No programa “Negócios da Semana”, da SIC Notícias, o ministro do Ambiente e Transição Energética, João Pedro Matos Fernandes, foi entrevistado por José Gomes Ferreira. Confrontado com as reações negativas do mercado e dos vários representantes do sector, o governante não retirou uma vírgula ao que tinha dito sobre os carros a diesel. Pelo contrário, aproveitou para reforçar tudo o que tinha dito antes. A frase que está por detrás de toda a polémica foi esta: “Quem comprar um carro a diesel, muito provavelmente daqui a quatro ou cinco anos não vai ter grande valor na sua troca.”

Questionado quanto às implicações desta afirmação, o ministro justificou-se e defendeu-se avançando uma série de elementos que, segundo ele, corroboram o seu ponto de vista. São essas afirmações verdadeiras ou nem por isso? Têm ou não suporte? As mentiras, as verdades e as meias verdades num fact check a 10 declarações do ministro.

Os construtores automóveis não contestaram as declarações do ministro?

A frase

“Começo por dizer que esses produtores de automóveis [referindo-se à VW/Autoeuropa, PSA/Mangualde e Mitsubishi/Tramagal], não foi deles que ouvi qualquer lamúria.”

O ministro fala dos “produtores de automóveis” em termos individuais, mas não refere a posição da organização que os representa – e que veio rapidamente censurar as declarações do governante, sem que algum dos seus associados se distanciasse dessa tomada de posição. A Associação do Comércio Automóvel de Portugal (ACAP), que representa 29 mil empresas do sector e 124.000 postos de trabalho, envolvendo construtores automóveis, produzam ou não no nosso país, além do retalho automóvel, respondeu em nome de todos os seus associados: “A ACAP vem esclarecer que estas declarações podem resultar de um desejo do sr. ministro, não têm qualquer correspondência com a realidade”.

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Como confirmou ao Observador o seu secretário-geral, Hélder Pedro, “a ACAP lamenta que o senhor ministro não tenha ponderado o impacto das suas palavras na atividade das empresas do sector automóvel”. E lamentou ainda que o governante não tenha tido em conta que “a indústria automóvel é a principal indústria exportadora em Portugal e que o sector automóvel é o principal contribuinte líquido do Estado, ao ser responsável por mais de 25% do total das receitas fiscais”.

Não sendo uma “lamúria” — termo utilizado por João Matos Fernandes para caracterizar as críticas — dificilmente se poderia esperar uma contestação mais clara dos fabricantes às afirmações do ministro, através da associação que os representa. A eles e também às fábricas que produzem em Portugal.

Conclusão: Errado

A Volkswagen disse que não vai produzir carros a combustão a partir de 2026?

A frase

“A Volkswagen disse, em todas as suas fábricas, que a partir de 2026 não vai fabricar mais veículos a combustão. Nem é só a diesel”

Ricardo Tomaz, diretor de Marketing Estratégico e Relações Externas da SIVA, que controla os interesses da VW no nosso país, assegurou ao Observador que o construtor alemão não anunciou que iria deixar de produzir motores a combustão a partir de 2026. “Anunciou, isso sim, que iria apresentar em 2026 o seu último motor a combustão.” Ora este, à semelhança dos anteriores, poderá manter-se por duas décadas sem grandes problemas, o que atira o final da produção do último motor a combustão do Grupo VW para, no mínimo, 2046.

Isto acontece porque os automóveis têm, em média, seis a oito anos de vida útil, mas os motores que os servem duram muito mais — facilmente o dobro e, muitas vezes, o triplo. Veja-se, por exemplo, o caso do motor K-Type com 1.461 cc. Renault, Nissan e Mercedes montam-no nos seus veículos ainda hoje, embora ele tenha surgido pela primeira vez em 1995. Ou seja, há 24 anos. Naturalmente, o bloco tem sido alvo de contínuas melhorias, mas trata-se sempre a mesma unidade, fabricada com as mesmas ferramentas industriais, por possuir a mesma distância entre cilindros e ser maquinada nos mesmos equipamentos. E isto é determinante para os fabricantes, na medida em que construir um novo motor é muito mais caro do que produzir um novo modelo.

Conclusão: Errado

A Volvo vai acabar com os motores a gasóleo já em 2019?

A frase

“A Volvo disse que no final deste ano deixará de produzir motores a diesel”

Contactada pelo Observador, a responsável pela Comunicação e Marketing da Volvo Cars Portugal, Aira de Mello, foi pronta a negar a afirmação do ministro, remetendo para um press release divulgado pelo fabricante em Julho de 2017, onde é possível ler que “todos os Volvo produzidos a partir de 2019 vão ter um motor eléctrico, acabando com os veículos que montavam exclusivamente motores de combustão”. Para depois especificar que “os próximos Volvo recorrerão sempre a motorizações eletrificadas, sejam elas 100% eléctricas, híbridas plug-in ou mild hybrid”, sendo que estas duas últimas não só recorrem a um motor de combustão como unidade principal, como são as que representam o maior número de veículos a fabricar.

