Ana Rita de Albuquerque

A primeira vez que ouviu falar em feltragem torceu o nariz e pensou em “gnomos feios”. Hoje, Ana Rita de Albuquerque usa a técnica para fazer peças realistas e abstratas, grandes e pequenas, algumas com tecnologia embutida.

Ana Rita de Albuquerque apresenta-se como uma “domadora de fibras” e não esconde que passa a vida a bater nas suas esculturas. “Trabalho com a técnica da feltragem, que é a mais antiga da humanidade e é feita com a lã antes de ser fiada, como se fosse uma massa”, explica. “Basicamente é uma compactação de fibras, por isso gosto de dizer que é o barro dos têxteis. Tem uma plasticidade incrível.”

Curiosamente, da primeira vez que lhe falaram na técnica, já lá vão 10 anos, torceu o nariz. “Estava na Holanda a fazer um trabalho de tradução e quando uma artista me falou em feltro, pensei logo nos barretes dos gnomos e nas fadinhas”, diz. Com essa artista holandesa, ultrapassou não só o preconceito como descobriu um mundo de possibilidades infinitas, que lhe tem permitido criar desde peças realistas a abstratas, grandes e pequenas, “com todas as propriedades fantásticas que a lã tem: não parte, é leve e extremamente resistente a temperaturas”.

Desde o início do seu trabalho, Ana quis trabalhar a volumetria e batizou o estúdio (atualmente no Porto) de Volume Atelier, desdobrado entretanto em laboratório de investigação e experiências. “Como a feltragem é uma compactação de fibras, é muito interessante poder embutir tecnologia nas peças, e trabalho com um engenheiro de Lisboa, o Diogo Melo, para me ajudar nessa parte”, diz.  Para o festival Jardins Efémeros, por exemplo, a artista criou uma escultura com sensores que reagia ao toque com sons.

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A matemática e a geometria são outros dois universos que lhe interessam, e um bom exemplo dessa influência é a peça “Chaos is a Diva”, criada para o New Hand Lab, na Covilhã. Com mais de dois metros de altura e suspensa no ar, a forma da peça  – que usa pela primeira vez a técnica do tufting combinada com a feltragem – “é a tradução visual da equação do caos, que parece também uma borboleta”. “Chamei-lhe diva porque é muito cheia e de alta manutenção”, brinca a artista. Texto Ana Dias Ferreira

Vânia Reichartz

Em tempos conhecida pelo nome Two Hands Textile Studio, Vânia Reichartz quer usar as suas duas mãos para “ajudar a elevar o têxtil a uma linguagem que pode ser tão interessante como a escultura ou a pintura”.

Vânia lembra-se do cheiro, um misto entre a madeira dos teares e as fibras naturais. “Um dia, entrei no ateliê dos têxteis da [escola artística] António Arroio e fiquei fascinada.” Estava encontrado o universo que queria estudar e no qual trabalha ainda hoje.

O tear de alto liço, “onde a teia é vertical e que dá para fazer tapeçarias mais artísticas, mais figurativas”, é um dos seus instrumentos de eleição, e um dos que mais tem difundido nas suas formações, primeiro enquanto Two Hands Textile Studio, mais recentemente em nome próprio (por exemplo na Retrosaria de Rosa Pomar). “Tive uma fase mais de professora, em que dava aulas de tapeçaria e outras técnicas têxteis como o macramé e a esmirna, mas com a pandemia veio o pretexto para voltar a explorar o meu lado mais artístico.”

A série de vasos “Withered” (murcho) vem desse caminho e da sua “busca de tentar trabalhar o têxtil de uma forma fora da caixa, trazendo para o mundo artístico o lado artesanal”. Com uma clara alusão à cerâmica, e ao mesmo tempo à cestaria, são esculturas onde a artista usa a técnica do coiling, feita de vários rolinhos que, neste caso, são cordas “embalsamadas” com fios que vão sendo cosidas entre si.

O desequilíbrio destas peças é propositado e quer passar simultaneamente a ideia de movimento e da beleza de murchar, ou envelhecer. “Sempre me interessou não fazer coisas muito figurativas, e mesmo nas tapeçarias grandes tento criar alguma tridimensionalidade. Porque o têxtil está muito ligado à parede e fascina-me esta ilusão de que a peça se está a mexer.”

