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BAFTA/Sophia Spring

BAFTA/Sophia Spring

Jack Rooke, o prodígio da televisão que criou "Big Boys": "O que é doloroso pode ser incrivelmente divertido"

Duas temporadas, doze episódios com pouco mais de vinte minutos cada um. É das melhores (e mais honestas) séries da atualidade e está disponível na FilmIn. Falámos com o humorista que a criou.

Nas entrevistas com Jack Rooke tem sido tema facilidade com que se começa uma conversa. Com gente da indústria televisiva ou cinematográfica, tal habilidade costuma dever-se a preparação e treino. Neste caso, percebe-se que não: Jack gosta de falar, é naturalmente bom comunicador e o tom de voz indica que ainda não acredita no que lhe está a acontecer: Big Boys é uma das melhores séries dos últimos tempos e é obra deste inglês.

As duas primeiras temporadas chegaram recentemente a Portugal via Filmin. Estreou-se timidamente em 2022 e, aos poucos, foi conquistando a audiência britânica. Em 2024, está a chegar ao resto do mundo. A segunda temporada — que se estreou no Reino Unido no início deste ano —, tem acumulado prémios locais, o mais importante o BAFTA para Melhor Argumentista de Comédia. Essa vitória foi conseguida, em parte, graças ao último episódio da segunda temporada: um exercício de catarse, coragem e de como saber fechar um capítulo na vida.

Foi esse momento que nos puxou a ter uma conversa com Jack Rooke, o criador de Big Boys. Também o narrador da série e, em primeira instância, a pessoa em quem a história se inspira. O protagonista, Jack (Dylan Llewellyn), está num processo de luto desde os quinze anos, quando o pai faleceu, e, em simultâneo, está a descobrir a sexualidade e a entrar na universidade. Tal como Fleabag, de Phoebe Waller-Bridge, e o cometa deste ano, Baby Reindeer, Big Boys nasceu em palco, numa performance de comédia que Rooke criou a partir de escritos sobre a morte do pai e o processo de luto.

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É assim que entramos na vida de Jack Rooke — ou pelo menos é essa a grande ilusão da série, convencer-nos de que estamos a ver a intimidade do criador. Depois acontece o golpe, a série vira-se para Danny, colega de quarto de Jack. E, sem nunca deixar de ser autobiográfico, Rooke aumenta a dimensão da série e torna-a num belíssimo tratado sobre a experiência de viver, falando com o mesmo carinho sobre jovens de vinte e picos, como de senhoras de oitenta anos.

Está, neste momento, a filmar a terceira temporada de Big Boys. Já foi convidado para fazer uma peça em conjunto com Phoebe Waller-Bridge; Russell T Davies foi uma espécie de padrinho — sem cunha — no início da carreira. Paralelamente, os trinta anos de Rooke dizem-nos que não viveu a loucura da década de 1990 no Reino Unido e conheceu um país bem diferente que lhe tem dado músculo e calo para, voluntária ou involuntariamente, escrever alguma da melhor ficção audiovisual britânica da memória recente. Faz parte de uma geração que sabe falar dos problemas das pessoas comuns, porque os viveu e continua a vivê-los.

[o trailer de “Big Boys”:]

Parece bem disposto. Por alguma razão especial?
Estou muito bem, sim. Estou muito feliz por Big Boys se ter estreado em Portugal. Passei parte da minha juventude aí, os meus pais viveram em Portugal por uns tempos.

A sério, onde?
Armação de Pêra. As minhas memórias mais antigas são em Portugal. O meu pai era aquele tipo de britânico que odiava ver outros britânicos durante as férias, por isso íamos sempre a restaurantes fora das ruas populares, só com locais.  Quando tinha seis anos falava fluentemente português. Agora não me lembro muito… “fala inglês”? Mas sim, tenho alguma afinidade com Portugal. Voltei aí em setembro com a minha mãe. Foi muito bom voltar com ela, visitar Albufeira, a antiga cidade… estou mesmo feliz por Big Boys ter chegado aí. Foi só a primeira temporada?

Já se estrearam as duas. Aliás, ao terminar a segunda temporada, sentiu que seria uma espécie de fechar de capítulo na sua vida?
Acho que sim… comecei a escrever aos 15/16 anos, o meu pai tinha acabado de morrer. Mantive um diário no meu portátil — para a minha geração, os diários em papel já não existem, toda a gente naquela altura já tinha um computador. Bom… tinha um documento no meu portátil que era o meu diário, onde escrevia sobre as coisas que aconteciam — depois da morte do meu pai — e que me faziam rir. Aqueles momentos estranhos do luto que reafirmam a vida. Quando tinha 19/20 anos, comecei a usar muito desse material nas minhas performances e, depois, voltei a usá-lo quando escrevi Big Boys. Agora tenho trinta, por isso, foram cerca de doze anos da minha vida a escrever sobre a morte do meu pai como profissão. Senti que era o momento de me despedir. Adorei escrever um episódio com vida e morte lado a lado. Coexistem tanto… aqueles momentos de verdadeira alegria, de uma nova vida a chegar ao mundo, e depois lembrar-me daquela vida que não está aqui para a ver. Para mim, era importante mostrar a vida e morte lado-a-lado. Mas tenho de tirar o chapéu ao Jim Archer [realizador], ele leu o argumento e foi ótimo a apanhar esse registo, a garantir de que fazia sentido. A escrita está visualmente presente na série. Estou mesmo orgulhoso.