Nessa mesma nota à imprensa, a Volvo afirmava que entre 2019 e 2021 pretendia lançar três veículos 100% eléctricos. Todos os restantes recorrerão como motor principal a unidades motrizes a gasolina ou a gasóleo.

O que a Volvo prometeu foi que todos os seus modelos serão eletrificados a partir de 2019. Eletrificados não é o mesmo que elétricos, pois implica continuar a recorrer a um motor de combustão

O recurso a motorizações híbridas e híbridas plug-in – estas últimas com uma bateria pouco superior a 10 kWh para garantir uma autonomia de 50 km em modo eléctrico –, bem como algumas eléctricas, é incontornável em 2020, ano em que a esmagadora maioria dos fabricantes está obrigada a não ultrapassar os 95g de CO2 por quilómetro (o limite é estabelecido em função do número de veículos produzidos anualmente) como valor médio das emissões da gama. Tanto mais que está prevista uma penalização de 95 euros por cada grama excedido, multiplicado pelo volume total de vendas. Um problema para a Volvo, que vende mais de 600 mil veículos por ano, e ainda mais para um grupo como o da VW, que transaciona mais de 10,8 milhões de unidades.

Conclusão: Errado

O presidente da Renault não sabe o que dizer aos clientes que lhe compram carros com motores diesel?

A frase

“O presidente da Renault disse ‘Eu já não sei que diga aos meus clientes que me perguntam o que vão fazer, daqui a três ou quatro anos, com o carro a diesel que têm’”

Como o presidente da Renault, Carlos Ghosn, está preso no Japão desde 19 de Novembro e o responsável máximo da marca em Portugal, Fabrice Crevola, não é presidente, mas sim administrador-delegado, fica a dúvida acerca da pessoa a quem se refere o ministro do Ambiente quando fala em “presidente da Renault”. Tendo em conta isso, o Observador pediu um comentário ao diretor de Comunicação da Renault Portugal, Ricardo Oliveira. E o esclarecimento foi este: “Não sabemos com quem se encontrou o ministro do Ambiente e Transição Energética, nem em que condições esse encontro decorreu. Tanto quanto sabemos, essa conversa não teve como interlocutor Carlos Ghosn nem Fabrice Crevola.”

Além do mais, não são públicas quaisquer declarações da Renault que revelem algum “embaraço” em relação ao tema do diesel, com a marca francesa a assumir claramente que o mercado europeu depende muito dos motores de combustão, pelo que não é realista pensar que a Renault vá descontinuar a produção de motores a combustão num horizonte de quatro a cinco anos.

Quando ao teor da afirmação de João Matos Fernandes, Ricardo Oliveira foi perentório: “A Renault vai continuar a produzir e a vender motores diesel cada vez menos poluentes, aproveitando as tecnologias mais modernas, que não param de evoluir”. À semelhança de outros fabricantes, isso não implica que não surjam motorizações híbridas e híbridas plug-in em todas as gamas, pois só assim o construtor francês pode ambicionar respeitar o limite dos 95g de CO2.

Conclusão: Enganador

Portugal está em posição privilegiada para atrair fábricas de eléctricos?

A frase

“Portugal está numa posição privilegiadíssima para poder atrair exatamente para essas mesmas fábricas que terão as mesmas marcas de automóveis, a produção de veículos eléctricos”

Esta afirmação tem pouca sustentação em factos. A realidade é que nenhum fabricante duvida que o futuro vai ser eléctrico – não sabem é quando – e estão a investir valores elevadíssimos para que se torne realidade. Para já, em 2020, é possível respeitar o limite dos 95 g de CO2 com poucos modelos 100% eléctricos e muitos híbridos e híbridos plug-in, para as marcas que vendam grande volume de automóveis pequenos e económicos. Esta meta é facilitada pela forma como os plug-in são favorecidos pela legislação europeia, bastando comparar os consumos que anunciam cá com os dos EUA, com os valores médios a subirem de cerca de 3 l/100km para 8 l/100km.

Nestas condições, as fábricas portuguesas de veículos ligeiros, nomeadamente a da Autoeuropa e a de Mangualde – a dos camiões do Tramagal é um caso à parte –, não terão dificuldades em passar a construir as necessárias versões híbridas e plug-in. Mas, em 2030, quando o limite das emissões baixar para cerca de 60g de CO2, vai ser necessário, para um construtor generalista, produzir 30% de veículos 100% eléctricos, e até mais para as marcas com veículos maioritariamente maiores e mais pesados.

