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MÁRIO CRUZ/LUSA

MÁRIO CRUZ/LUSA

Más condições no público? Melhores salários no privado? Porque faltam anestesistas no SNS?

Encerram maternidades e paralisam blocos operatórios quando não estão. Os casos são cada vez mais frequentes. O problema estará na saída para os privados, mas há poucos incentivos para ficar no SNS.

Dezembro de 2018: urgências da Maternidade Alfredo da Costa (MAC), em Lisboa, encerram por falta de anestesistas. Maio de 2019: greve dos anestesistas do Hospital Amadora-Sintra. Junho de 2019: um fim de semana sem anestesistas no Hospital Pulido Valente, em Lisboa. Julho de 2019: MAC suspende cirurgias por falta de anestesistas. Setembro de 2019: urgências da MAC condicionadas por falta de anestesistas.

Estas são algumas das mais recentes notícias sobre a falta de anestesistas no Sistema Nacional de Saúde (SNS), mas o problema arrasta-se há vários anos e parece que ninguém consegue resolvê-lo. Porquê?

O Observador falou com vários médicos da especialidade e especialistas em Economia da Saúde para perceber onde está o problema: formam-se poucos anestesistas em Portugal ou simplesmente não são contratados pelo Estado? Procurámos saber ainda quantos anestesistas — o nome mais usado, até pelos próprios, ainda que o correto seja anestesiologias — há no país e qual o peso do setor privado nesta questão. E ainda se sai mais barato (ou mais caro) fazer um contrato a um anestesista ou recorrer a prestadores de serviços.

Quantos anestesistas há em Portugal?

O Relatório Social do Ministério da Saúde (MS) e do Serviço Nacional de Saúde (SNS) de 2018 diz que, no ano passado, havia 1.087 anestesistas especialistas no Setor Público Administrativo (SPA) e nas Entidades Públicas Empresariais (EPE) do SNS. Este documento, no entanto, não dá conta do número de médicos a trabalhar nas Parcerias Público-Privadas (PPP).

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Já o estudo da Ordem dos Médicos (OM) “Censos 2017: Existe Número Suficiente de Anestesiologistas em Portugal?” refere que, em 2016, havia 1.280 anestesistas a trabalhar no SNS, dos quais 1.158 estavam nos quadros médicos dos serviços de Anestesiologia, 76 eram autónomos dos serviços e estariam maioritariamente nas unidades de cuidados intensivos ou nas unidades de Dor Crónica e os restantes 46 estavam à espera de colocação. Contavam-se ainda 363 internos de formação específica e 262 anestesistas a trabalhar exclusivamente para hospitais privados.

Ainda assim, Mário Amorim Lopes, docente na Universidade do Porto e especialista em Economia da Saúde, sublinha que é difícil perceber quantos médicos há em Portugal e lembra que a própria OCDE refere isso. No seu ensaio “Portugal tem médicos a mais ou a menos? As contas que falta fazer“, o especialista explica que a OCDE fala numa inflação de cerca de 30% relativamente ao número de médicos em Portugal, porque a organização faz as contas com o número de médicos inscritos da Ordem dos Médicos e estes podem não estar atualizados — as listas da OM podem ter, por exemplo, médicos que, entretanto, emigraram ou já não exercem. E, sem se saber exatamente quantos médicos trabalham no país, é igualmente impossível ter essa certeza quanto aos anestesistas. Haverá, pelo menos, um dado certo: os 1.280 registados pela Ordem em 2016 representam um aumento face a 2014, altura em que a OM fez um estudo semelhante.

Os anestesistas são cada vez mais procurados nos hospitais?

Não há dúvidas de que os anestesistas são cada vez mais requisitados, não só devido à evolução da especialidade mas também por causa das características da população. Mário Amorim Lopes descreve um aumento da procura, tendo em conta as necessidades da população e relacionada com vários fatores. O especialista fala em “fatores de risco” — como, por exemplo, um estilo de vida sedentário, uma má dieta nutricional, o consumo de álcool, fumar, etc. — e lembra que o “envelhecimento da população” traz, consequentemente, “doenças crónicas e co-morbilidade”. Ou seja, “como as pessoas vivem mais anos e já não morrem de doenças infetocontagiosas, contraem outras doenças, como cancros e outras doenças crónicas”, o que implica mais cuidados de saúde. “[Como] têm sido feitas mais cirurgias, então são necessários anestesistas”, refere o docente.

