Um crescimento económico acima de 3% até ao final da legislatura, redução de impostos (IRS e IRC, sobretudo), aumentos salariais e valorização das carreiras na função pública, redução da dívida em linha com o projetado e manutenção de um ligeiro excedente orçamental, sem que daí resulte uma obsessão excessiva com as chamadas “contas certas”. No dia em que juntou a “nata da nata” da economia portuguesa (aos olhos da AD, claro) numa reunião privada na sede do PSD, Luís Montenegro apresentou parte do cenário macroeconómico que servirá de base à construção do programa eleitoral da Aliança Democrática. No final, recebeu o conforto dos economistas ali presentes e um pedido: que exista ambição.
De acordo com o que apurou o Observador, Montenegro aproveitou a reunião com 17 economistas à porta fechada para apresentar as bases do cenário macroeconómico que será apresentado em público na próxima semana. Até lá, ainda pode sofrer alterações face aos comentários recebidos na reunião — houve gente a sugerir, por exemplo, que a coligação fosse mais longe em determinadas rubricas. De resto, até houve conselhos para que não fosse apresentado um cenário muito pormenorizado, mas antes uma média ou uma trajetória.
A reunião juntou economistas de várias gerações, gente com experiência governativa — quatro antigos ministros das Finanças, Miguel Cadilhe, Jorge Braga de Macedo, Manuela Ferreira Leite e Maria Luís Albuquerque –, especialistas respeitados, como Abel Mateus, Ricardo Reis, João Moreira Rato, Fernando Alexandre, e dois antigos assessores económicos de Cavaco Silva como João Borges de Assunção e João César das Neves.
O objetivo declarado deste encontro, assumem ao Observador fontes das direções dos dois partidos que definem as linhas orientadoras da Aliança Democrática — PSD e CDS –, foi tornar público o friso de personalidades que se disponibilizaram a ajudar a coligação na antecâmara das eleições legislativas. Um grupo que, esperam Luís Montenegro e Nuno Melo, possa reforçar a credibilidade das propostas que serão feitas. Quanto ao teor da reunião, sem grande surpresa, as críticas foram essencialmente dirigidas a António Costa, responsável por oito anos de políticas que conduziram à “falta de crescimento”, ao “colapso dos serviços públicos” e ao “empobrecimento do país”.
O aviso dos economistas: é preciso responder ao “colapso” do Estado Social
O documento que foi apresentado aos economistas tem como ponto de partida as projeções que foram feitas em meados de dezembro pelo Conselho das Finanças Públicas (CFP) e que vão até 2027. A essas projeções, a Aliança Democrática acrescenta um “desvio positivo” que é, no fundo, aquilo que acredita que será o impacto positivo das suas políticas.
O principal impacto dessas políticas sente-se, sobretudo, nos últimos anos da legislatura. “É normal, neste tipo de exercícios, que assim seja: nos primeiros anos não se foge muito ao cenário-base e o desvio vem depois, à medida que produzem efeito as medidas propostas”, salvaguarda um dos economistas presentes no encontro. É “mais adiante”, nos últimos anos da legislatura – 2026 e 2027 –, que o crescimento da economia irá aproximar-se (e mesmo superar) a marca dos 3%, caso a AD consiga formar governo e as medidas que propõe surtam efeito. Isso contrasta com o crescimento de 2% que o CFP está a apontar para 2027.
O cenário-base do CFP parte, porém, de uma perspetiva de “políticas invariantes”. Mas alguns dos economistas presentes alertaram que na situação que o país vive, que foi descrita como sendo de “quase colapso dos serviços públicos”, não é sensato fazer previsões com base em políticas invariantes. “Pela simples razão de que será necessário tomar medidas para salvar os serviços públicos”, sublinha um dos economistas ouvidos pelo Observador. Aliás, os problemas dos serviços públicos foram partilhados pela generalidade dos especialistas presentes. As medidas para contornar esse “quase colapso” podem ter mais ou menos impacto orçamental, conforme as escolhas políticas que forem feitas.
As alternativas são duas, como foi referido na reunião: resolver o problema com mais dívida (o que contesta a ideia de que existam mesmo contas públicas equilibradas neste momento) ou com “medidas mistas”, recorrendo mais ao setor privado. “É a única forma de pôr os serviços públicos a funcionar sem aumentar a dívida”, disse um dos economistas presentes na reunião. Luís Montenegro falou já disso mesmo – a saúde e a educação terão de ter mão privada para que os serviços possam ser melhorados.
À saída da reunião, Luís Montenegro voltou a defender o contributo dos setores privado e social nesses setores. “Esta é uma clivagem grande que há entre o PS e a AD. O projeto do PS visa dar ao Estado toda a responsabilidade da prestação do serviço público”, defendeu o líder social-democrata. Todavia, segundo apurou o Observador, não está em cima da mesa uma generalização das PPP na Saúde, mas um setor a funcionar em conjunto por público, privado e social.