Outra inspiração para Vânia Reichartz – que se diz uma fiber artist aberta a todas as técnicas relacionadas com as fibras – é o feminino. “O têxtil veio de um universo doméstico e pegava-se nas agulhas até por necessidade, para remendar meias”, diz, antes de concluir: “Enquanto mulher também me interessa refletir sobre isto. E contribuir para elevar este universo a uma linguagem que pode ser tão interessante como a escultura ou a pintura.” Texto Ana Dias Ferreira

João Bruno

João Bruno trabalha com lã de Arraiolos mas nunca fez tapetes. Com um percurso singular na área do mobiliário com design, o artista também faz crescer, no seu ateliê, árvores com milhares de fios.

Noutra vida foi jornalista, mas não perdeu o jeito para os títulos. À primeira árvore que criou, feita inteiramente em lã de Arraiolos, João Bruno chamou “Tree D”. Uma escultura a três dimensões, com 2,20 metros de altura e milhares de fios azul Klein, que fez crescer no seu estúdio em Tomar ao longo de três meses.

“A ideia do fio como escultura não é nada óbvia”, diz. “Quando pensamos em esculturas, pensamos na pedra, na madeira, em blocos que vão ser desconstruídos. Eu faço o processo inverso – escultura por construção, adição.”

Há 16 anos, começou a usar a lã de Arraiolos porque tinha novelos à disposição, devido a um hobby da mãe, mas nunca fez tapetes. Um amigo deu-lhe uma cadeira de palha para restaurar, e o artesão (entretanto certificado) lembrou-se de usar a estrutura do assento como tear e cruzou a lã vezes sem conta. Assim nasceu um percurso singular na área do mobiliário com design, feito de cadeiras mas também de bancos, mesas, painéis, biombos e pufes que parecem ao mesmo tempo pedras e novelos gigantes.

As árvores são o símbolo de um trabalho cada vez mais orgânico e são feitas inteiramente em lã. “As pessoas perguntam-me se existem arames escondidos ou se é mesmo uma árvore revestida, mas não, são milhares de fios que foram usados até conseguir esta forma”, diz João Bruno. À falta de raízes, o artista criou uma estrutura retangular em ferro – também coberta de lã – para sustentar estas peças e assume que, no futuro, gostava de “explorar ainda mais a questão da escala e criar até para o espaço público”. Texto Ana Dias Ferreira

DEFIO

Com um pedido de patente para três novos pontos, desenhos minimais e formas orgânicas, Filipa Won está a reinventar os seculares tapetes de Arraiolos.

Formada em economia, Filipa Won aprendeu a trabalhar com o Excel “de olhos fechados”. As contas que faz hoje, no entanto, são bem diferentes das que fazia nos anos em que trabalhou como auditora financeira. São contas que envolvem meadas de lã, metros de juta e números de pontos. Até o Excel é usado com outro objetivo: desenhar os pixels que vão dar forma aos seus tapetes de Arraiolos reinventados.

© Manuel Manso

Cada pixel corresponde a um quadrado, cada quadrado corresponde a um ponto, num esquema que lhe permite trabalhar com bordadeiras à distância e criar os seus próprios desenhos. Paisagens minimais, vasos, cogumelos ou motivos abstratos. “Como o que eu gosto é do bordado em si, a ideia é ter sempre desenhos mais limpos, menos cheios do que no tapete de Arraiolos tradicional, para o bordado se destacar”, diz.

A vontade de voltar a pegar nas agulhas, que acabou por dar origem à marca deFio, surgiu durante o primeiro confinamento, em 2020, quando decidiu ensinar a filha mais velha, então com sete anos. Filipa também aprendeu a técnica em criança, no Caramulo, de onde é natural. “No verão não tínhamos nada para fazer e havia uma senhora que fazia tapetes de Arraiolos, a Dona Olímpia, que nos ensinava”, conta. “Tinha menos de 10 anos quando aprendi e parece que ainda estou a ouvi-la: ‘não apertes o ponto, Filipa’.” O primeiro tapete criado na deFio, três décadas depois, chama-se Dona Olímpia por causa dela.

Apesar de ter passado 30 anos sem bordar, “estava lá tudo”, diz a artista, hoje com 45. “Fui comprar lãs e lembrei-me de fazer uma brincadeira com uma amiga designer: uma pequena peça com um sobreiro” desenhado de raiz, que mostrou depois a outra amiga francesa. “Ela nunca tinha visto o ponto e achou-o muito bonito – é muito perfeitinho, mas ao mesmo tempo tem esta parte rústica, bruta. E com aquela reação deu-me um clique: se calhar há mesmo espaço para começar a trabalhar uma nova abordagem aos tapetes de Arraiolos.”