I.D. já tem prazos. Estará a Autoeuropa (a prazo) condenada?

Alterar fábricas que produzem modelos com motor de combustão para passarem a construir eléctricos, com novas plataformas, obriga a avultados investimentos, que não acontecerão sem uma forte ajuda do Estado. Quer isto dizer que quanto mais depressa os carros passem a ser alimentados exclusivamente a bateria, mais rapidamente os Governos vão ter de lidar com a perda de potencial das fábricas da VW em Palmela e da PSA em Mangualde. E também da Renault em Cacia, pois a marca francesa produz ali essencialmente caixas de velocidade (que os veículos eléctricos não usam).

Conclusão: Esticado

Ninguém contrariou aquilo que o ministro disse?

A frase

“O que estou a dizer é de facto uma evidência que ninguém contrariou [referindo-se à forte perda de valor dos veículos com motor diesel dentro de quatro a cinco anos].”

Ao contrário do que afirma João Matos Fernandes, houve várias entidades a contestar as suas afirmações. Da ACAP, que representa os fabricantes, ao ACP, que faz o mesmo em relação aos automobilistas, passando pela ANECRA, que representa os stands e as oficinas, várias entidades insurgiram-se contra o ministro, acusando-o de proferir afirmações sem suporte. Chegam mesmo a falar de “opiniões pessoais”.

Até a Associação Portuguesa de Leasing, Factoring e Renting (ALF) respondeu ao ministro do Ambiente, realçando em comunicado que “o sector do renting, enquanto principal especialista na projeção dos valores futuros dos automóveis, não tem qualquer indicação de que exista uma tendência decrescente no valor dos veículos a diesel”. A associação das empresas que dão crédito automóvel vai ainda mais longe, sublinhando que “a referida afirmação não tem assim qualquer base técnica e só pode ser entendida num contexto político desfasado da realidade do sector automóvel”.

Conclusão: Errado

Os que hoje vendem veículos com motor de combustão vão vender cada vez mais modelos eléctricos?

A frase

“Todos aqueles que vendem hoje veículos a diesel vão continuar a fazê-lo durante mais um bom par de anos, com cada vez mais veículos eléctricos e um belo dia essa transformação será feita a favor dos veículos eléctricos.”

Esta frase de João Matos Fernandes é inatacável. As marcas que hoje vendem maioritariamente carros com motores de combustão vão vender cada vez mais eléctricos e, daqui a muitos anos, se o mercado continuar neste rumo, estes veículos deverão tornar-se maioritários, sejam eles alimentados por bateria ou por célula de hidrogénio. Tendo presente que em Portugal se vende apenas 1,8% de carros elétricos e que o nosso país é o terceiro no ranking europeu, ficamos com uma ideia do longo caminho a percorrer, sendo certo que rondará 30% em 2030.

Com a esperada redução do preço da electricidade (através da microgeração associada a acumuladores estacionários domésticos), a chegada de eléctricos mais acessíveis devido ao menor custo das baterias, o incremento das autonomias e do número de postos de carga públicos, é até possível que o mercado adira mais depressa do que se espera à mobilidade eléctrica.

Conclusão: Certo

Em 2025, a Volvo só quer vender 50% dos carros que fabrica?

A frase

“A Volvo diz que em 2025 só quer vender metade dos veículos que fabrica. Quer explorar outros negócios de mobilidade nos quais nunca perde o vínculo com o próprio veículo, que é fundamental que retorne à casa-mãe, porque ao fim de cinco ou seis anos, 90% dos materiais que o compõem podem servir para fazer novos automóveis.”

O Observador perguntou à Volvo se a marca realmente disse ter esta alegada intenção de “só vender metade” dos carros que produz dentro de seis anos. E a resposta, da responsável pela Comunicação e Marketing da Volvo Cars Portugal, Aira de Mello, arrumou por completo a questão: “Não”.

A Volvo, como outros construtores, prevê que os potenciais clientes em meio urbano, crescentemente limitados pela dificuldade em entrar nas grandes cidades e aí estacionar, possam virar-se para o aluguer de veículos para uma utilização ao minuto, à hora ou ao dia, em detrimento da aquisição tradicional. Daí que grande parte dos fabricantes de automóveis estejam a desenvolver serviços de aluguer de curta duração, em que são empresas de aluguer que se tornam os clientes das marcas, em substituição dos particulares. Imaginemos a BMW e o serviço DriveNow, que conta já com 200 veículos da marca (e da Mini) em Lisboa. Se os clientes, em vez de comprarem um carro, enveredarem pelo aluguer – no caso, a 29 cêntimos por minuto –, a BMW passa a vender os seus automóveis à DriveNow. Mas dificilmente nos mesmos volumes, uma vez que os veículos particulares estão estacionados à porta de casa ou do escritório cerca de 95% do tempo.