A regra vale igualmente para a Educação. À saída da reunião, Luís Montenegro criticou o PS pelo fim dos contrato-associação com os privados nas escolas, mas não deixou de defender que o seu governo terá uma forte componente de investimento público nesta área, através, por exemplo, do reconhecimento do tempo de serviço de professores que esteve congelado, uma forma de qualificar a Escola Pública.
Aumentos na Função Pública, excedente para manter
Houve, aliás, um dado que surpreendeu alguns dos dirigentes dos dois partidos que lideraram a reunião: ainda que os especialistas ouvidos possam ser considerados como sendo de centro, centro-direita e até liberais no sentido económico do termo, houve uma preocupação quase permanente em defender o papel do Estado na melhoria dos serviços públicos, mas também evolução dos salários. “Há dez anos este debate talvez não fosse assim”, comenta um dos dirigentes da AD.
Segundo informações recolhidas pelo Observador, PSD e CDS manifestaram a vontade de repor o poder de compra a toda a função pública, quer através da valorização das carreiras, quer através de aumentos salariais. Ainda que neste caso não haja já um compromisso público como o PSD fez para a contagem do tempo de serviço dos professores (os sociais-democratas propuseram a reposição em cinco anos, ao ritmo de 20% ao ano).
A Aliança Democrática acredita que irá conseguir promover, com as suas reformas, crescimento económico, mantendo contas equilibradas. Haverá mesmo ligeiros excedentes no horizonte da legislatura no cenário da AD. Ao mesmo tempo, Luís Montenegro e Nuno Melo propõem-se manter a redução da dívida pública (face ao PIB) num ritmo constante. Contas equilibradas já sem contar com o impulso inflação, uma vez que está a ser considerado, no cenário da coligação, um índice de preços ao consumidor a rondar os 2% em 2025. Uma marca de cautela por parte da Aliança Democrática, disseram outros economistas.
Mais a mais, PSD e CDS tudo farão para não tornar esta campanha eleitoral em torno das ideias de défice e dívida. Não só por entenderem que é uma falsa questão — “contas certas” são um pressuposto e não um fim em si mesmo –, mas também por considerarem que esse discurso político não diz nada a ninguém. “Não há interesse nenhum em focar o debate eleitoral em torno da dívida”, diz ao Observador fonte da coligação.
Quem esteve na reunião
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Luís Montenegro e Nuno Melo.
António Leitão Amaro, Joaquim Miranda Sarmento, Pedro Duarte e Pedro Reis (PSD).
Paulo Núncio, Cecília Meireles, Bruno Bobone, Leonardo Mathias e Ricardo Pinheiro Alves (CDS)
Economistas Convidados:
1. Abel Mateus
2. António Nogueira Leite
3. Cátia Batista
4. Fernando Alexandre
5. Isabel Horta Correia
6. Joana Silva
7. João Borges de Assunção
8. João César das Neves
9. João Duarte
10. João Moreira Rato
11. Jorge Braga de Macedo
12. Leonor Modesto
13. Manuela Ferreira Leite
14. Maria Luís Albuquerque
15. Miguel Cadilhe
16. Pedro Teles
17. Ricardo Reis
Economistas da Equipa da AD:
1. Inês Domingos
2. Hugo Almeida Vilares
4. João Valle e Azevedo
5. Jorge Campos Costa
6. Miguel Faria e Castro
8. Óscar Afonso
Redução de impostos pensada para os mais jovens e classe média
Descer o IRC em três anos dos atuais 21% para 15%, cortando em dois pontos percentuais em cada um dos anos: de 21 para 19%; de 19% para 17% e finalmente de 17% para 15%. Assim chegará durante a próxima legislatura se a Aliança Democrática conseguir formar Governo, promete o líder social-democrata. No âmbito do orçamento do estado para 2024, o PSD já tinha proposto uma descida do IRC para 19%.
Também no IRS, Luís Montenegro já prometeu desonerar os impostos sobre rendimentos à classe média. Foi também na discussão do orçamento para este ano que o PSD propôs alterações nos escalões do IRS, insistindo numa taxa de 13% até 7.703 euros, evoluindo as taxas para 19%, 23,5%, 25,5%, 32%, 34%, 43%, 44,75% e 48%. Fixar jovens foi um dos temas em destaque nesta reunião com economistas, até pelos números recentemente divulgados pelo Expresso que indicam que mais de 850 mil jovens que têm hoje entre 15 e 39 anos deixaram o país e residem atualmente no exterior.
Uma das mensagens que se quis passar, ainda assim, foi mesmo de que não serão aprovados novos impostos, numa contraposição a quem tem falado do englobamento dos rendimentos de capitais, às mais-valias e às rendas e da reintrodução do imposto sucessório, como defendeu o think tank Causa Pública, associação liderada pelo ex-ministro socialista Paulo Pedroso.
Um tema que ficou quase de fora desta reunião foi o da sustentabilidade da Segurança Social. Montenegro já disse e reiterou pretender aumentar o complemento solidário para idosos, e foi tudo o que foi abordado num encontro que durou quatro horas. Pedro Nuno Santos, líder socialista, já prometeu pensar em novas fontes de financiamento da segurança social.