Declarações da procuradora-geral Lucília Gago

sobre a Operação Influencer

Anotações

A pergunta que coloca é complexa e envolve vários vertentes relativamente às quais naturalmente não me vou pronunciar, nomeadamente essa referência a erros. Aquilo que quero dizer é que o Ministério Público continuará a fazer as investigações — essa e todas as outras que tem em mãos. Naturalmente, sem dramatizar. Fará aquilo que é a sua função, o seu papel e, como tal, não tenho quaisquer comentários a fazer…

A procuradora-gera da República, Lucília Gago, pronunciou-se pela primeira vez esta quinta-feira sobre a Operação Influencer, 16 dias depois do caso que culminou com a queda do Governo ter sido conhecido. As declarações foram feitas no final de uma deslocação à sede nacional da Polícia Judiciária, onde participou num colóquio sobre violência doméstica. As palavras iniciais foram a resposta a uma pergunta da comunicação social sobre os três erros que constam do despacho de indiciação do Ministério Público (MP) e às críticas que têm sido feitas à investigação, tendo garantido que as “investigações” vão continuar, aludindo às competências legais que o MP tem enquanto titular da ação penal. O que disse Lucília Gago, “sem dramatizar”, como fez questão de frisar, pode ser analisado em dois planos: defendeu a investigação que os três procuradores do Departamento Central de Investigação e Ação Penal estão a fazer, mantém-se firme em não ceder às pressões exteriores (nomeadamente, do PS) e garantiu que será tudo investigado até ao fim; referiu sempre o plural “investigações”, o que inclui o inquérito que foi aberto nos serviços do MP no Supremo Tribunal de Justiça ao primeiro-ministro, António Costa.

Não me sinto responsável por coisa nenhuma. Como disse, a Procuradoria-Geral da República (o Ministério Público, no concreto) investiga, perante a notícia da prática de factos, aquilo que deve investigar. Aquilo que resulta da lei é que deve investigar. E, portanto, é só isso.

Foi a frase da conferência de imprensa. Em resposta a uma pergunta sobre se sentia responsável pela demissão do primeiro-ministro a 7 de novembro, depois de conhecida a investigação e o parágrafo do comunicado da Procuradoria que referia a investigação enviada para o Supremo, Lucília Gago rejeitou a acusação que os socialistas lhe têm feito. E recordou o que diz a lei sobre a responsabilidade constitucional e legal do Ministério Público (MP): investigar qualquer notícia de crime com indícios minimamente fundados. Trata-se do princípio da legalidade que obriga o MP a abrir um inquérito criminal sempre que existem suspeitas da alegada prática de crimes públicos (isto é, que não dependem de queixa), como é o caso de tráfico de influências, corrupção e prevaricação, entre outros crimes que são imputados aos arguidos da Operação Influencer pelos procuradores deste caso.

Esse parágrafo é um parágrafo que diz com transparência aquilo que estava em causa no contexto da investigação que está em curso. É uma necessidade de transparência, de informação relativamente à investigação que está em curso. Portanto, teria naturalmente que ser colocado sob pena de, não constando do comunicado, se pudesse afirmar que estava individualmente a ocultar-se um segmento da maior relevância.

Era outra das perguntas mais aguardadas: por que é que o famoso parágrafo que refere a extração de certidão para os serviços do Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça foi incluído no comunicado? Lucília Gago respondeu que se tratou de uma questão de “transparência” e de “informação” da opinião pública sobre o que estava a acontecer. O Código do Processo Penal permite à Procuradoria-Geral da República (PGR) prestar esclarecimentos públicos sobre matérias que tenham impacto mediático e que possam perturbar a paz social — que considerou que poderia ser perturbada se a PGR viesse a ser acusada de estar a ocultar informação que inevitavelmente viria a público. Não só porque os autos da Operação Influencer conteren inúmeras referências ao primeiro-ministro António Costa por via do facto do seu melhor amigo (Diogo Lacerda Machado) e Vítor Escária (ex-chefe de gabinete do primeiro-ministro) serem os principais arguidos do segmento do data center nos autos do caso, como pelas referências que aparecem em outras escutas dos restantes arguidos.

 Não foi em defesa da Procuradoria [Geral da República]. Foi em defesa da transparência que à Procuradoria [Geral da República] cumpre salvaguardar.

Uma vez mais, Lucília Gago explicou a sua decisão de incluir a referência à extração de certidão para abertura de um inquérito a primeiro-ministro em sede própria, nos serviços do MP no Supremo, com a necessidade de promover a transparência — uma obrigação legal da PGR, como fez questão de enfatizar.

Fui a Belém por solicitação do sr. Presidente da República. Não vou revelar o conteúdo da conversa. É o sr. Presidente da República que me nomeia e, portanto, é absolutamente normal que queira comigo conversar sobre temas relevantes para o desenvolvimento da atividade do Ministério Público.

A procuradora-geral da República respondeu à razão pela qual se deslocou ao Palácio de Belém para se reunir com Marcelo antes de emitir o comunicado que informou o país sobre o que estava em causa na Operação Influencer. Mas não quis confirmar se o Presidente lhe terá dito se a tinha chamado a pedido do primeiro-ministro. Uma vez mais, a procuradora-geral desdramatizou este lado da polémica dos últimos dias, considerando “normal” que o Chefe de Estado queira conversar consigo sobre “temas relevantes” relacionados com o Ministério Público. Lucília Gago submeteu-se assim ao poder presidencial — dizendo que é ele quem nomeia o procurador-geral da República, sob indicação do Governo — mas não revelou o que discutiu com Marcelo. Recorde-se que, no auge do caso Casa Pia e da detenção do então deputado Paulo Pedroso (PS), o Presidente Jorge Sampaio fez o mesmo que Marcelo e chamou o então procurador-geral Souto Moura para perceber o que estava a acontecer. Souto Moura foi várias vezes a Belém.

