O momento era de celebração – afinal, não é todos os dias que se recebe em Lisboa Isabel Díaz Ayuso, presidente da Comunidade de Madrid e estrela do PP. Carlos Moedas, no papel de anfitrião, não fez as coisas por menos e chamou para um jantar servido num palácio da autarquia da capital alguns ilustres da direita portuguesa. Por entre palavras de circunstância, não passou despercebida a forma como Moedas decidiu apresentar Luís Marques Mendes (sentado à sua esquerda) e Paulo Portas (sentado à sua direita) à espanhola: “São ambos concorrentes ao domingo”, sugeriu o autarca. O grupo de comensais, onde se incluía Luís Montenegro e Rui Moreira, por exemplo, riu com o duplo sentido das palavras de Moedas.
Há muito que à direita se diz que os mais fortes e sérios candidatos à sucessão de Marcelo Rebelo de Sousa são Paulo Portas e Luís Marques Mendes. Um ou outro (no limite, ambos) poderá apresentar-se a votos quando o momento chegar. De resto, o próprio Presidente da República não tem pudor em falar disso mesmo até quando se reúne com líderes partidários em Belém, muito porventura para testar águas da direita. O que os três certamente não ignoram é que há uma figura que, em querendo, terá via aberta para entrar na corrida: Pedro Passos Coelho.
A esta distância, e quando faltam muitos fatores a ponderar, todos os dados estão em cima da mesa. O Observador sabe que o sentimento dominante na renovada cúpula social-democrata é um: se Pedro Passos Coelho quiser avançar, terá todo o apoio do PSD.
No ciclo mais íntimo, ou em encontros informais longe dos holofotes mediáticos, o antigo primeiro-ministro vai repetindo que está afastado da vida política e que não faz qualquer tenção de regressar. Mas falta muito tempo e o país de hoje não será certamente o país de amanhã – dependendo das circunstâncias que se colocarem em 2026 (políticas, económicas, sociais), Pedro Passos Coelho poderá sentir-se impelido em avançar.
Aconteça o que acontecer, existe ainda um “longo jogo pela frente”, vai-se comentando nos bastidores do PSD. Tudo dependerá sempre da vontade de Passos Coelho, que decidirá, no seu tempo, se está ou não interessado em abraçar uma candidatura presidencial. Todos os outros terão de esperar e aceitar que o jogo está condicionado até lá.
Sendo que, num cenário nada inverosímil, pode dar-se o caso de Pedro Passos Coelho ser o Presidente da República nos últimos meses de mandato de António Costa. Ou, numa situação contemplada pelos estudos de opinião entretanto divulgados, que os dois se venham a enfrentar nas presidenciais de 2026 – com vantagem, aparente, para Passos Coelho.
Até lá, tudo pode acontecer. Para já, Paulo Portas e Marques Mendes mantêm publicamente tudo em aberto. Mas o hipotético e nunca assumido aquecimento para “Belém 2026” de ambos sofreu um revés na última semana, com duas sondagens consecutivas a apontarem como grande favorito à vitória Gouveia e Melo. E a possibilidade de um militar entrar na equação como candidato suprapartidário complica tudo, à direita e à esquerda.
O tabu do Almirante
Na recente entrevista que deu ao Observador, Gouveia e Melo teve várias oportunidades para fechar definitivamente a porta a qualquer candidatura presidencial. Podia até ter ensaiado um marcelês “nem que Cristo desça à Terra” – revogável, como se viu. Mas nem esse passo quis dar. “Logo se vê”, limitou-se a dizer o Chefe de Estado Maior da Armada (CEMA).
Para quem se define como um “xadrezista”, estas frases dão-lhe latitude suficiente para decidir o que quiser e quando quiser. As sondagens publicadas esta semana suportam o que se dizia de forma empírica: a condução do processo de vacinação contra a Covid-19 deu a Gouveia e Melo um capital político muito próprio.
O primeiro estudo de opinião divulgado, da Intercampus para CM/Jornal de Negócios, permite-se a leituras diferentes: sem António Costa na corrida, o almirante ganharia à primeira volta; sem Gouveia e Melo na disputa, o atual primeiro-ministro seria claramente o favorito. Em momento algum, a sondagem cenariza o que aconteceria se ambos medissem forças. Mais: não inclui nessas contas Pedro Passos Coelho.