Ângela Rodrigues, anestesista no Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca (Hospital Amadora-Sintra) e dirigente do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), sublinha a evolução da especialidade. “Nos últimos 20 anos, a Anestesiologia evoluiu muito e há vários procedimentos em que, atualmente, é necessária a presença de um anestesista“, explica a especialista. Por exemplo, se, há uns anos, exames como endoscopias e colonoscopias eram feitos sem recurso a anestesia, hoje em dia são poucas as pessoas que os fazem sem sedação. “Qualquer utente quer fazer um exame mais confortável e sem dor”, acrescenta. Mas, para que isso aconteça, é preciso um anestesista. O mesmo se passa quando é necessário fazer exames de imagem, como ressonâncias magnéticas ou TACs, a crianças. São exames que implicam que o doente esteja sem se mexer e, muitas vezes, não é possível fazê-lo sem recorrer à ajuda do serviço de Anestesiologia.

"Nos últimos 20 anos, a Anestesiologia evoluiu muito e há vários procedimentos em que, atualmente, é necessária a presença de um anestesista."
Ângela Rodrigues, anestesista do Hospital Amadora-Sintra

Também Ricardo (nome fictício), anestesista que exerce a sua atividade no setor público e no setor privado, destaca que os anestesistas são “recrutados para muito mais postos de trabalho”. “O crescimento do número de especialistas em Anestesiologia não acompanhou o crescimento da especialidade”, considera o anestesista, acrescentando que, antigamente, não só a presença de um anestesista não era tão requerida, como, atualmente, fazem-se muito mais procedimentos. “Há uns anos, por exemplo, não havia programa de rastreio do SNS e agora há.”

Em síntese, não só Portugal tem uma população a precisar de maiores cuidados, como, nos dias que correm, a presença de um anestesista é necessária não só num bloco operatório, mas também para vários exames nas mais diferentes especialidades. E isto acontece tanto no SNS como nos privados.

Há poucos anestesistas no SNS?

Vários diretores dos serviços de Anestesiologia, como refere o estudo da Ordem dos Médicos de 2017, avançaram que faltavam 541 anestesiologistas no SNS, um número que só deverá ser reduzido “em cerca de dois terços em 2023” graças aos 363 internos em formação. Uma situação que os diretores de serviço tentam “colmatar” recorrendo a “horas extraordinárias”, “contratação de Anestesiologistas tarefeiros” e até “encerrando postos de trabalho”.

Em termos de rácio, os 1.280 anestesistas contabilizados em 2016 a trabalhar no SNS equivalem a um rácio de 12,4 por 100 mil habitantes. Se contarmos também com os especialistas que estão exclusivamente no privado, estamos a falar de um rácio 15,1. Em qualquer um dos casos, o número fica abaixo dos 17,9 aconselhados para Portugal pela Federação Mundial de Sociedades de Anestesiologistas.

“Se olharmos para a Europa, temos um rácio de anestesistas superior ao do Reino Unido, ao de França e semelhante ao de Espanha”, contrapõe Paulo Lemos, presidente do Colégio da Especialidade de Anestesiologia. Os países europeus com maior rácio são Áustria (39,3) e Alemanha (31,0).

Será, então, que se estão a formar poucos médicos em Portugal? O número de vagas para jovens médicos se especializarem em Anestesiologia tem vindo a aumentar nos últimos anos. Segundo dados da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), em 2018 abriram 78 vagas e nos dois anos anteriores foram 80, mas, se olharmos para os anos anteriores, a tendência é de crescimento: em 2015 abriram 70, em 2014 foram 64 e em 2013 apenas 51.

O número de vagas de Anestesiologia é bastante confortável, comparativamente a outras especialidades. É das especialidades com maior número de vagas”, acrescenta Mário Amorim Lopes, lembrando que “aumentar as vagas hoje só surte efeito daqui a uns anos”.

Todas as vagas para entrar na especialidade têm sido preenchidas — aliás, nos últimos dez anos, não ficou uma única vaga por preencher –, mas é necessário ter em conta que são precisos cinco anos para formar um anestesista. Ou seja, os recém-especialistas que começaram o internato em janeiro de 2014 só o concluíram em dezembro de 2018.

Ricardo não acha que se estejam a formar poucos anestesistas: “Nunca se formaram tantos anestesistas”. Aliás, o especialista considera que se está “no limite da capacidade“. “Os hospitais têm uma dimensão finita. Em termos cirúrgicos, os hospitais funcionam das 8h às 20h e não se pode formar sem espaço. Eu, quando estou 12h no bloco operatório, só tenho um interno comigo. Isto não são aulas, como uma faculdade, e as salas de bloco não se multiplicam.”

