De saída do Parlamento Europeu, depois de dez anos entre Bruxelas e Lisboa, Pedro Silva Pereira recusa entrar em polémicas sobre a composição da lista socialista às europeias, promete todo o empenho no apoio à candidatura do PS e prefere não antecipar outro cenário que não a vitória. Ainda assim, o antigo ministro da Presidência vai notando que haverá o momento de prestar contas. À pergunta sobre se uma eventual derrota nestas eleições será um risco para Pedro Nuno Santos, Silva Pereira é sugestivo: “Bom, isso avaliaremos na altura”, diz.
Em entrevista ao Observador, no programa “Vichyssoise”, o antigo governante diz ainda que uma eventual eleição de António Costa como próximo presidente do Conselho Europeu seria uma grande notícia para Portugal e para a Europa, e afasta a ideia de que o processo judicial em curso possa ser um obstáculo. Aliás, Pedro Silva Pereira não poupa críticas ao Ministério Público: “Perante a colossal soma de derrotas do Ministério Público é preciso parar para pensar”.
Ao mesmo tempo, o socialista sublinha a importância destas eleições europeias para a coesão do continente e aponta baterias a Ursula von Der Leyen e aos partidos que compõem o PPE, família política europeia de PSD e CDS, por estarem a tentar traçar uma distinção fabricada entre uma “extrema-direita perigosa” e uma “extrema-direita boazinha”. Pedro Silva Pereira chama a isso uma tentativa de “branqueamento da extrema-direita”.
[Ouça aqui a Vichyssoise com Pedro Silva Pereira]
“Estou muito confortável a lista forte do PS”
O líder do PS optou por não manter em Bruxelas nenhum dos atuais eurodeputados eleitos pelo partido. Pedro Nuno de Santos fez bem?
Houve um tempo para discutir as listas, esse tempo já passou. Não vou naturalmente revelar as conversas que tive ou que não tive com o secretário-geral, nem as deliberações internas que o PS tomou. Agora o tempo é de cerrar fileiras e escolher entre os que são candidatos e não discutir os que não são candidatos. Estou muito confortável a lista forte do PS. É também uma lista com experiência nas instituições europeias. Fala-se muito dessa limpeza total, mas a verdade é que Francisco Assis já foi eurodeputado. Marta Temido e Ana Catarina Mendes, como ex-ministras, tiveram experiência de interação com a Comissão Europeia e com o próprio Parlamento Europeu. As duas autarcas, Carla Tavares e Isilda Gomes, pertencem ao Comité das Regiões. Estamos a falar de gente com experiência política e também com experiência das instituições europeias.
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Do ponto de vista pessoal, sente algum amargo de boca por não continuar por mais cinco anos?
Não, amargo de boca com certeza que não.
Ficaram coisas por fazer, por cumprir, objetivos por alcançar?
Bom, isso há sempre. Mas nós na vida também temos que nos adaptar às circunstâncias. Regressarei à minha carreira académica na Faculdade de Direito de Lisboa, que é aliás uma coisa de que gosto muito, e portanto olho para a frente, não olho para trás. Mas registo muita satisfação e até orgulho o trabalho que fiz no Parlamento Europeu, o reconhecimento que foi prestado pela minha eleição e a reeleição depois para vice presidente do Parlamento Europeu. Penso que isso honrou Portugal e estou muito satisfeito com o trabalho que pude realizar ao serviço do Projeto Europeu e de Portugal.
A renovação na AD foi quase total, no caso do PS foi total. Isto pode significar uma perda real de influência imediata do país em Bruxelas?
Há sempre um tempo de adaptação. Numa casa complexa como é o Parlamento Europeu diria que isso ainda é mais verdade.
Isso é problemático?
Creio que esses riscos foram ponderados na decisão que foi tomada. Agora, como digo, estamos a falar de gente com experiência política, experiência das instituições europeias, terão certamente o apoio dos assistentes que conhecem o Parlamento e que ali ficarão e nós, que saímos, não deixaremos de ajudar nessa integração dos deputados que agora são eleitos.
“Perante a colossal soma de derrotas do Ministério Público é preciso parar para pensar”
Ainda acredita que é possível ter António Costa na presidência do Conselho Europeu? A comissária Elisa Ferreira disse que a questão judicial é um obstáculo mais colocado pelo próprio António Costa do que em Bruxelas. Isto é assim mesmo?
Se me perguntam se acredito que é possível, respondo que sim, claramente. Acho que é possível. O nome de António Costa é sempre referido. Ainda hoje, aliás, o Político insistiu no nome dele como o melhor colocado para a presidência do Conselho. É uma figura que conquistou grande prestígio, um prestígio que vai muito para além da família socialista. Tem certamente muitos apoios, mesmo fora da família socialista.
Mas António Costa autolimitou-se, não é?