O estudo da Pitagórica para a TVI e CNN Portugal dá esse passo e, mais uma vez, parece refletir a força de Gouveia e Melo: o militar goza de maior popularidade do que Pedro Passos Coelho e António Costa, o que diz muito do potencial político do almirante.
Há, no entanto, quem olhe para estas prematuras sondagens como uma presente envenenado para o atual CEMA. “Foi a pior coisa que podia acontecer a Gouveia e Melo. Agora, vai começar a levar ainda mais porrada dos militares e do PS”, comenta-se no PSD. De resto, não faltam notícias sobre as bolsas de tensão que se estão a criar no interior da Marinha, com a acumulação de alguns anti-corpos em relação à figura do almirante.
Ainda assim, ninguém ignora a força (ou, pelo menos, o potencial) de Gouveia e Melo. A partir de Belém, Marcelo já terá feito saber que está preocupado com a hipótese de o almirante entrar na corrida e o possível impacto que essa candidatura terá à direita. Pior: confirmando-se a vitória do militar, Marcelo teme o impacto que tal teria no país e até no imaginário coletivo – a entrega da chefia do Estado a um civil, com Mário Soares a suceder a Ramalho Eanes, foi também um marco no processo de democratização.
Tudo o que não seja um candidato sólido à direita poderá aumentar as hipóteses de Gouveia e Melo e entregar-lhe a vitória. No PSD, acredita-se que Passos Coelho neutralizaria a ameaça que o militar representa; não há tantas certezas sobre a capacidade de outros quadros conseguirem o mesmo. Sem essa figura agregadora à direita, e havendo uma segunda volta entre o atual CEMA e António Costa, o socialista poderia sair beneficiado.
Ao mesmo tempo, se o PS falhar em apresentar um candidato forte – e, ao dia de hoje, só Costa parece preencher esse requisito –, então a segunda volta poderia muito bem ser disputada entre o candidato da direita e Gouveia e Melo, aumentando a longa travessia no deserto dos socialistas – estão afastados de Belém desde 2006.
Aconteça o que acontecer, é altamente improvável (para não dizer impossível) que PS e PSD venham a apoiar Gouveia e Melo – que se apresenta sempre como um moderado de centro, nem de esquerda, nem de direita. Pelo menos, não o PSD de Luís Montenegro.
No passado, chegou a ser comentada a alegada afinidade entre Rui Rio e o almirante. O semanário Tal & Qual escreveu mesmo que o então líder social-democrata tinha como “sonho” ter Gouveia e Melo ao seu lado nas legislativas de 2022 e que isso só não aconteceu porque António Costa o nomeou chefe do Estado-Maior da Armada.
O relato do Tal & Qual nunca foi confirmado ou desmentido. Na altura, confrontadas pelo Observador, fontes próximas de Rui Rio não desmentiram categoricamente a tese apresentada por aquele jornal, mas atiraram tudo para o plano do diz-que-disse, desvalorizando a informação. Ao dia de hoje, é impossível saber o que teria acontecido se a sequência de eventos tivesse sido outra.
Rio fora e uma surpresa chamada Barroso
Estas sondagens, em particular a da CNN Portugal, trazem outro indicador interessante: apesar dos anos de exposição pública num espaço nobre de comentário televisivo, Paulo Portas e Luís Marques Mendes (por esta ordem) estão longe de serem os favoritos dos inquiridos mesmo à direita — para não falar do evidente favoritismo de Passos Coelho.
De resto, além de surgirem bem longe do antigo primeiro-ministro, os dois são ultrapassados por Rui Rio (que acabou de averbar mais uma pesada derrota em legislativas e que já se despediu da primeira linha do combate político) e por uma figura que está relativamente afastada dos holofotes há quase uma década: José Manuel Durão Barroso.
Se Rui Rio já fez saber que pretende dar por terminado o seu percurso político, Barroso nunca manifestou vontade de suceder a Marcelo Rebelo de Sousa. Em 2015, antes mesmo de Marcelo anunciar a candidatura, o antigo primeiro-ministro disse apenas que não tinha interesse em entrar ‘naquelas’ presidenciais. Daí para cá, no entanto, a hipótese foi desaparecendo gradualmente dos sempre animados e criativos corredores políticos.