Big Boys é uma comédia e eu queria que as pessoas se rissem. Queria que as pessoas sentissem que aquelas coisas são experiências da vida. E, por vezes, aquilo que é muito doloroso pode ser incrivelmente divertido. E é bom celebrar isso. O último episódio da segunda temporada foi o que enviámos para os prémios [risos] e ganhámos todos [ri-se ainda mais]. O meu lado narcisístico não para de regozijar.

"É fantástico ter o apoio de outros escritores, sobretudo de gente como a Phoebe ou o Russell T Davies. Contudo, preocupo-me mais com o que o público acha. Sou comediante, se os outros comediantes gostarem do que faço, fixe, mas quero é que público goste."

Por falar em finais de temporada, também já tinha visto o final da primeira no Gogglebox [programa do Channel 4 britânico] e isso não me afetou a experiência.
A cena do coming out?

Sim. E uma das razões porque acho que não afetou a experiência é porque, a dado momento, a série deixa de ser sobre o Jack e passa a ser sobre o Danny [colega de quarto de Jack na série]. Conheceu um Danny na vida real?
No Reino Unido há muita televisão que agora é escrita do ponto de vista autobiográfico. E acho que grande parte é muito autoindulgente e não têm bem a noção. Não vou dizer nomes, mas queria que em Big Boys se sentisse que estaamos a ver uma história autobiográfica e, depois, fosse na verdade sobre outra pessoa. Pensamos que vai ser sobre o Jack, mas a certa altura transforma-se numa série sobre o Danny e as suas experiências. É algo que gosto muito em Big Boys. Porque é muito fácil dizer que é uma série LGBT mas, para mim, não é, porque o Danny é muito masculino, muito “gajo”, e torna-se o centro da série. E a partir daí, Big Boys começa a celebrar os seus altos e baixos, da mesma forma que faz com o Jack. Essa foi a minha experiência na universidade, o Danny é inspirado em três ou quatro amigos. Todos eles passaram por cenas, coisas muito difíceis, de saúde mental. E passámos por isso juntos, ajudámo-nos uns aos outros. Queria muito que Big Boys celebrasse isso.

Fá-lo de uma forma nada egoísta, aliás, altruísta. A partir do terceiro episódio transforma-nos como audiência.
Queria partilhar a minha história de forma a atingir o maior número de pessoas. Que as pessoas se pudessem sentir próximas quer do Jack ou do Danny, independentemente de serem gays, heterossexuais, académicos ou não. Todos nos conseguimos relacionar com alguém com quem nos preocupamos, um amigo, um familiar. Ter um amigo que estamos a tentar ajudar a aceitar-se como é, ou aceitar algo sobre a sua personalidade. As temáticas em volta do Jack e do Danny, da sua amizade, são universais, para lá da sexualidade, do género ou do passado. Eles escolheram ser amigos e ajudarem-se. Todos tivemos essa experiência. Gosto que isso esteja a ser percebido assim para lá do Reino Unido. Um dos meus medos era que as referências de Big Boys fossem muito britânicas e isso, de alguma forma, pudesse alienar a audiência internacional. A preocupação que o Jack e o Danny têm um pelo outro é universal, as pessoas encontram alguma felicidade aí, conectam-se com isso, sem a necessidade de terem passado pelo mesmo tipo de experiências, muito britânicas.

No início fica também a impressão que vai ser uma série sobre universitários. E depois não é. Sente que está sempre a romper com os códigos?
[risos] Estou muito contente com essa interpretação. É como digo, estou feliz que vá para lá das referências britânicas…

Por falar nisso, está em Malta. A terceira temporada vai ter o momento típico de vermos britânicos no estrangeiro?
É um segredo… o que posso dizer é que a terceira temporada vai ser mais ambiciosa, quero que a história de cada personagem se faça sentir como algo maior.

Falou há pouco de aos 18, 19 anos ter começado na comédia. Isso fará parte de uma temporada futura?
Talvez… o Jack e Danny estão a estudar jornalismo, à medida que a série avança ficará percetível como querem e o que querem escrever. A próxima temporada será também sobre as ambições de carreira deles e quem eles querem ser.

