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Nuno Pinto Fernandes / Global Imagens

Nuno Pinto Fernandes / Global Imagens

Depois da guerra, entra Ferro, o "conciliador"

Ferro Rodrigues volta à primeira linha do combate político, pelas mãos de Costa. Foi ministro e líder do PS e não teve uma vida fácil à frente do partido. No regresso, elogiam-lhe "a coragem".

Foi um regresso, no mínimo, surpreendente. Há dez anos, Eduardo Ferro Rodrigues deixava a vida política, agastado pelo escândalo da Casa Pia, por causa da recusa do então Presidente Jorge Sampaio em convocar eleições legislativas, dada a saída de Durão Barroso para a Comissão Europeia. Agora, volta à ribalta como líder parlamentar na reta final da legislatura, numa troca de lugares com António Costa – líder parlamentar enquanto Ferro foi secretário-geral.

O novo líder parlamentar do PS – que substitui Alberto Martins no cargo – tem uma carreira de altos, baixos e vazios. Foi ministro de Guterres, líder do PS, bateu com a porta com estrondo, deixou por uns tempos a política, foi embaixador na OCDE e era agora vice-presidente do Parlamento, depois de ter aceite candidatar-se a deputado em 2011, a convite de Sócrates, na sequência de uma campanha eleitoral em que participou de forma discreta.

“Embora não fique com rancores, tenho boa memória”, disse há pouco tempo em entrevista à Antena 1. Será esse traquejo (para o bem e para o mal) da estrada política que lhe deu o reconhecimento de muitos como “conciliador”. Sobreviveu a uma guerra fratricida entre Guterres e Sampaio e à própria onde esteve envolvido em dois anos de mandato como secretário-geral do partido e em que tentou encostar o PS mais à esquerda.

É nesse espetro político que o novo líder parlamentar do PS se encontra. Pelo menos, até 2011 defendia uma aproximação ao Bloco de Esquerda. Depois, o partido tornou-se uma “desilusão”.

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Em 2011, na campanha para as legislativas em que Passos Coelho chegou a primeiro-ministro, volta a defender acordos à esquerda, mas já introduz um “mas”. “Defendi que se devia tentar falar com a esquerda, em primeiro lugar, com o Bloco de Esquerda. Acontece que o Bloco de Esquerda foi o grande fracasso e para muita gente no PS foi uma grande desilusão. Pensou-se que o BE podia cumprir em Portugal o papel dos Verdes na Alemanha”, disse.

Por esta altura, Ferro desconfiava dos partidos à esquerda do PS. E, tal como muitos socialistas que hoje se encontram com António Costa, não perdoou o discurso de culpabilização do Governo de José Sócrates, feito tanto pela esquerda como pela direita.

Foi pela voz de Ferro que António José Seguro ouviu dos avisos mais subtis. No congresso que elegeu Seguro pela primeira vez (2011), Ferro até disse que o partido estava “unido” e admitia a circunstância difícil do recém-eleito secretário-geral, mas já deixava no caminho do novo líder o caderno de encargos. Dizia o ex- secretário-geral que o PS estava “ensanduichado” entre a esquerda e a direita que atiravam à vez à cara do partido os governos de José Sócrates como se estes fossem “os culpados de toda a crise financeira portuguesa”.

Poderia chamar-se de pré-aviso para o que Seguro estava para enfrentar. Ferro, à semelhança de outros senadores, pedia mais gás ao líder do partido contra as políticas da direita: “Já tive ocasião de dizer ao secretário-geral: estou de acordo em que temos de ser responsáveis, mas temos de ter firmeza e combatividade porque sem elas não somos oposição, somos um partido de conformismo”, disse numa entrevista ao Expresso, seis meses depois da eleição de Seguro.

Um ano depois, participava nos Congressos das Esquerdas promovidos pelo ex-Presidente da República, Mário Soares, a que Seguro não foi. Mais um sinal.

Há um ano, era uma das vozes socialistas a defender a reestruturação da dívida, uma posição ‘mais radical’ que não é partilhada com António Costa. E defendia que, para isso, era necessário um “consenso alargado”. “Portugal precisa de um consenso social e político muitíssimo mais alargado. Só com uma unidade nacional muito forte é que podemos, se possível, renegociar com a troika e, se necessário, incluir nessa renegociação alguma reestruturação dos valores e dos prazos da dívida”, defendeu nas jornadas parlamentares do partido.

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Fazer bem.

Assim mesmo, com ponto final. Ferro prometia “Fazer bem.” Em 2002, o então candidato a líder do partido tinha subido na hierarquia socialista durante o Governo de António Guterres. Era o ministro do Trabalho e Solidariedade afável que criou o rendimento mínimo garantido e foi o homem que Guterres chamou para substituir Jorge Coelho, como ministro do Equipamento Social, quando em 2001 este se demitiu na sequência da queda da Ponte Hintze Ribeiro, em Entre-os-Rios.