No PSD, aliás, há quem argumente que, apesar de gozar aparentemente de uma surpreendente popularidade dado o tempo que já passou e a ausência de intervenções políticas permanentes, a verdade é que o antigo primeiro-ministro teria muitas dificuldades em fazer uma campanha vencedora porque a oposição nunca hesitaria em lembrar que deixou o país para abraçar o cargo de presidente da Comissão Europeia. Seria, a este nível, uma candidatura difícil.
O caminho de Mendes
Condições diferentes tem Luís Marques Mendes. O antigo líder social-democrata nunca afastou por completo uma eventual candidatura presidencial. Ainda recentemente, em entrevista ao Observador, deixou uma frase lapidar: “Ser Presidente é um objetivo que muitas pessoas me apontam e eu fico sensibilizado” – uma ideia que já tinha deixado no podcast conduzido por Francisco Pinto Balsemão, no Expresso.
Ora, apesar de existir um sonho de verão chamado Pedro Passos Coelho, a nova direção do PSD deu todos os sinais de que abençoará uma candidatura de Marques Mendes caso esta se venha a concretizar. No Congresso de entronização de Luís Montenegro, o comentador foi ovacionado à entrada e teve direito a sentar-se ao lado do novo líder social-democrata, na fila da frente. O sinal político foi evidente e dado de forma consciente: num cenário em que Passos Coelho decida não avançar com qualquer candidatura, Luís Marques Mendes é o preferido da atual direção social-democrata para avançar e terá todo o conforto do partido para gerir essa candidatura.
Aliás, é conhecida a relação de cumplicidade entre Montenegro e Mendes: ainda um jovem relativamente desconhecido do PSD/Espinho, Montenegro divertiu-se em 2002 a fazer campanha ao lado de Mendes, então um paraquedista em Aveiro que ninguém no PSD regional via com bons olhos – mais tarde, apoiaria Luís Filipe Menezes numas diretas fratricidas, mas a relação entre ambos sobreviveu à disputa interna.
Não deixa de ser vista como uma curiosidade relevante (mais uma) o facto de Marques Mendes ter decidido ajudar na organização das “Conferências de Fafe”, iniciativa da autarquia da terra natal do comentador (socialista) e que já contou com as presenças de Ramalho Eanes e de João Soares, para homenagear o percurso do pai, Mário Soares, e que terá ainda como convidados Artur Santos Silva, que refletirá sobre o legado de Jorge Sampaio, Aníbal Cavaco Silva e Marcelo Rebelo de Sousa, sob o mote de discutir “os desafios do sistema democrático”.
O caminho presidenciável, mesmo que não assumido, continua, portanto, repleto de potencialidades. E mesmo as sondagens publicadas, não sendo estrondosas, devem ser lidas com cautela: são pensadas num cenário de grande oferta de candidaturas à direita, onde, além de Rio, Barroso, Rui Moreira e Pedro Santana Lopes, os inquiridos são desafiados a dizer se votariam em André Ventura e em Tiago Mayan Gonçalves. Se, na altura, a disputa for apenas entre um candidato da área do PSD e outro da área do PS, a popularidade de Mendes pode disparar.
O espaço de Portas
Este quadro – Passos grande favorito, Mendes confortado pela atual direção –, torna mais exíguo o espaço político de Paulo Portas. Não que o democrata-cristão tenha alguma vez assumido qualquer ambição presidencial. Na entrevista que concedeu a Maria João Avillez, o antigo vice-primeiro-ministro limitou-se a dizer que este não era o tempo de alimentar hipotéticas candidaturas. “Essa parte fica para depois…”, despachou.
Depois dessa entrevista, e em várias ocasiões, a jornalista nunca deixou de dizer que tinha ficado totalmente “convencida” de que Paulo Portas está mesmo com vontade de entrar na disputa pela sucessão de Marcelo Rebelo de Sousa – a quem o antigo líder do CDS, aliás, não poupou rasgados elogios.
