No debate da quarta moção de censura ao Governo, António Costa tentou passar a ideia de que Portugal se aproximou dos países mais desenvolvidos no PIB per capita, Cotrim de Figueiredo tentou colar o Chega ao PS, mas devia ter dirigido a crítica ao PSD, e André Ventura ainda disse que o primeiro-ministro tinha aparecido em público de “fato de treino” a minimizar a polémica indemnização da TAP à então secretária de Estado do Tesouro, Alexandra Reis. O Observador fez o fact check a alguns momentos do debate de várias horas desta quinta-feira.

Cotrim Figueiredo. “Chega foi o partido que mais votou ao lado do PS no Orçamento”

Chega foi o partido que mais votou ao lado do PS nas últimas votações orçamentais”

João Cotrim Figueiredo, líder da Iniciativa Liberal

O líder cessante da Iniciativa Liberal afirmou, durante o debate da moção de censura ao Governo, que nas últimas votações orçamentais o Chega tinha sido a força política que mais vezes tinha votado ao lado do Partido Socialista. Ora, se no Orçamento para 2022, aprovado em junho, essa afirmação estava correta, conforme deu nota aqui o Observador, no Orçamento para 2023 aprovado recentemente a informação está incorreta.

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No final de novembro, foi mesmo o PSD o partido que mais vezes votou ao lado do PS nas propostas de alteração ao Orçamento do Estado. Segundo as contas feitas pelo Observador, entre votos a favor e abstenções, os sociais-democratas estiveram 74 vezes ao lado dos socialistas (33 a favor e 41 abstenções). E foram também os que menos vezes se opuseram às propostas de alteração apresentadas pelo PS, com apenas quatro votos contra.

Os sociais-democratas só votaram contra quatro propostas de alteração do PS: municípios com mais tempo para poderem suspender autorizações de novos registos de alojamento local em áreas condicionadas; permitir o acesso ao Registo Central do Beneficiário Efetivo para efeitos tributários; agravar imposto para prédios urbanos ou frações autónomas destinadas à habitação em zonas de pressão urbanística que não se encontrem afetos a habitação própria e permanente; extinguir benefícios fiscais para contratos de arrendamento que acabem antes do previsto.

Ainda houve uma abstenção em que o PSD ficou isolado, com todos os partidos a votarem a favor da proposta socialista numa medida que pretende isentar de imposto selo as operações de reestruturação de crédito.

Para completar a contabilização, logo depois do PSD surge o PAN, com 70 votações alinhadas (55 a favor e 15 abstenções) e em seguida o Livre com 67 viabilizações de propostas do PS (42 a favor e 25 abstenções). Logo a seguir a sociais-democratas, estiveram, assim, ao lado do PS os novos parceiros socialistas, os dois partidos que se abstiveram tanto na votação na generalidade como na final global do Orçamento do Estado para 2023.

Conclusão

É falso que tenha sido o Chega o partido a votar mais vezes a favor das propostas dos socialistas no último orçamento do Estado. Ainda que o tenha feito no Orçamento para 2022, no Orçamento para 2023, o mais recente, foi o PSD que mais deu a mão ao PS.

ERRADO

André Ventura. “António Costa veio, de fato de treino, dizer que não sabia de nada [sobre indemnização da TAP à então Secretária de Estado] e que ia deixar os termos correrem”

O primeiro-ministro veio de fato de treino à porta de um pavilhão dizer que não sei de nada e vamos deixar que isto corra os seus termos.”

André Ventura, líder do Chega

O líder do Chega, na intervenção durante o debate da moção de censura ao Governo, afirmou que António Costa tinha aparecido “de fato de treino à porta de um pavilhão” para dizer que “não sabia de nada” e que devia deixar-se que “tudo corra os termos” no que dizia respeito à indemnização que a secretária de Estado Alexandra Reis tinha recebido da TAP.

André Ventura referia-se ao momento em que António Costa surge, de luto, no Teatro Camões, no Parque das Nações, no velório de António Mega Ferreira.

Nessa altura, horas antes de ser conhecida a informação de que o Ministério das Infraestrutura estava informado do valor da indemnização e de Pedro Nuno Santos ter pedido a demissão, António Costa não disse exatamente o que André Ventura lhe imputou durante o debate.

