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Portugal não integra o conjunto de países a que o, até ver, presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, se referia quando anunciou que existiam países a preparar medidas adicionais de consolidação orçamental, de acordo com Mário Centeno.

Se tal prova que o Orçamento de 2017 foi elaborado com vista a satisfazer os critérios portugueses e europeus quanto ao rigor e capacidade de alcance das metas estipuladas – e “de forma muito transparente e aberta”, segundo o ministro das Finanças –, por outro lado, não afasta totalmente a possibilidade de voltarem a ser adotadas medidas extraordinárias, como aconteceu em 2016.

Défice que nasce torto também se endireita

E se ainda muito falta percorrer até ser acertado o défice de 2017 – com ou sem medidas adicionais –, relativamente a 2016 os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) vêm publicitar a notícia já apregoada por António Costa: este é “o défice mais baixo dos últimos 42 anos”.

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O défice de 2,1% em contabilidade nacional supera as previsões da oposição, instituições internacionais e do próprio Governo, o que o torna num défice mais que perfeito, que permitirá, com segurança, encerrar o Procedimento dos Défices Excessivos iniciado em 2009 – pendente apenas da confirmação dos dados pelo Eurostat, do parecer positivo por parte de Bruxelas que indique que esta é uma redução sustentável, e da análise ao Programa Nacional de Reformas.

Fact check: o défice de 2016 é o mais baixo da história da democracia?

Pelo menos desde 1995 (data a partir da qual estão disponíveis os dados mais comparáveis do INE) que o défice orçamental português não alcançou um valor tão baixo como os 2,1% registados em 2016 – o que por si só já é uma vitória. Porém, através da análise às séries longas para a economia portuguesa do Banco de Portugal (Parte III – Contas do setor público administrativo), observa-se que esta não é a primeira vez que o valor é alcançado, tendo o mesmo sucedido apenas numa outra ocasião, a cargo do ex-ministro das Finanças Miguel Cadilhe, em 1989 – isto é, se não contarmos, claro, com o preciosismo de analisar às centésimas.

Receita fiscal à tona da água

Apesar do sucesso, a arrecadação de receita fiscal continua, em 2017, a ser o calcanhar de Aquiles do Governo de Costa e da sua “excecional execução orçamental”. A variação homóloga apresentada este mês pelo subsetor Estado continua a não ser favorável (-3%). Houve, porém, uma melhoria significativa face ao panorama apresentado em janeiro (-11%), justificada, segundo a DGO, pela dissipação de efeitos temporários que condicionaram a receita de janeiro.

Ainda assim, a receita fiscal mantém um comportamento dececionante (apenas 6.241 milhões de euros), justificado por efeitos “de natureza contabilística e relativos ao diferente perfil intra-anual das retenções na fonte em sede de IRC”. De facto, o que está a “afundar” estes números é, sem dúvida, o desempenho dos impostos diretos (-10%), particularmente o IRC (-69%). Espera-se, assim, que as justificações apresentadas – “efeitos verificados nas retenções na fonte de capitais do período homólogo (…), cujo impacto se efetivou nos primeiros meses de 2016, assim como pelo aumento (…) nos reembolsos” – sejam suficientes para que esta situação se estabilize com o decorrer da execução orçamental.

O fraco desempenho na arrecadação de impostos diretos (fortemente evidenciada desde o segundo semestre de 2016) persiste

São, assim, os impostos indiretos – ainda que com uma variação homóloga tímida de 1,1% – que continuam a amparar a queda da receita fiscal. Dentro deste grupo, apenas dois impostos apresentam variações negativas – Imposto sobre o Tabaco e ISP –, justificadas por efeitos contabilísticos que não permitem uma comparabilidade da receita nestes primeiros meses.

Segurança Social mantém condições para folga orçamental

Previamente à publicação dos dados oficiais da direção-geral do Orçamento (DGO), o ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, José Vieira da Silva, afirmou, na Comissão de Trabalho e Segurança Social, que “o Complemento Solidário para Idosos (CSI) beneficiou mais três mil pessoas entre janeiro e fevereiro”, como resultado de uma campanha de divulgação. Esta tendência de aumento do número de beneficiários é visível nos dados já oficialmente publicados, tendo sido registada uma despesa de 34 milhões de euros com esta prestação social em fevereiro (+8% face ao período homólogo).

Não obstante, dado o crescimento das contribuições nestes primeiros dois meses do ano ter sido superior ao estimado no Orçamento (4,1% em janeiro e 4,5% em fevereiro), aliado ao facto de, por norma, a despesa com prestações sociais ser consistentemente inferior ao previsto – tal como destacado na análise à execução orçamental de janeiro –, é possível esperar que a Segurança Social não se desfaça da sua folga orçamental este ano.