No entanto, a esta distância, o antigo líder do CDS parece ter um teórico handicap: com um CDS moribundo, falta-lhe partido e máquina eleitoral. A confirmar-se o comprometimento do PSD com uma eventual candidatura de Marques Mendes, o caminho de Paulo Portas não seria tão óbvio, ainda que não faltem vozes no partido a elogiarem abertamente o antigo número dois do governo de Pedro Passos Coelho.
A começar, de resto, pelo próprio Luís Montenegro. Ainda antes das diretas, em plena campanha eleitoral interna, o agora novo líder social-democrata assumiu em entrevista ao Observador que não excluiria apoiar uma eventual candidatura de Paulo Portas se na altura fizesse sentido. “Faço um juízo muito positivo da sua capacidade política, intelectual e de intervenção”, disse.
Montenegro nem sequer é o único na atual direção do PSD a assumir o respeito por Portas. Em abril, muito antes de saber que se tornaria vice-presidente social-democrata, Miguel Pinto Luz assumiu o mesmo. “Se o CDS tiver um protagonista melhor colocado, valores mais altos se levantam e o PSD tem de perceber isso. No passado, o PSD apoiou a candidatura de Freitas do Amaral e ganhou a primeira volta.”
Espaço e reconhecimento do valor de Portas existem, naturalmente. Mas será muito difícil convencer um partido como o PSD a apoiar Portas existindo um candidato com chancela social-democrata – Luís Marques Mendes, no caso. Não sendo de excluir que Portas avance mesmo com o social-democrata como concorrente à direita, inexistência de uma verdadeira vaga de fundo que agregasse toda a direita moderada, por exemplo, torna, em teoria, menos sedutora uma possível corrida presidencial para Paulo Portas.
O grande dilema de Costa
Se há direita brotam possíveis candidatos presidenciais como cogumelos – e é preciso saber o que farão Chega e Iniciativa Liberal em qualquer um dos cenários – no espaço socialista, o cenário não é tão famoso. Nos bastidores do PS, há quem discuta, como hipóteses quase académicas, as eventuais candidaturas de Fernando Medina, Francisco Assis ou mesmo de António Guterres (que termina o mandato na ONU em 2025), soluções teóricas muito pouco consubstanciadas pelos factos e que não passam, para já, de conversas de corredor.
Ou seja, além do nome socialista apontado com maior insistência para o cargo, Augusto Santos Silva – que tem, de acordo com a sondagem da CNN, taxas de aprovação muito tímidas –, não existem, ao dia de hoje, figuras em condições evidentes de protagonizarem candidaturas com condições sólidas de vitória. E isso deixa um dilema a António Costa e ao PS.
O líder socialista já disse com todas as letras que jamais será candidato à sucessão de Marcelo Rebelo de Sousa e que não julga ter perfil para o cargo. Mais a mais, qualquer candidatura presidencial de Costa implicaria que deixasse antecipadamente o cargo de primeiro-ministro para entrar na corrida presidencial, uma hipótese muito improvável com os dados que hoje existem em cima da mesa.
Acontece que se perder as próximas eleições presidenciais, o PS arrisca-se a ficar mais de 30 anos sem meter um pé no Palácio de Belém. Nessa altura, ainda para mais se Gouveia e Melo decidir de facto entrar na contenda, a pressão para que os socialistas encontrem um candidato forte vai ser enorme e nada garante que um apelo emocional do partido não convença Costa a mudar de ideias.
Resta saber se, até lá, os índices de popularidade do atual primeiro-ministro se mantêm. Em janeiro de 1996, poucos meses depois de deixar o cargo de primeiro-ministro, Aníbal Cavaco Silva tentou isso mesmo e acabou derrotado por Jorge Sampaio. Nada garante que a história não se repita caso António Costa decida seguir-lhe o exemplo – ele que, se completar o mandato, vai destronar Cavaco como primeiro-ministro mais duradouro da democracia.
Recentemente, de resto, Cavaco Silva desafiou António Costa a “fazer mais e melhor” do que ele próprio agora que tem uma maioria absoluta nas mãos. Em 2026, o desafio poderia ser outro: conseguiria Costa ser bem sucedido onde Cavaco falhou?