© Manuel Manso

Filipa estava nessa altura “num ponto de viragem”. “Depois da área financeira, trabalhei 15 anos como consultora imobiliária e estava a pensar, já depois dos 40, qual seria o meu próximo passo”, conta. Através do imobiliário tinha conhecido a dupla por trás do Flores Textile Studio, especializado em projetos de interiores com artesãos portugueses, e lembrou-se de ir ter com as duas fundadoras e mostrar-lhes as suas experiências. Numa espécie de mostruário, bordou o que achava que podiam ser novos padrões, deixando propositadamente espaços vazios na juta. A receptividade foi tão boa que através das Flores apareceram os primeiros clientes e as primeiras encomendas de tapetes, para uma casa no Alentejo.

“Com clientes, começou o processo produtivo”, diz Filipa, sem esconder o seu lado de economista: “estudar o mercado dos tapetes de Arraiolos, ver os preços que se praticam, pesar lãs, fazer estimativas à quantidade exata de fio que precisamos. O tapete em si já é caro, porque a base do trabalho é a mão de obra, por isso quanto mais se otimizar no resto, melhor.”

Um metro quadrado demora “mais ou menos oito dias a fazer” e tem um custo médio, na marca, de 900 euros. Para comunicar as horas de trabalho investidas, cada tapete deFio tem bordado, na etiqueta, o número de pontos que levou. Podem ser, como já aconteceu, 171 mil. “É um trabalho de paciência, minucioso, porque estamos a falar de uma juta que é toda preenchida, como acontece nos tapetes persas, e quando há erros é preciso desmanchar”, diz Filipa. “É quase um bocadinho excêntrico ter no chão um tapete destes.”

© Manuel Manso

As suas criações, admite, são feitas mais a pensar na parede, sobretudo no caso dos tapetes de linhas orgânicas, onde rompe não só com os padrões tradicionais mas também com a forma retangular. “Tive de arranjar uma nova técnica para a bainha, que é muito mais complicada, mas posso dizer que as peças orgânicas são as que gosto mais de fazer. São muito diferenciadoras.”

Mexer com a técnica não é um tabu, e a prova são os três novos pontos criados por Filipa, que passou o verão a escrever a patente e a explicar o que mudou. “São pontos que resultaram de erros, e que dão um relevo diferente às laçadas. As senhoras de Arraiolos dizem logo que não é de Arraiolos”, brinca. Também acontece o inverso e há algumas bordadeiras com quem trabalha que ficam entusiasmadas por estar a fazer algo diferente.

Chamar ateliê ao seu espaço de trabalho, uma sala com mezanino numa vila em Lisboa cheia de lãs e móveis antigos, é que nem pensar. “Prefiro oficina porque gosto de arregaçar as mangas. Mesmo quando estou a meditar, ponho-me a fazer o ponto de Arraiolos.” Texto Ana Dias Ferreira

LUUMi.handmade

Serão candeeiros ou teares em três dimensões? Esta marca de Évora combina bétula e fios de lã ou linho, em cores tingidas à mão e personalizáveis por encomenda.

O lixo de uns é o luxo de outros – quando não é a inspiração para um novo projeto. Em 2020, à saída de uma loja de velharias em Évora, onde vive, Helena Imaginário deu com um string lamp (candeeiro de fios) deixado na rua. Vieram-lhe à memória os verões de infância e as férias no Algarve, em que sabia ter visto candeeiros iguais àquele. Decidiu recuperá-lo. À procura de um carpinteiro, conheceu Hélder Cavaca, marceneiro e escultor, que se entusiasmou com a ideia em igual medida. “Fomos fazendo experiências com fios fiados à mão e até com fios de rebanhos de amigos nossos”, recorda Helena. “Achámos piada às peças e as pessoas à nossa volta começaram a fazer encomendas.”

Construídos a quatro mãos e em duas fases distintas, os candeeiros são inspirados nas planícies alentejanas. As estruturas em madeira com diferentes formas nascem nos arredores da cidade, na oficina de Hélder, que desenha, constrói e dá o acabamento certo ao contraplacado de bétula. Daí seguem para o ateliê da LUUMi, no Mercado Municipal de Évora, onde Helena trata da parte têxtil: o pigmento, o tingimento e a tecelagem.