Por outro lado, convém ter presente que os veículos têm um tempo de vida útil muito superior aos cinco ou seis anos. Basta ver que a idade média do parque automóvel, em Portugal, ronda os 13 anos. Em Espanha é de 11,4, em Itália de 10,7 — exatamente a média europeia –, sendo que é de 9,3 anos na Alemanha e 9 anos em França. Para os fabricantes de veículos mais caros, como é o caso da Volvo, os automóveis usados são vistos como uma forma alternativa e mais acessível de aceder à gama, sendo comercializados através de circuitos próprios criados para esse efeito. Como se isto não bastasse, caso um veículo vá ser abatido, as suas peças têm o mesmo valor, tenha o carro um mês ou 10 anos, uma vez que o metal é para fundir e o plástico para transformar em pó.

Conclusão: Errado

O veículo elétrico custará menos do que o a diesel ou a gasolina daqui a quatro ou cinco anos?

A frase

“Daqui a quatro ou cinco anos, um veículo eléctrico custará provavelmente menos do que custa um veículo a combustão. Aliás, já hoje, em alguns casos – como as empresas que recuperam o IVA –, a diferença é mínima logo no valor de compra. E se a isto associarmos cinco anos e 75.000 km de uso (menos para uma empresa, mais para um particular), os valores até podem pender, já hoje, favoravelmente para um automóvel eléctrico.”

Não é fácil ter a certeza sobre o que vai acontecer daqui a meia década, mas tudo indica que esta previsão do ministro não deverá andar longe da realidade. A VW comprometeu-se a vender o seu novo I.D. Neo (a confirmar-se a denominação), no princípio de 2020, por 23.000€ na Alemanha (29 mil euros em Portugal). Ou seja, o mesmo preço de um Golf a gasóleo (para chegar aos preços das versões a gasolina é necessário esperar uns anos mais), o que deixa antever vantagens ainda maiores dos veículos eléctricos dentro de cinco anos, com as baterias (a peça mais cara de um automóvel deste tipo) a serem cada vez mais baratas e eficientes.

Deloitte: eléctricos vão igualar custo de motores de combustão em 2022

Em relação aos custos de utilização, atualmente um veículo eléctrico apresenta um custo por quilómetro similar a um veículo a combustão que consuma cerca de 1 litro/100km, isto partindo do princípio que é recarregado em casa, durante o período noturno e com tarifa bi-horária. João Matos Fernandes tem, portanto, razão. Quantos mais quilómetros percorra, mais interessante se torna o automóvel 100% eléctrico, pois não só os custos com “combustível” são menores, como as operações de manutenção também. Acontece que apenas as empresas podem recuperar o IVA dos veículos eléctricos, o que torna esta solução menos atrativa (por agora) para os particulares. Mas todos estes incentivos deverão estar condenados a desaparecer assim que os preços dos veículos eléctricos baixem a ponto de se tornarem competitivos face aos motores de combustão.

Conclusão: Certo

Em 2030, 1/3 dos automóveis em Portugal vão ser eléctricos?

A frase

“De hoje até 2030, 1/3 dos automóveis ligeiros que circulam em Portugal serão automóveis eléctricos”

Muito dificilmente. O parque automóvel circulante em Portugal não anda longe dos 7 milhões de unidades, se considerarmos exclusivamente os veículos ligeiros, pelo que os 33% de eléctricos de que o ministro fala corresponderiam a 2,31 milhões de unidades sem recorrer a motores de combustão. Como o mercado consome anualmente cerca de 230 mil veículos novos e o sector não espera aumentos consideráveis para os próximos anos, é fácil perceber que é impossível que se atinjam 2,31 milhões de carros elétricos dentro de 11 anos. Isto equivaleria a vender todos os anos aproximadamente 210 mil automóveis eléctricos. Ou seja, 91,3% do total.

Se em vez de dizer “1/3 dos carros que circulam em Portugal”, João Matos Fernandes tivesse afirmado “1/3 dos carros que se vendem em Portugal”, a meta seria razoável. Isso significaria que, em 2030, o mercado nacional estaria a consumir cerca de 70.000 veículos elétricos (30% das vendas), valor muito mais plausível que os 210 mil elétricos por ano, durante 11 anos, para atingir 1/3 de elétricos no parque circulante português em 2030.

Conclusão: Enganador