Penso que ele é que terá que fazer essa avaliação. É verdade que apontou esse obstáculo. Também é verdade que as circunstâncias evoluíram. Entretanto, houve um pronunciamento do Tribunal da Relação sobre as suspeitas naquele processo. Mas tenho a testemunhar que, no plano europeu, as pessoas compreendem que esse processo tem características que não parecem constituir uma dificuldade insuperável. À medida que as pessoas se apercebem da evolução que o processo vai tendo e da descredibilização das suspeições que as sucessivas decisões judiciais vão tendo, a questão é cada vez menos colocada. No fim das contas, vai haver uma avaliação política do equilíbrio na distribuição de funções entre as principais famílias políticas e, então, veremos a avaliação que pode ser feita. Agora, que era melhor para Portugal e para a Europa ter António nesse lugar? Disso não tenho dúvidas.
Há muita gente no PS que considera que tenha existido “um golpe de Estado” — a expressão é de algumas figuras do partido. Concorda com essa tese?
Houve uma intervenção judiciária que introduziu uma rutura no normal funcionamento das nossas instituições democráticas, fez interromper uma legislatura com maioria absoluta e isso deveu-se a uma motivação que parece ser de uma inconsistência total, que foi imediatamente reconhecida, apontada e sublinhada pelos magistrados judiciais. Portanto, sim, acho que essa intervenção judiciária foi uma intervenção precipitada.
Concorda com aquele manifesto que foi assinado por uma série de nomes de diversas áreas políticas e que pede um sobressalto cívico para concretização de uma reforma da justiça?
Sim, em larga medida. Creio que esse manifesto reflete preocupações sérias sobre o funcionamento do nosso sistema de Justiça. Não podemos ignorar a circunstância de, com uma frequência absolutamente anormal, o Ministério Público não consiga obter ganho de causa em relação a uma série de iniciativas judiciais com processos contra políticos e contra outras personalidades relevantes da vida pública portugueses. Essa circunstância precisa de uma avaliação, sem prejuízo da autoridade e da autonomia do Ministério Público. Mas parece-me evidente que, quando há uma tão colossal soma de derrotas do Ministério Público, chega uma altura em que é preciso parar para pensar, para ver o que é que se pode fazer para melhorar o sistema. Isso é que é relevante para a credibilidade do sistema de justiça.
“Está em curso um branqueamento da extrema-direita”
Em entrevista ao Observador, a cabeça de lista do PS às europeias reconheceu que apoios como o de Viktor Orbán ou de Giorgia Meloni poderiam representar um risco para uma candidatura, um risco de captura para uma eventual candidatura de António Costa ao Presidente do Conselho Europeu que tivesse estes dois nomes como apoiantes. Concorda com esta leitura de Marta Temido? Há um risco de captura?
Estamos a falar de coisas diferentes. O Presidente do Conselho tem que ser votado por uma maioria qualificada do Conselho. Isso implica conversar com as pessoas que estão à volta daquela mesa e construir essa maioria qualificada. Isso não se processa através de uma negociação de uma agenda política como acontece com a Comissão Europeia.
Portanto, é irrelevante quem apoia?
Não. O que estou a dizer é que o que é relevante aqui são os méritos do candidato e o reconhecimento. Não parece que a questão tenha a mesma natureza daquela que se coloca a propósito do apoio da extrema-direita a uma liderança da Comissão Europeia.
Von der Leyen assumiu esta semana a proximidade com Giorgia Meloni e disse que espera continuar a poder trabalhar com ela, se Meloni mantiver posições pro-Europa, pro-Estado de Direito e contra Putin. Isto é abrir a porta à extrema-direita?
Sem dúvida. Isso é um branqueamento e uma normalização da extrema-direita a pretexto de que há uma extrema-direita perigosa e uma extrema-direita boazinha. A verdade é que isso não é assim. Meloni é o que é. Lidera o chamado grupo dos Conservadores, que acaba de fechar acordo para a inclusão de Éric Zemmour e o seu partido de Reconquista, que é o partido radical francês mais à direita do que Le Pen, o grande defensor da teoria da grande substituição como argumento xenófobo contra a imigração, em particular, a imigração muçulmana.
Meloni não contribui para a construção da União Europeia?
Afinal, de que Europa é que estamos a falar? Para ser pró-europeu não basta não advogar a saída imediata da União Europeia. Se os conservadores, como têm feito até aqui sob a liderança de Meloni, defendem uma certa visão do projeto europeu com regresso às soberanias nacionais, com retrocesso na integração, e com uma agenda que é, pelo menos, preocupante no que respeita aos Direitos Humanos, então não estamos a falar da mesma Europa.
“O Presidente da República não está a ser coerente”
Marcelo Rebelo de Sousa tem sido muito criticado nesta fase final do mandato, em particular depois da dissolução do Parlamento. Faz uma boa avaliação do mandato do Presidente da República?