Jack Rooke: "'Big Boys'é um reflexo da vida real, vejo a dor e a alegria lado-a-lado. A comédia aquece o coração, mas também pode parti-lo"

Já mostrou surpresa e felicidade por ter público fora do Reino Unido. Mas que público britânico é o desta série? Há muitos jovens a ver Big Boys?
É diversa, há muitos jovens rapazes que se identificam com a história do Danny. Há muitos jovens e pessoas LGBT mais velhas que se identificam com a história do Jack. Há também pessoas que foram viúvas novas, que perderam os companheiros quando tinham 40, 50 ou 60 anos e relacionam-se com a história da Peggy [a mãe de Jack na série], sobre o que é ser uma mãe e educar um adolescente sem um pai. Mas uma das minhas coisas favoritas é como muita gente se relacionada com a avó, a Nanny Bingo. A atriz que a interpreta [Annette Badland] é fabulosa no final da segunda temporada, quando ela está ao lado do pai do Jack, que está a morrer numa cama do hospital. As pessoas identificam-se com essa experiência. A performance de comédia que levei ao Festival Fringe em Edimburgo [a primeira de Jack Rooke] foi escrita com a minha avó. Porque queria que a experiência do que é perder o pai aos quinze estivesse lado-a-lado com a dela de perder um filho aos oitenta. Ambos sentíamo-nos invisíveis, as pessoas tratavam-nos da mesma forma, não sabiam o que nos dizer: um pai nunca deve perder um filho e um filho nunca deve perder um pai, etc. Gosto que os mais velhos vejam Big Boys, apesar de haver muito sexo, drogas e demasiado comportamento jovem por lá. Gosto que vejam para lá disso, que vejam a série pelo luto, pela entreajuda.

Uma mãe perder um filho é algo que nunca se pensa — ou fala — de uma mulher de oitenta anos.
É importante ver a dor através dos olhos dela, porque acho que a dor é igualmente pesada e relevante. E podemos aprender muito com os mais velhos sobre como ultrapassar estes momentos na vida. Penso que é bom escrever sobre uma velhota que é muito estoica e tradicional e, em simultâneo, é carinhosa e protetora.  São qualidade importante de se celebrar.

Viu a série Such Brave Girls?
Sim!

Podemos falar num novo tipo de ficção social britânica criada por uma nova geração? Sente-se parte disso?
Há uma geração nova de argumentistas que está a surgir na comédia britânica. Muito do talento britânico encontra as primeiras oportunidades na comédia. Por exemplo, alguém como o Jesse Armstrong [criador de Succession]… ele começou a escrever em séries como The Peep Show, a comédia é um ótimo veículo para o comentário social. Mas… Continuo a ver-me como um comediante, sobretudo, muito mais do que um escritor. O meu passado está mais próximo de algo como Fleabag ou Baby Reindeer, porque são séries que nasceram em palco, como a minha. Gosto muito da comédia em palco britânica. E estou muito confiante que haja uma mudança com o novo governo, que este tipo de performance seja levada mais a sério e que tenha mais apoios.

Já que chegámos aqui: na sua vida adulta só houve governos conservadores. Como se sente com esta mudança?
No Reino Unido é difícil ficar entusiasmado com a política, será que as coisas alguma vez irão melhorar? As pessoas estão a exigir mudança e equidade e isso é ótimo… porque muita gente deixou de ser da classe média e voltou a ser da classe trabalhadora, seja por causa da austeridade ou dos maus lençóis em que a Inglaterra se meteu. As pessoas querem melhor serviço público e melhor cultura, coisas que são importantes para ter uma sociedade saudável. Espero que o Partido Trabalhista leve isso mais a sério.

"A comédia é o melhor veículo para falar das coisas estranhas ou sobre as quais temos vergonha ou dificuldade em confrontar. Permite-me ter uma conversa honesta e destruir todas as barreiras. Queria que essa fosse a verdade de Big Boys."

Há uns tempos dizia no jornal The Guardian que muita gente da indústria o tem ajudado. Falava do interesse de Phoebe Waller-Bridge em escrever uma peça consigo…
Eu sei, esse artigo fez-me soar com um grande name dropper

Pareceram-me aproximações interessantes. De que forma é que elas o estão a ajudar?
É fantástico ter o apoio de outros escritores, sobretudo de gente como a Phoebe ou o Russell T Davies. Sou um grande admirador de ambos. Isso deu um grande empurrão na minha autoestima. Faz-me sentir que estou a fazer as coisas certas. Contudo, preocupo-me mais com o que o público acha. Sou comediante, se os outros comediantes gostarem do que faço, fixe, mas quero é que público goste.

Foi ótimo para a minha autoestima, são pessoas que estimo. O Russell é a pessoa mais simpática que existe na televisão. É bondoso, justo, está do nosso lado. Ele quer que toda a gente tenha sucesso. Ele tornou a indústria para escritores gay, como eu, muito melhor. Sou produtor-executivo de Big Boys desde o início e, parte disso, deve-se ao Russell, pela pressão que fez para que as pessoas da comunidade LGBT pudessem produzir o seu trabalho e fazer parte das grandes decisões, tendo assim mais influência nas histórias queer que iriam ser contadas. Estou-lhe eternamente grato. Ele não só é um escritor brilhante, como potenciou um ambiente para que os outros pudessem trabalhar muito melhor.

No meio de tudo isto, como é que a comédia o ajudou a ultrapassar a morte do seu pai?
A comédia é o melhor veículo para falar das coisas estranhas ou sobre as quais temos vergonha ou dificuldade em confrontar. Permite-me ter uma conversa honesta e destruir todas as barreiras. Para mim, é um reflexo da vida real, vejo a dor e a alegria lado-a-lado. A comédia aquece o coração, mas também pode parti-lo. Queria que essa fosse a verdade de Big Boys.

 
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