Isso terá que fazer o favor de perguntar às pessoas que assim o entendem. Não me sinto naturalmente responsável [pela demissão de António Costa] porque se trata de uma avaliação pessoal e política que foi feita. A respeito disso, naturalmente, não tenho nada a dizer.

Confrontada com as inúmeras críticas que têm sido feitas no espaço público à atuação do Ministério Público, nomeadamente devido à demissão de António Costa, Lucília Gago optou por não responder. E voltou a repetir que não se sente responsável pela queda do Governo, acrescentando um argumento novo: se o primeiro-ministro se demitiu é porque fez uma “avaliação pessoal e política” nesse sentido. Isto é, Lucília Gago remeteu para António Costa a responsabilidade pela queda do Governo por entender que não tinha mais condições políticas e pessoais para continuar a governar.

Não vou qualificar [as críticas]. Elas falam por si.

Numas declarações marcadas por muitas perguntas feitas ao mesmo tempo e sobrepostas, Lucília Gago manteve-se mais calma do que até lhe é habitual, para quem já viu outras intervenções públicas da procuradora-geral da República, que não gosta de fazer declarações aos media. E recusou a comentar os críticos com um sorriso.

Sinto-me sempre com o dever de apresentar os melhores resultados que devem ser possíveis apresentar, no contexto das investigações.

É outro facto importante que sai destas respostas à saída da sede da Polícia Judiciária: a procuradora-geral não se comprometeu com qualquer prazo para a conclusão das “investigações”, mas apenas com o “dever de apresentar os melhores resultados”. Pode ver-se como uma resposta direta a vários socialistas, como Augusto Santos Silva (presidente da Assembleia da República), o seu antecessor Ferro Rodrigues e os candidatos Pedro Nuno Santos e José Luís Carneiro, que defenderam que o inquérito nos serviços do MP no Supremo Tribunal de Justiça contra António Costa deve ser arquivado rapidamente. Pelas declarações da procuradora-geral, a estratégia continua a ser a mesma: as investigações do DCIAP e do MP no Supremo Tribunal de Justiça vão continuar a ser analisadas de forma articulada, como já tinha garantido a PGR no segundo comunicado, que emitiu no dia 10 de novembro, a propósito deste caso. “A conexão existente entre a factualidade subjacente aos dois inquéritos justifica e exige que a investigação de ambos prossiga articuladamente”.

As críticas em si mesmas, não, não creio.

É uma declaração que pode ser vista de duas formas, atendendo a que a pergunta se prende com a relação entre as críticas feitas no espaço público (por políticos e não políticos) e uma mudança de regras que regem a autonomia do Ministério Público face ao poder político. Se, por um lado, Lucília Gago volta a desvalorizar as críticas que lhe têm sido feitas, por outro lado, está implícito na sua declaração que a procuradora-geral da República receia essas mudanças.

Isso já é público. O Ministério Público, nesta situação, como em muitas outras, por vezes, não é coadjuvado, não há delegação de competência para a realização da investigação numa concreta polícia ou órgão de polícia criminal. Portanto, não é nada de muito especial. É apenas isso.

Está em causa nesta frase o facto de não ter sido a Polícia Judiciária (PJ) o órgão de polícia criminal a coadjuvar os três procuradores do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) na investigação da Operação Influencer. Lucília Gago aludiu a muitos outros inquéritos do DCIAP em que a PJ também não trabalhou, optando os titulares dos inquéritos por ser coadjuvados por outros órgãos de polícia criminal, como a Autoridade Tributária. Contudo, no seu discurso no colóquio da PJ, para o qual foi convidada por Luís Neves, diretor nacional da PJ, Lucília Gago fez questão de recordar que a ligação entre o MP e a PJ “nunca deve ser colocada em causa ou questionada”. São conhecidas as boas relações pessoais que Lucília Gago tem com Luís Neves.

As notas para a imprensa são sempre trabalhadas pelo gabinete de imprensa, como foi o caso. E em situações mais melindrosas, mais sensíveis, são acompanhadas de perto, muito de perto, na sua redação, o impacto público que naturalmente é assinado.

A procuradora-geral da República não foi totalmente clara, mas não confirmou a notícia do Expresso de que teria sido a própria a escrever o parágrafo relacionado com a extração de certidão sobre o primeiro-ministro António Costa. Lucília Gago disse que neste “caso”, e como é habitual, foi o “gabinete de imprensa da PGR” que escreveu o texto, mas deixou implícito que ela própria terá acompanhado “de perto, de muito perto” a elaboração do texto por ser uma das “situações mais melindrosas, mais sensíveis”.

Por amor de Deus!

A exclamação, com um sorriso, foi uma resposta à pergunta: “Foi o Presidente da República quem lhe pediu para escrever aquele parágrafo [sobre a extração de certidão sobre António Costa]?” Uma pergunta que tem subjacente uma alegada politização (com origem na Presidência da República) do inquérito sobre António Costa.