Em lã ou em linho, os fios são trabalhados à mão com precisão e firmeza, criando diferentes efeitos na iluminação. As cores são escolhidas no momento da encomenda e o mais comum é a mistura de diferentes tons. Os preços começam nos 85€. Texto Mariana Abreu Garcia

RITA KROH

Um desafio do Estúdio Astolfi revolucionou a forma como olha para o croché. Hoje, não hesita em combinar fios com cerâmica e cestaria ou levar a técnica tradicional para galerias de arte.

Deixa-se mover por desafios, como a vez em que o Estúdio Astolfi lhe pediu um casulo com quase dois metros para uma montra da Hermès. Nunca tinha feito nada do género. No final, não fez um, mas dois, em croché: o primeiro usando ráfia e o segundo em sisal que, diz, “lhe deixou as mãos todas cortadas mas deu um gozo enorme”. Foi quando percebeu que podia incorporar os fios em projetos mais arrojados.

Se a marca Rita Kroh surgiu em 2017, o trabalho de Rita Teles Garcia com fios começou muito antes. Logo em 2012, criou a Mesh, com a qual fazia acessórios como cachecóis, golas e colares. Quando engravidou começou a fazer roupas para bebé, sobretudo sapatos, com fios 100% lã, coloridos, fugindo aos habituais tons “desmaiadinhos”. A mãe, com quem aprendeu e que sempre a vestiu com “lindíssimas” camisolas e vestidos em tricô, também ajudava. “Foi uma época louca, mas acabava por ser um pouco repetitivo, e, apesar de vender muito, as pessoas queixavam-se um bocado dos preços. Talvez hoje fosse diferente.”

A dada altura, recebeu um email de uma marca chamada Mesh a pedir-lhe para abandonar o nome. “Aproveitei para mudar tudo”, diz. “Andava a trabalhar algumas coisas em cerâmica, por isso houve uma revolução nas minhas peças.” Usou a fonética de croché para encontrar Kroh. Hoje, além de colaborar de forma pontual com o Estúdio Astolfi, cria brincos, jarras e vasos que combinam cerâmica com fios de algodão, juta ou lã, tapeçarias em fada do lar (mais conhecida pelo inglês punch needle), e bordados. Além disso, ainda dá workshops e expõe com regularidade. Texto Ágata Xavier

FABRICAAL

Como um grupo de três amigos vindos do entretenimento e da gestão se mudaram para o Alentejo e estão a fazer das mantas tradicionais um produto tão clássico como contemporâneo.

Ao telefone de Reguengos de Monsaraz, Margarida Adónis não contém o entusiasmo. “Acabei de tirar o meu primeiro tapete vendável do tear”, diz, para logo a seguir menorizar, “é um sarjado”. A adenda designa o tipo de tapete e manta alentejanos mais simples. Desde que, no início de 2020, em parceria com dois amigos, comprou a Fábrica Alentejana de Lanifícios, que está a aprender a tecer; aliás, estão os três. “É mesmo difícil”, diz. “Aprendemos com as melhores mestres, as nossas empregadas, mas ainda me sinto uma rookie a fazer; a desenhar não.”

Esta aprendizagem tem sido fundamental na transição da fábrica para os tempos modernos. Não só lhes permitiu passarem a perceber melhor uma área com a qual tinham “relação zero” mas também criarem novos desenhos para juntar aos tradicionais. O processo criativo é todo “à mão, nuns teares mais pequenos”, explica. Se não está bem, desmancha-se, numa lógica de tentativa-erro. “Às vezes sonho com os nossos desenhos e combinações de cores.” Somados aos 150 pré-existentes, hoje são mais de 200. A primeira mudança, contudo – e que permitiu “looks mais contemporâneos” – foram as cores. De 17 passaram para 51, escolhidas a dedo do mostruário da Rosários 4, incluindo tons como azul meia-noite, verde petróleo e amarelo ovo cozido.

Fundada em 1930, a Fabricaal é a principal referência na produção das mantas e tapetes alentejanos que há cerca de 500 anos são um símbolo da região. Começou por acolher alguns dos artesãos da zona. Na década de 1950, passou a concentrar todas as pequenas indústrias de mantas de Reguengos de Monsaraz. E, já no final dos anos 1970, pela mão da holandesa Mizette Nielsen, fez das mantas um produto intemporal. O tempo, ainda assim, exerce o seu desgaste e, quando começaram a estudar o negócio, Margarida Adónis, fundadora da produtora audiovisual Ready to Shoot, António Carreteiro, maquilhador, e Luís Peixe, então diretor ibérico de uma grande marca de telecomunicações, perceberam que havia muito a melhorar. Seria um bom projeto para abraçarem a par da almejada mudança para o campo. Qualidade de vida, pensaram os três. Não contavam com a pandemia que, dois meses depois de terem pegado na fábrica, fechou o país.