"Se a única saída do SNS fosse a reforma, até estaríamos com um excesso de formação. O problema é que há mais fontes de saída do SNS, nomeadamente para o estrangeiro e para o privado."
Miguel, anestesista

Já Miguel (nome fictício), também ele um anestesista a exercer no setor público e privado, não tem dúvidas de que há falta de anestesistas no SNS e aponta para outro dado do Census 2017: a média de idades dos anestesistas que estavam nos quadros do SNS em 2016 era de 48,6 anos — o Relatório do MS adianta que quase 51% dos médicos especialistas do SNS tem mais de 50 anos. “Os médicos podem deixar de fazer noites no serviço de urgência a partir dos 50 anos e, a partir dos 55 anos, podem deixar de fazer urgências. Se estas pessoas se negassem a fazer urgência, o sistema ia abaixo.”

Mas o maior problema, para os anestesistas Miguel e Ângela Rodrigues, está na saída para o privado e até para o estrangeiro. “O número de formandos é superior ao número de pessoas que se estão a reformar. Ou seja, se a única saída do SNS fosse a reforma, até estaríamos com um excesso de formação. O problema é que há mais fontes de saída do SNS, nomeadamente para o estrangeiro e para o privado”, afirma Miguel.

A especialista do Amadora-Sintra faz ainda uma ressalva: “Se os mais velhos vão para o privado — e até os recém-especialistas –, perdemos capacidade formativa. Um hospital quando perde médicos também perde capacidade formativa. Um serviço sem médicos não pode formar outros médicos porque não tem condições. Os internos não aprendem sozinhos, têm de ter alguém que os ensine.”

Relativamente à saída do médicos do SNS, o estudo “A Carreira Médica e os Fatores Determinantes da Saída do Serviço Nacional de Saúde”, da Ordem dos Médicos, adianta que 43% saíram por se reformarem, 36% porque decidiram ir para o setor privado — 84% dos quais já acumulavam trabalho no público e no privado — e 7% porque emigraram. Daqueles saíram para o privado ou que emigraram, mais de metade disseram estar insatisfeitos e muito insatisfeitos com a remuneração e com o tempo que lhes sobrava para a família.

Paulo Lemos, presidente do Colégio da Especialidade de Anestesiologia, refere que aumentar o número de vagas de pouco serve se, após o internato, os anestesistas optarem por trabalhar exclusivamente no setor privado. “Se os recém-especialistas vão para o privado ou para o estrangeiro, não se consegue colmatar as falhas.”

No mesmo estudo da OM, apenas 18% dos internos inquiridos disseram que, provavelmente, não ficariam no SNS em detrimento dos quase 35% que afirmaram que iriam permanecer no setor público após a conclusão da especialidade. Ainda assim, mais de 50% ponderaram a hipótese de emigrar.

Pedro Pita Barros, professor da Universidade Nova e especialista em Economia da Saúde, ressalva que, tal como qualquer outro curso, “a formação de médicos pelo ensino superior público existe para dar oportunidades profissionais aos jovens portugueses” e não “para suprir as necessidades do SNS”. “Se [os médicos] são depois contratados pelo SNS, pelo setor privado, por ambos, ou se vão para outro país, é uma opção lícita no campo da saúde como noutros campos.”

Há um êxodo de anestesistas para o setor privado?

Como vimos, o Census 2017 dava conta de 262 anestesistas a exercer apenas em hospitais privados — desde recém-especialistas a médicos já reformados no SNS. No entanto, é preciso ter em conta que muitos especialistas complementam o seu trabalho no SNS com prática na privada. “Há muitos anestesistas que acumulam o SNS com os hospitais privados e há outros que nem sequer exercem no SNS por opção”, explica o especialista em Economia da Saúde, Mário Amorim Lopes.

Os procedimentos que são realizados nos hospitais públicos também podem ser feitos em hospitais privados, portanto trabalho é coisa que não falta. “A Anestesiologia é das especialidades mais solicitadas no privado. Cada vez há mais pessoas com seguros de saúde, portanto cada vez há mais cirurgias nos hospitais privados”, acrescenta o docente universitário.

"A anestesia é das especialidades mais solicitadas no privado. Cada vez há mais pessoas com seguros de saúde, portanto cada vez há mais cirurgias nos hospitais privados."
Mário Amorim Lopes, docente e especialista em Economia da Saúde

O Census de 2017 refere que, dos 145 especialistas que se formaram entre 2014 e 2016, um terço optou “por não celebrar contrato com as instituições hospitalares do SNS” — apenas 99 recém-especialistas assinaram contrato com o serviço público. De acordo com o mesmo documento, apesar da capacidade formativa ter vindo a aumentar, se “apenas dois terços dos novos especialistas” assinar contrato com os hospitais, “dificilmente” será possível “no tempo estimado de três anos aumentar em 300 anestesiologistas como havia sido previsto no Censos de 2014”.