Ferro foi o homem chamado para dar a cara pelo governo socialista na sequência de uma das maiores tragédias do país, enquanto as televisões faziam diretos intermináveis. E foi por isso uma espécie de sucessor em continuidade.

Ferro sempre esteve ligado à ala mais à esquerda do PS. Foi fundador do Movimento da Esquerda Socialista (MES). Chegou ao PS em 1986 depois de o ter criticado quando liderava o movimento Nova Esquerda. Mas seis anos depois de chegar ao partido já fazia parte da comissão política.

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“O PS que teria sido possível construir a partir da liderança de Ferro Rodrigues não é o Partido Socialista que temos hoje – é um facto indiscutível que o posicionamento que a liderança de Ferro Rodrigues procurava para o PS na sociedade portuguesa não teve continuidade. O posicionamento que o engenheiro José Sócrates deu ao partido não foi o mesmo e, seguramente, o posicionamento que António José Seguro procura para o partido não é o mesmo”, dizia Paulo Pedroso numa entrevista à Visão publicada ainda este mês. Pedroso foi o número dois de Ferro e o homem que liderou a comissão que preparou a medida emblemática do agora líder parlamentar do partido: o rendimento mínimo garantido.

Em declarações ao Observador, o ex-ministro de Ferro que chegou a estar preso preventivamente por suspeitas de ligação ao escândalo de pedofilia da Casa Pia, elogia a “coragem” manifestada por Ferro neste regresso à primeira linha do combate político. “Acho uma excelente decisão, que permite ao PS contar com a sua experiência, fidelidade aos valores fundamentais da esquerda e realismo na ação política”, disse, acrescentando que, “da parte dele, é uma prova de coragem, um sinal de disponibilidade para servir o PS e o país num momento em que era mais confortável remeter-se à posição, que já tinha, de senador”.

As escutas

“Tou-me cagando para o segredo de justiça” – terá dito Ferro Rodrigues numa conversa com António Costa, no dia em que o então deputado e ex-ministro da Solidariedade, Paulo Pedroso, foi detido, em 2003, por suspeitas de pedofilia. As declarações de Ferro foram mais tarde divulgadas na comunicação social tal como uma série de conversas que foram escutadas pela Polícia Judiciária no decorrer deste processo. A frase serviu ao juiz Rui Teixeira para alegar eventuais perturbações no processo Casa Pia. Tudo em 2003, em pleno mandato de Ferro de secretário-geral do partido.

Dias depois, também em escutas, Ferro terá dito a António Costa que Jorge Sampaio, Presidente da República à época, já saberia da detenção de Paulo Pedroso antes desta acontecer, dando a entender que o chefe de Estado tinha informação privilegiada sobre o polémico caso de pedofilia na Casa Pia. Sampaio negou, mas a nódoa já tinha caído no pano de Ferro.

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Já com Ferro fora da liderança do PS, os alvos de divulgação de conversas foram outros. Surgiram em público excertos de conversas entre o então inspetor da Polícia Judiciária Adelino Salvado e um jornalista do “Correio da manhã” e criou-se a ideia de que a fuga de excertos de escutas telefónicas entre Ferro e Costa tinha sido o inspetor.

Na sequência da divulgação das conversas, o inspetor demitiu-se, mas não foi suficiente para Ferro Rodrigues, que tinha visto a vida política arruinada. Foi por isso que disse: “Enquanto não souber quem montou e me envolveu na miserável trama da Casa Pia não descansarei”, terá dito citado pelo JN.

"Eu já disse que este era o combate da minha vida e não desistirei dele. Quero que tudo fique completamente esclarecido" - Ferro Rodrigues (2004)

O envolvimento, pelo menos mediático, no caso Casa Pia, irritou Ferro Rodrigues. Deu-lhe amarguras para a vida e memórias que não esquece. Ferro levantava-se contra o facto de terem divulgado conversas “truncadas” entre ele e António Costa com o objetivo de mostrarem uma alegada pressão que para Ferro não existiu. “Trata-se da minha vida, da minha dignidade”, repetia à época.

“Eu já disse que este era o combate da minha vida e não desistirei dele. Quero que tudo fique completamente esclarecido”. Foi o combate da vida de Ferro. Pelo menos o pessoal.

 A zanga com Sampaio e a demissão

Associado à ala de Sampaio do PS quando o partido se dividia entre sampaístas e guterristas, manteve sempre essa forte ligação com o ex-Presidente da República e, por isso, essa relação de “respeito e amizade” fez com que ainda lhe tivesse custado mais o que Sampaio não fez em 2004.