Com a sobrevivência como palavra de ordem, criaram uma loja online na plataforma global Etsy, conseguiram não ter um único caso de covid entre os trabalhadores e nunca deixaram de trabalhar. Pelo caminho, foram introduzindo novos produtos: puffs, cabeceiras de cama, bolsas para iPad, necessaires. “Em suma, peças que têm a beleza tradicional da manta alentejana, mas uma utilidade que não é só a de uma manta ou de um tapete”, explica Adónis. Passaram também a valorizar o fio não tingido e a fazer peças com cores naturais. No final do primeiro ano, lançaram o site da fábrica, grande impulsionador do negócio. Depois, veio uma colaboração com a marca de mobiliário sediada em Londres De La Espada. Em breve anunciarão novas coleções em parceria “com alguns museus”.

Embora num espaço de tempo tão curto tenham passado de quatro para sete tecedeiras, contratado duas costureiras e dobrado a produção, o grande desafio tem sido responder à procura de forma sustentada. Para já, estão a recuperar teares estragados para poderem contratar mais pessoas. “Têm de estar super afinados. São peças muito complexas”, especifica Margarida. “É preciso uma paciência de Job.” Comprar novo? “É muito caro, ainda não chegámos lá.” Daí, explica, o stock limitadíssimo. “O tempo de entrega são 12 semanas.”

Uma das grandes vantagens da Fabricaal, defende, é permitirem aos clientes escolher as cores e assim personalizar as peças. Os estrangeiros, que ainda são muito minoritários, valorizam o trabalho manual. Quanto aos portugueses, dividem-se quase 50/50 entre os que preferem os modelos clássicos e os que adotaram os contemporâneos, prova de que tradição e novidade podem coexistir quando o design é intemporal. Texto Joana Stichini Vilela

D’Enfiada

O que têm em comum sapatos, retratos e peças de decoração para a casa? Todos podem ser bordados à mão e tornar-se peças únicas.

As peças que mais saem do ateliê, em Torres Vedras, são as mais pequenas: as sapatilhas e os retratos – feitos por encomenda e sempre de pessoas comuns. “Gosto da ideia do anonimato e de ser eu a definir-lhes a expressão”, explica Rute Ferreira, designer gráfica e artesã nas horas vagas. Foi há coisa de cinco anos que começou a bordar, como forma de “fugir ao ecrã e ao pixel”, personalizando as próprias peças de roupa. “As pessoas à minha volta começaram a desafiar-me a fazer coisas diferentes”, recorda. As encomendas somavam-se e Rute ia aprimorando a técnica, com a prática mas também com formações online e tutoriais de YouTube, até que, em 2020, a D’Enfiada deu um salto e “tornou-se o que é hoje”.

Atualmente, as peças preferidas da artista são as de maiores dimensões, pensadas para a casa. Inspirada nas peneiras usadas para examinar farinhas e cereais, por exemplo, Rute cria telas que podem ir até um metro de altura e que borda como se fossem tecido.

O que mais impressiona, tanto nas peças mais pequenas (que começam nos 20€) como nas mais imponentes, é a utilização da cor, que ocupa boa parte do processo. Os diferentes elementos bordados – das flores às caveiras, das minúsculas frutas aos animais – são criados através da pintura de agulha, uma técnica que usa um espectro de cores alargado em vez do preenchimento sólido com cor. Através da utilização de diferentes tons – e da mestria na mistura das linhas – criam-se sombras e volumes, que acrescentam intensidade aos desenhos, que mais parecem pinturas. “Gosto de perguntar à minha volta quantos tons de vermelho as pessoas conseguem ver numa peça, porque quando à primeira vista identificam dois, estão lá uns cinco ou seis, todos misturados.” Texto Mariana Abreu Garcia

M3za

Quem julga que a arte de trabalhar fios é sempre pacífica e delicada ainda não conheceu os tapetes de Maria Teresa Lucas.

Tinha experimentado crochê e tricô para fazer peluches e almofadas, mas foi quando descobriu o punch needle que Maria Teresa Lucas, 29 anos – formada em design de moda e com um CV que vai da hotelaria em Londres à porta do Lux Frágil, em Lisboa – se voltou a apaixonar pelos têxteis. A técnica de bordado, também conhecida como ponto russo, usa uma pequena agulha que fura as superfícies, entrando e saindo, e dá origem a peças em alto relevo. Com uma pistola – atual melhor amiga da artesã – o movimento é feito de forma automatizada e veloz.