Não, infelizmente não posso fazer. O Presidente da República tem adotado um conjunto de posições, em particular aquela que se traduziu na dissolução da Assembleia da República num contexto de maioria absoluta, que são muito questionáveis. Mas, infelizmente, não é apenas isso — e isso já seria decisivo. As liberdades de linguagem e a falta de controlo das afirmações do Presidente da República, mesmo em temas muito sensíveis, não podem deixar de merecer um juízo negativo.
Mas concorda com a leitura do Presidente da República que tem pressionado para a aprovação do Orçamento de Estado para 2025 para impedir uma crise? Está a ser coerente com o que fez no passado?
Não, não está a ser coerente. Não está a ser coerente. Mas, além do mais, nós não conhecemos ainda o Orçamento para o próximo ano e, portanto, toda a discussão sobre a viabilização do Orçamento, nos termos muito concretos com que o Presidente tem colocado, parece-me, evidentemente, precipitada. E o ângulo do PRR não me parece um bom argumento, porque o Presidente dissolveu a Assembleia da República ainda bem recentemente, quando já estávamos em execução do PRR. Não pode haver dois pesos e duas medidas.
O PS não está obrigado a viabilizar este Orçamento?
O PRR não pode ser determinante quando a direita está no Governo e não ser quando é o PS.
E isso desobriga o PS de ter de votar a favor o Orçamento?
Pelo menos, esse argumento não é o argumento decisivo. Aliás, os financiamentos no âmbito do PRR não têm participação nacional. São financiamentos a 100%. São financiamentos a 100% por parte dos fundos comunitários. Não há aí uma lógica direta de ligação com o Orçamento. Com esse argumento, não. Mas, enfim, o PS avaliará a situação num momento próprio e depois de conhecer o Orçamento.
Pedro Nuno Santos disse que o PS queria ganhar estas europeias para “logo a seguir” ganhar o país. No seu entender, o resultado das europeias vai ser determinante para o futuro do Governo de Luís Montenegro?
Não estabeleceria uma relação direta entre uma coisa e outra. Acho que faz todo o sentido, no projeto de afirmação da alternativa socialista, perceber um bom resultado nas europeias como um passo importante na direção certa. Mas não creio que o resultado das europeias vá ter uma implicação imediata e inevitável na sobrevivência do Governo. As leituras nacionais seriam excessivas nessas condições.
Diz que uma eventual vitória nas europeias era um passo no sentido certo por parte do PS Uma derrota seria um recuo? Seria um risco para Pedro Nuno Santos?
Uma derrota nunca é um bom resultado para o PS, ainda para mais tendo o Partido Socialista ganho as últimas eleições europeias. Portanto, naturalmente, a expectativa do PS é poder obter uma vitória nestas eleições.
E se tal não acontecer? Como é que fica a liderança de Pedro Nuno Santos?
Bom, isso avaliaremos na altura. Nesta altura, a minha convicção é que o PS vai ganhar estas eleições. Acho que tem uma lista forte, acho que oferece aos portugueses uma visão da Europa que é aquela que mais interessa a Portugal e ao projeto europeu: uma Europa mais solidária e menos disponível para os egoísmos nacionais que bloqueiam as decisões.
extrema-direita perigosa e uma extrema-direita boazinha. A verdade é que isso não é assim"
“Recomendaria a Aguiar-Branco que olhasse para o regulamento do Parlamento Europeu”
Vamos agora ter um segundo segmento, o bloco “Carne ou Peixe”, em que só pode escolher uma de duas opções. Preferia ser colega de comentário de Sebastião Bugalho ou de Daniel Oliveira?
Daniel Oliveira.
Vamos imaginar que tinha de voltar a ser ministro da Presidência e aqui só podia escolher um primeiro-ministro: preferia ser de Pedro Nuno Santos ou de José Luís Carneiro?
Pedro Nuno Santos. É o nosso candidato a primeiro-ministro.
E nas presidenciais, preferia apoiar uma candidatura de Gouveia e Melo ou de Luís Marques Mendes?
Bom, eu aí vou ter mesmo que passar, vão-me desculpar. Não vou acreditar que as escolhas estejam tão afuniladas.
Também há tempo para encontrar um candidato à esquerda. No regresso às salas da Faculdade, quem gostaria de encontrar a assistir a uma aula sua de Direito Constitucional: Aguiar Branco ou André Ventura?
Aguiar Branco.
Precisava de aprender mais?
Bom, recomendaria a Aguiar Branco que desse uma vista de olhos nos regulamentos do Parlamento Europeu sobre a liberdade de expressão dos deputados, porque iria encontrar que lá é proibida a linguagem ofensiva. E entende-se por linguagem ofensiva aquela que seja difamatória, mas também aquela que envolva discurso de ódio ou incitamento à discriminação. Portanto, as limitações à linguagem ofensiva no Parlamento Europeu não dizem respeito apenas às ofensas dirigidas aos outros deputados.