Destaque ainda para o facto de a significativa queda na despesa com prestações de desemprego (-10,2%), consequência da maior redução homóloga – desde que há registo – do número de desempregados inscritos nos centros de emprego (15,3%). Isoladamente tal não justifica o crescimento das contribuições na ordem dos 111 milhões de euros (face ao período homólogo), apesar da melhoria registada nos níveis de emprego.

Despesas com pessoal novamente em cheque

Contrariamente ao previsto no despacho de execução orçamental publicado no início de março, e de acordo com o presidente do Sindicato Independente dos Médicos, o Governo comprometeu-se a repor, a partir de abril, metade do pagamento das horas extraordinárias realizadas por todos os médicos, enfermeiros e administrativos em todos os serviços, independentemente da sua presença física para assegurar os serviços de urgência externa de pontos da Rede de Urgência ou unidades de cuidados intensivos. Afirmou ainda que o Governo considera a sua reposição total até ao fim do ano.

A seguir em frente esta proposta, naturalmente será imposta uma pressão adicional no controlo da despesa com pessoal, a qual sofreu uma variação homóloga de -0,8% este mês, no que à Administração Central diz respeito. Tal significa, essencialmente, que a alteração da modalidade de pagamento do subsídio de Natal, entre outros fatores, está a ser capaz de contrabalançar o efeito e pressão que a reposição total dos salários e o aumento do subsídio de alimentação representam.

Relativamente à aquisição de bens e serviços, mantém-se a tendência verificada no mês passado, com uma variação homóloga positiva na ordem dos 11% – o que não é de estranhar, dada a contenção a este nível com a aplicação das cativações como instrumento de controlo orçamental no final de 2016. Para tal contribui fortemente a despesa realizada a nível do setor da Saúde, que representa 818 dos 1.048 milhões de euros de despesa total.

Ponto de viragem na dívida dos Hospitais?

Segundo o Ministro da Saúde, 2016 foi o “ponto de viragem do SNS”. Efetivamente, o Serviço Nacional de Saúde apresentou melhorias homólogas no seu saldo (12,4 milhões de euros) e na receita total (de 3,3%).

No entanto, as boas notícias não se aplicam à dívida a fornecedores dos Hospitais EPE. A sua descida abrupta em dezembro foi apenas temporária. Continua-se a verificar um aumento dos pagamentos em atraso, e consequentemente da dívida, não só face ao mês passado (10%), como também face ao seu período homólogo (133 milhões de euros), tendo este ano a dívida começado num patamar mais elevado do que no ano anterior.

O “ponto de viragem” da dívida dos Hospitais EPE não foi na direção desejável

Retirando o efeito da dívida dos Hospitais, relativamente à restante globalidade das Administrações Públicas é de destacar a progressiva diminuição comparativa da dívida. Face a fevereiro de 2016 já foi possível registar uma queda substancial de 170 milhões de euros.

Eleições autárquicas à vista

Este ano não é indiferente ao facto de haver eleições autárquicas em outubro, provavelmente no primeiro dia do mês. Já o efeito que tal poderá ter não é tão linear.

Não se pode excluir um aumento no investimento, no contexto político pré-eleitoral. Tal não será totalmente indesejável, com o objetivo de compensar a forte quebra registada em 2016 face ao previsto (-9,1% nas autarquias), consequência do apelo do Governo para serem congelados todos os investimentos não indispensáveis no final do ano. Esse efeito, embora não possa ser direta e totalmente imputado a esta motivação, já começa a ser visível, dado o investimento da Administração Local ter registado um aumento de 30,5% face ao período homólogo.

Por outro lado, o aumento do investimento, eventualmente com objetivos eleitoralistas, poderá conduzir à deterioração do saldo da Administração Local. Contudo, tal não é ainda o caso: o saldo da Administração Local regista uma melhoria de 4 milhões de euros face a janeiro e de 65% face ao período homólogo.

De destacar ainda que o saldo da Administração Regional sofreu uma queda substancial no mês de fevereiro, alcançando valores negativos tanto na Região dos Açores (-4 milhões de euros), como na Madeira (-6,8 milhões). A Madeira mantém, não obstante, um saldo superior aos dois primeiros meses de 2016.

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Apesar de fevereiro ter registado um melhor desempenho do que o mês passado, Portugal é ainda categorizado como de “alto risco”, seja pelas agências de rating, seja pela Comissão Europeia. O Governo de Costa tem, para mais, de levar a cabo a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos – e, esperemos, não tenha de lidar com mais nenhuma Caixa [Económica Montepio Geral]. Este será o grande desafio, sendo ainda incerto o impacto que o correspondente aumento de capital irá impor ao défice.

No entanto, o reembolso da garantia no BPP, aliado ao aumento dos dividendos do Banco de Portugal (303 milhões de euros face a 2016), poderá ser uma alavanca para alcançar o défice pretendido para este ano (1,6%) – que, a verificar-se, será um défice mais que perfeito, visto o alcançado em 2016.

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joanav@ipp-jcs.org

Investigadora do Institute of Public Policy (IPP)

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