© Manuel Manso

Vinda de técnicas mais manuais e delicadas, a artista descobriu uma nova forma de mindfulness no tufting, isto é, na produção de tapetes. Criou mesmo todo um ritual de preparação. Equipa-se com proteções para os olhos e o nariz (por causa das fibras mais leves que ficam no ar) e para os ouvidos (anti-ruído). “Posso parecer overdramatic mas a experiência de manusear e contrabalançar a máquina é intensa”, diz, explicando que a técnica exige tanto força como precisão. Por outras palavras, rédea curta.

© Manuel Manso

Do studio M3za – que se lê Maria Teresa mas também “mesa”, no sentido de “pôr tudo em cima da mesa” para deitar mãos à obra – saem sobretudo malas e tapetes, dos mini aos maxi, sempre coloridos e em formas fluidas e divertidas. Os preços também variam muito, dos 45€ aos 900€ – até ver. “Estou numa fase em que mais é mesmo mais: cor, brilho, coisas loucas.” Sem planos certos para o futuro, a artesã cria conforme sente. “Não quero definir rótulos para o que faço. Se vir uma coisa a brilhar noutra direção, dou uma guinada e vou por ali.” Texto Mariana Abreu Garcia

VASCO ÁGUAS

Começou pelos nós do macramé, evoluiu para os painéis de grandes dimensões e hoje pode dizer-se que já não junta apenas cordões de algodão mas também artistas têxteis, enquanto curador.

Antes de cortar a barba, já tinha cortado o nome. Em tempos conhecido como Barbudo Aborrecido e presença assídua nos mercados de rua com suportes de vasos e outras peças em macramé, Vasco Águas assume-se hoje como artista têxtil, tendo também um papel de curador nesta área “durante tanto tempo associada aos lavores”.

Diz que é do tempo dos trabalhos manuais na escola, trabalhos esses que se dividiam essencialmente entre têxteis e madeiras. Por influência da mãe e dos avós – o avô era alfaiate –, sempre preferiu os têxteis e experimentou um bocadinho de tudo, da esmirna à máquina de costura. Enquanto Barbudo Aborrecido, transformou em marca o hobbie do macramé, até chegar a um ponto em que percebeu que o seu trabalho “não estava a ser valorizado como queria”.

“Nessa altura tive um convite para fazer um painel de parede e percebi que era por ali”, conta. Nas peças de grande escala – a maior delas, com três metros por quatro, foi feita para o restaurante Cantinho do Avillez em Cascais – os nós de macramé são usados como se fossem a teia de um tear e formam a estrutura onde são trabalhadas diferentes técnicas de tapeçaria e tecelagem, para criar sobreposições e camadas. Formado em arquitetura, Vasco gosta de desenhar o que pretende fazer antes de agarrar nos fios de algodão e lã merino. Uma inspiração pode ser a passagem das estações, como nos quatro painéis criados para a feira Lisbon by Design, em maio deste ano.

Também este ano, uma nova conquista, no papel de curador. Sob o nome “Transformação”, Vasco Águas juntou na galeria da Lx Lapa, em Lisboa, uma exposição coletiva de artistas que têm vindo a trabalhar o universo têxtil de diferentes formas, da cestaria em espiral de Maria Pratas às tapeçarias de Rita Sevilha, passando por  Guida Fonseca – “uma das pessoas que mais tem lutado para que o têxtil seja valorizado enquanto arte”, diz Vasco, para quem ainda há um longo caminho a percorrer: “Até agora o têxtil tem sido visto como uma espécie de parente pobre [das outras artes manuais] e as pessoas não o percebem, está associado a lavores. Devagarinho essa perceção está a mudar, e daí também a vontade de chamar estas pessoas e mostrar técnicas diferentes no contexto de uma galeria de arte contemporânea.”

Para “Transformação”, a exposição que segue agora para itinerância, Vasco também criou uma peça onde escolheu refletir sobre um tema que considera incontornável nos dias de hoje: o desperdício. “Há atividades que produzem mais e o têxtil acaba por produzir algum”, justifica. Com linho comprado de excedentes de fábricas e costurado à mão, criou uns volumes suspensos, semelhantes a uma cascata, cujo interior é feito de todos os restos e restinhos que foi guardando. Texto Ana Dias Ferreira

Este artigo foi originalmente publicado na revista Observador Lifestyle n.º18, em dezembro de 2022