Em maio desse ano, Ferro conseguiu um dos melhores resultados do PS nas eleições europeias, 44,5% – eleições em que António Costa foi cabeça de lista depois da morte de António Sousa Franco em plena campanha. A ala mais à direita do PS, que espreitava uma oportunidade, não viu nenhuma porta aberta com esse resultado. “Essa oportunidade [das europeias], para quem estava à espreita, foi perdida”, contou à Antena 1 numa entrevista já este ano.

Mas o partido mexia-se. Ferro estava enfraquecido também depois de todo o caso Casa Pia. “Há dez anos, se as coisas corressem mal nas eleições europeias de 2004 eu e quem me apoiava tinha a noção que estava em andamento um processo e que isso conduziria a uma crise interna e um eventual pedido de antecipação dos calendários eleitorais internos”, contou na mesma entrevista à Antena 1.

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Julho de 2004: “Tenho de admitir que sofri uma derrota pessoal e política”. Era assim que Eduardo Ferro Rodrigues se despedia de dois anos atribulados enquanto líder do PS. Foram essas as palavras que preparou à mesa do Conselho de Estado, quando as eleições legislativas lhe foram retiradas do horizonte. “Passei grande parte da reunião a tomar notas do que iria dizer mais logo no meu discurso de demissão”, contou à Antena 1, já este ano.

O dissabor foi-lhe causado por quem estava à cabeça da mesa: Jorge Sampaio que lhe causou mais que um dissabor, uma “deceção” só curada anos mais tarde. Ferro tinha ido falar com o então Presidente da República dois dias antes ao Palácio de Belém acompanhado por António José Seguro e por Carlos César para defender que à saída de Durão Barroso do cargo de primeiro-ministro para ir presidir à Comissão Europeia só poderia corresponder eleições legislativas antecipadas.

O Presidente da República não lhe fez a vontade. Aceitou a solução que o PSD lhe apresentara: Pedro Santana Lopes. Empossou o social-democrata, contra a vontade do PS que reclamava eleições que legitimassem o primeiro-ministro. Mas este Governo pouco tempo duraria. Sampaio dissolveria o Parlamento cerca de seis meses depois, no fim de 2004, invocando um “irregular funcionamento das instituições democráticas”. As eleições teriam lugar em fevereiro de 2005 e deram a vitória ao PS… que na altura já tinha como líder José Sócrates. O desencontro da ala esquerda de Ferro com a história demorou a ser digerido.

"Tenho de admitir que sofri uma derrota pessoal e política" - Ferro Rodrigues no dia 9 de julho de 2004, quando se demite de secretário-geral do PS

À época, José Sócrates já tinha os peso-pesados a apoiá-lo. Nas costas de Ferro já estava a ser preparada a sucessão, como o próprio bem sabia. Nessa altura foi Jorge Coelho a travar os ímpetos de António José Seguro, que também desejou avançar quando Ferro se demite em 2004.

Tinham sido dois anos muito longos e muitos curtos (2002-2004) na vida de um secretário-geral socialista que lhe ficaram gravados. Hoje, a relação entre Ferro e Sampaio é boa. Fizeram as pazes pouco tempo depois. “O tempo deu razão a Ferro”, explica ao Observador fonte próxima do agora líder parlamentar do PS, referindo-se ao facto de o Governo de Santana ter durado cerca de seis meses.

Quem é Gastão?

O currículo de Eduardo Ferro Rodrigues não termina com a saída de secretário-geral. Sócrates, que ganhou o partido em 2004 e que formaria Governo depois das legislativas, nomeia-o embaixador junto à OCDE e foi durante anos viver para Paris. Uma espécie de exílio político do ex-líder do partido que só regressou aos confrontos diretos mais tarde, já em 2011 como cabeça-de-lista de José Sócrates por Lisboa.

Nos anos que viveu em Paris, Ferro não dispensou a companhia do amigo de longa data.

A afabilidade de Ferro é reconhecida pelos que privam com ele. E foi com carinho na voz que numa entrevista ao Expresso falou do membro da família que também contribuía para a “diplomacia ativa”: Gastão.

Agora, Ferro terá de mostrar o peso político que tem no currículo. Será a voz de António Costa no parlamento, tal como a de Costa já foi a de Ferro há doze anos. O novo desafio deve estar, pelo menos a deixá-lo entusiasmado, a avaliar pelo que defendeu numa entrevista ao Expresso. “Há uma coisa que não volto a fazer na vida política: é fazer coisas com sacrifício pessoal e sem entusiasmo. Nem eu mereço nem as pessoas a quem estou a servir”.

 
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