Desde logo, António Costa remeteu para o comunicado que já tinha feito chegar à agência Lusa nessa tarde — ele que estava de férias nesse período — e frisou que registava que “a senhora secretária de Estado prontamente declarou que devolveria tudo o que lhe tenha sido pago indevidamente” e anunciou que iria “falar com os senhores ministros para saber qual é a avaliação que fazem e quais são os passos seguintes”.

“Estamos a avaliar a informação fornecida pela TAP, falei com os ministros e seguramente que depois o Governo anunciará quais são os passos seguintes”, disse António Costa. 

Conclusão

Ao contrário daquilo que André Ventura afirmou no debate, o primeiro-ministro afirmou desde logo que o Governo teria iniciativa para tomar ações em conformidade depois de o caso da indemnização à Secretária de Estado Alexandra Reis ter sido tornado público. Tal verificou-se, aliás, um par de horas depois dessas declarações de António Costa com o pedido de demissão de Pedro Nuno Santos a ser prontamente aceite pelo Chefe do Executivo. Logo, a afirmação de André Ventura está errada.

ERRADO

António Costa. “Portugal aproximou-se dos países mais desenvolvidos da União Europeia”

Falando de comparações internacionais, nos últimos sete anos, diminuímos a diferença para França em 2,6 pontos percentuais, 3,8 pontos percentuais face à Alemanha, 7,1 pontos percentuais face a Espanha. Estamos mais perto dos países mais desenvolvidos da UE, que é de quem nos queremos aproximar.”
António Costa, primeiro-ministro

Tentando rebater o argumento do líder da Iniciativa Liberal de que Portugal foi ultrapassado nos últimos anos por vários países no “PIB per capita”, incluindo países do leste europeu, António Costa ripostou com dados que, na forma como os exprimiu, traduzem uma aproximação a países como Espanha, França e Alemanha, nos últimos sete anos (desde final de 2015).

Os últimos dados calculados pelo Eurostat e pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) não correspondem exatamente aos enunciados pelo primeiro-ministro, que não especificou onde foi buscar os seus números e em concreto a que indicador se referia. Porém, a tendência referida por António Costa está correta: quando se compara a evolução do PIB per capita (em paridade do poder de compra, ou PPC, que é o indicador que faz sentido usar nesta matéria de comparação e foi o referido pela IL), de facto Portugal estreitou a sua diferença face a esses três países nos últimos sete anos – porém, só devido à queda mais forte do PIB per capita em Espanha, França e Alemanha.

O que António Costa não diz é que Portugal também caiu, neste período de sete anos, na evolução deste indicador. Se em 2015 o PIB per capita (em PPC) era 78% da média europeia, em 2021 já era só 75%, ou seja, caiu três pontos percentuais em relação à média.

Espanha teve um desempenho bem pior: caiu de 91% da média em 2015 para 83% da média em 2021, ou seja, o país-vizinho baixou oito pontos percentuais (mais do que os três pontos “perdidos” por Portugal).

A comparação com a Alemanha é similar: os alemães tinham um PIB per capita (em PPC) de 124% da média europeia e caíram para 120% da média europeia, uma queda de quatro pontos percentuais que é, assim, um pouco mais profunda do que a sofrida por Portugal. Já em França o mesmo indicador era de 107% da média europeia e chegou a 2021 com 104%, uma perda de três pontos.

Havia outros casos que Costa poderia ter usado para tornar a declaração mais equilibrada: não só a Irlanda, onde o indicador subiu de 181% para 219%, mas também os países referidos pelo deputado da IL João Cotrim de Figueiredo, como República Checa (89% para 92%), Estónia (76% para 89%) e Eslovénia (83% para 90%).

Como o Instituto Nacional de Estatística reiterou há poucas semanas, em meados de dezembro, o PIB per capita (em PPC) de Portugal, de 75%, é o 16º no conjunto dos 19 países da zona euro (agora 20, com a adesão da Croácia a 1 de janeiro de 2023).

Conclusão

Por referir apenas o caso de Espanha, França e Alemanha – e por não indicar que a “aproximação” aconteceu porque os outros tiveram uma quebra maior do que Portugal – a declaração pode ser considerada enganadora.

ENGANADOR