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Manifestação de sábado levou milhares de pessoas às ruas de várias cidades do país.
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Manifestação de sábado levou milhares de pessoas às ruas de várias cidades do país.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Manifestação de sábado levou milhares de pessoas às ruas de várias cidades do país.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Da "bolha" para o protesto. Como o PS tenta evitar custos eleitorais da habitação

Socialistas nervosos com uma onda de protestos que vá em crescendo e que dê imagem de uma frente de ataque ao Governo. Esperam que resultados das medidas na habitação cheguem a tempo das legislativas.

A “frustração” com a Habitação é um problema que parece crescentemente transversal: não só se somam milhares de pessoas nas ruas a protestar contra a falta de condições para arranjar casas (e a preços comportáveis), como até o próprio primeiro-ministro já admite que se sente “frustrado” com o estado de coisas. E é nesse estado que se encontra também o seu partido: atacado dentro da “bolha”, mas agora — e mais importante — também nas ruas. O PS aflige-se com a questão da Habitação e tenta dissolver a ideia de que se esteja a formar uma nova — e sólida — frente de ataque contra o Governo.

Numa altura em que, nos corredores do PS, se ouvem dirigentes e deputados cada vez mais nervosos com um problema que parece não ter solução à vista — “todos nós conhecemos carradas de pessoas que estão a sofrer”, admite um deles ao Observador — Costa ensaia a estratégia: está tão solidário com as tais pessoas que sofrem que até se identifica com os motivos do protesto (como com nenhum outro) e concorda com os argumentos de fundo dos manifestantes. Uma solidariedade do primeiro-ministro que não se verifica — como garantiu esta segunda-feira em entrevista à CNN — com os alvos que escolheu, e que não quer que colham os frutos da insatisfação com o PS: PSD e o Presidente da República.

Travão às rendas, salário mínimo e pensões. O que Costa promete para o próximo ano

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“Os argumentos das pessoas que estiveram a manifestar-se ao direito à habitação são opostos aos do PSD e do Presidente da República”, atirou Costa na CNN, logo depois de garantir que, de todas as manifestações que têm escolhido como alvo o seu Governo, esta é aquela em que mais se “revê”. Tudo porque, segundo a linha de argumentação do primeiro-ministro, as pessoas não estarão exatamente “contra” o pacote de medidas do PS — o famigerado Mais Habitação, que Marcelo e Luís Montenegro tanto criticaram; queriam, antes, que tivesse “ido mais longe”.

O problema é que o pacote é divisivo mesmo dentro do PS, e agora, com a série de medidas socialistas aprovada contra a vontade de Marcelo, sem outros apoios e com dúvidas até entre socialistas, mas sobretudo com a contestação a chegar à rua, o partido deita as mãos à cabeça e admite: este será mesmo o grande desafio do terceiro Governo Costa. Mais: para alguns, esta será a questão que pode começar a causar a real erosão — fora da “bolha mediática”, como se diz no léxico socialista — da base de apoio desta maioria absoluta.

PS dividido e cético sobre efeitos do pacote da Habitação

“A pressão está a rebentar com as famílias. Não se trata só dos casos mais dramáticos, mas dos das pessoas normais, aquelas para quem ninguém olha. É o tema que gera mais tensão social”, diagnostica um dirigente, garantindo que, fora da tal “bolha”, mais entretida a analisar a vertente puramente política e tática do assunto — a tensão entre Governo e Presidência da República, comprovada com a decisão do PS de confirmar sem alterações o diploma do Mais Habitação, que Marcelo Rebelo de Sousa vetara com palavras duras — existe uma insatisfação social bem real, que o Governo não pode ignorar.

Onde “se joga o futuro do Governo”

“Enquanto falamos da reconfirmação da lei não vemos as tensões que estão a germinar sobre isto. A Habitação neste momento, por força das taxas de juro, já é um problema do pobre, do remediado e do rico. Do proprietário, do pretendente a proprietário, do arrendatário”, frisa o mesmo dirigente. Outro concorda, classificando o problema da Habitação como uma “tragédia” e um “desastre em toda a linha” e sentenciando: “Aqui se joga o futuro do Governo”.

“É preciso termos cuidado para que isto não se transforme numa Geração à Rasca”, avisa, recordando as grandes manifestações no tempo da troika e a mobilização mais transversal da altura. Outros socialistas põem água na fervura — a temperatura das ruas está muito longe de atingir o ponto de ebulição que atingiu nos idos de 2011 e a população não vive “massacrada” como então — mas vão avisando: é preciso resolver o problema, e em menos de dois anos (leia-se: a tempo de o PS ir a eleições autárquicas e legislativas e não sair chamuscado pelo assunto).

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

“A Habitação é um tema importante, por isso temos aumentado o apoio… mas o BCE não ajuda e as 26 mil casas [que António Costa promete desde o seu primeiro Governo] só chegam em 2026”, admite um dirigente socialista. Um pouco por todo o lado, e mesmo entre quem desvaloriza e põe o assunto em perspetiva — incluindo recorrendo a comparações com as massivas manifestações do tempo da troika — a questão da Habitação é vista como um problema a resolver, longe de estar fechado, e um potencial risco eleitoral.

