADN com as igrejas evangélicas nem com a população de origem brasileira que pôde votar nas eleições. O mesmo não aconteceu, refere, em relação ao Chega, no qual se verificou uma correlação positiva entre o voto da comunidade ligada ao Brasil e o aumento dos votos no Chega, ao que poderá não ser alheio o apoio de Jair Bolsonaro, ex-presidente do Brasil, a André Ventura.