Na Renascença, há dias, o dirigente e eurodeputado Pedro Marques assumia: a área da Habitação será “com certeza” uma das “áreas de avaliação mais significativas dos portugueses no final da legislatura” e um dos fatores que “influenciarão o seu sentido de voto”, possivelmente “penalizando” os socialistas.

Ao Observador, o socialista lembra que a crise da Habitação não é um exclusivo português — daí que António Costa tenha enviado uma carta sobre o assunto à Comissão Europeia — mas volta a assumir que quem está no poder “é penalizado, até pelo tempo que as medidas demoram a produzir efeitos no terreno”. “Os efeitos dificilmente chegam a tempo das eleições europeias, mas nas autárquicas e nas legislativas acredito que muita coisa já esteja no terreno“, calcula.

Pressão para mais medidas. “Estamos numa emergência ou não?”

O problema é que os cartões amarelos ao Executivo podem chegar antes disso, e o partido está atento. Por isso, nos corredores vão-se ouvindo avisos dirigidos ao Governo: dificilmente as soluções para a Habitação poderão ficar por aqui. “Temos de atacar o alojamento local em várias áreas e mexer nas regras… Não dá para ter turistas e pessoas a dormir ao mesmo tempo”, lamenta mais um dos deputados que não ficaram satisfeitos com o modelo final do Mais Habitação. “É preciso aumentar as medidas, mais tarde ou mais cedo. Estamos numa emergência ou não?“.

Isto além de existirem também críticas à gestão que o Governo tem feito do próprio problema. Um socialista considera que o primeiro-ministro se deixou enredar na “leitura de autarca” e fez da habitação “um problema nacional, quando esse é um problema local”. “Quando o Governo nacionaliza o problema está a arranjar um trinta e um“, argumenta. Já sobre as medidas tomadas até aqui, a mesma fonte diz tratarem-se de “soluções que não resolvem o problema” e que, antevê, não travarão a “progressiva insatisfação que vai acabar por pulverizar o sistema político”.

As discordâncias sobre a melhor forma de resolver o drama da Habitação não são, aliás, exclusivamente entre partidos ou órgãos de soberania: o próprio PS divide-se entre socialistas que é preciso cortar a eito no alojamento local e assumir medidas consideradas “radicais” para ver algum efeito prático na Habitação, e a ala mais moderada, que vai lembrando que é preciso “um ponto de equilíbrio”. “Os proprietários têm de ter alguma confiança. O nosso programa é de largo espectro e tem em conta também a necessidade de proteger a confiança de quem investe”, acrescenta Pedro Marques.

O primeiro-ministro, António Costa, participa no programa “O Princípio da Incerteza” - CNN Portugal Summit, que decorreu em Lisboa, 20 de junho de 2022. ANTÓNIO COTRIM/LUSA

ANTÓNIO COTRIM/LUSA

O próprio primeiro-ministro disse o mesmo, quando na entrevista desta segunda-feira assumiu que a fórmula do travão às rendas deste ano não se vai repetir no próximo ano, procurado outra “solução de equilíbrio” entre os 2% (tecto para as rendas neste ano) e os 6,95% (valor do aumento previsto para o ano) nas conversações que está a ter  com inquilinos e senhorios. E explicou o porquê desta reserva com a possível frustração de expectativas dos proprietários, sobretudo numa altura em que o Governo quer que estes coloquem casas no mercado para arrendamento. “É importante não quebrar esta confiança”, disse nessa entrevista.

Uma coisa é certa: ninguém no PS deseja passar a ideia de que o assunto está encerrado e não irá haver novas movimentações. Na entrevista desta segunda-feira, António Costa assumiu que haverá novo travão às rendas, mas sem dizer em que moldes; anunciou o fim dos benefícios para residentes não habituais; e pediu paciência para que se vejam os efeitos das medidas “moderadas” no terreno.

No dia anterior, o líder parlamentar socialista, Eurico Brilhante Dias, publicava no Diário de Notícias um artigo de opinião em que, além de enumerar as atenuantes — mais uma vez, o problema não é só português e o aumento das taxas de juro não ajuda — e as medidas já tomadas, reconhecia que “a questão inquieta a comunidade” e que as ruas “clamam — com razão — procurando respostas”.

Sem “balas de prata” e num momento de emergência, explicava Brilhante Dias, a aposta do PS teria de passar por mais construção pública (por via do Plano de Recuperação e Resiliência), mais promoção de rendas controladas, mais “ajustes” ao alojamento local. Conclusão do artigo, eco do que se vai ouvindo em vários setores do PS: “Há que continuar a trabalhar”. Na Habitação, não há margem para desvalorizar as queixas nem dar o assunto por encerrado — sob pena de as ruas se virarem seriamente contra o PS em plena maioria absoluta e a meses da próxima prova eleitoral.

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