Pita Barros considera que “o papel que o setor privado possa ter é consequência e não causa”. “Se há excesso de procura de médicos de uma especialidade, e há organizações que possuem a capacidade de oferecer melhores salários e/ou melhores condições de trabalho, é natural que usem essa capacidade para atrair os profissionais de que precisam.” Algo que acontece em diversas especialidades médicas. “A formação tem de acompanhar a procura, senão o excesso de procura irá refletir-se no mercado de trabalho.”

A ida para os hospitais privados tem vindo a acontecer mal termina o Internato Médico. “Os médicos mal acabam a especialidade são logo captados para os hospitais privados, ou vão para o estrangeiro. A parte remuneratória é tão baixa no SNS e os privados têm tanta necessidade de anestesistas que contratam até recém-especialistas”, diz Ângela Rodrigues.

“Os mais novos olham para o privado com outros olhos e aqueles que já estavam consolidados no mercado de trabalho vão procurar outros mercados. Não foi invulgar ver colegas com mais de 55 anos saírem do país”, acrescenta o presidente do Colégio da Especialidade de Anestesiologia.

As “melhores” condições de trabalho, especialmente em termos salariais, são as razões apontadas para a prática no setor privado. ” [O salário] é incomparável”, acrescenta Mário Amorim Lopes. “No privado, um anestesista recebe por doente, portanto quantas mais cirurgias fizer, mais recebe. No público, isso não acontece, recebem o salário e não existem, por exemplo, prémios de performance.”

O anestesista Miguel destaca outra vantagem: “No privado, a ideologia é ‘temos estas cirurgias para fazer, acabamos às horas que acabarmos’. Houve dias em que acabei as cirurgias às quatro da manhã. Só tivemos sala a partir das oito da noite, devíamos ter começado às 16h, mas as cirurgias atrasam. Temos doentes para operar, são operados. No público, dizem-nos que a partir das 20h não podem ser operados.” Isto porque implica pagar mais aos funcionários.

Já Jorge (nome fictício), também especialista em Anestesiologia, não tem uma visão tão positiva do trabalho no setor privado. “O setor privado pode ter melhores remunerações, mas também tem dissabores“, afirma o anestesista, que fala ainda em “pressões” e no “ritmo acelerado” que é imposto e para o qual nem todos têm perfil. “Nunca senti tanta hostilidade como num hospital privado onde trabalhei. Era um ritmo desenfreado, quase nem eram pessoas que estavam ali, quase nem podia parar para comer. No SNS não é assim, às vezes até é lento demais. Se me atrasar, ninguém me diz nada, no privado não é assim, porque estão milhões [de euros] em causa”.

O estudo “A Carreira Médica e os Fatores Determinantes da Saída do Serviço Nacional de Saúde” adianta que, relativamente à ida para o setor privado, apenas 18% dos inquiridos olha para essa possibilidade como uma certeza no seu futuro — 48% não considera de todo essa hipótese “como cenário de desenvolvimento profissional futuro”.

"No privado, um anestesista recebe por doente, portanto quantas mais cirurgias fizer, mais recebe. No público, isso não acontece, recebem o salário e não existem, por exemplo, prémios de performance."
Mário Amorim Lopes, docente e especialista em Economia da Saúde

Jorge considera que nem sempre é uma escolha. Isto é, há casos de médicos que “gostariam de ter ficado a trabalhar no setor público”, mas isso não aconteceu “porque nunca lhes apresentaram contratos”. “Se houver oportunidade, vão para o privado, não só porque têm de ganhar, como têm de praticar.”

Relativamente à ida de recém-especialistas para o privado, o anestesista, que exerce tanto em hospitais públicos como em privados, considera que os médicos têm uma “obrigação moral de dar uma contrapartida” ao Estado que lhes deu uma “formação avançada e extremamente onerosa”. “O Estado paga principescamente a formação dos médicos. Não me chocaria que as pessoas fossem obrigadas a ficar no Estado durante um período.”

Pita Barros defende exatamente o oposto: “Se o contra-argumento [da ida para o privado, ou para o estrangeiro, em detrimento do SNS] for o investimento que o Estado faz, a réplica é que ou se tem o princípio que o direito à educação, incluindo o ensino superior, é suportado solidariamente na sociedade — e, então, o contra-argumento não faz sentido —, ou não se tem esse princípio, e, nesse caso, devia cobrar-se uma propina superior a quem estuda medicina.”

Devem os médicos ser obrigados a exercer no SNS?

Quais são as condições de trabalho no SNS?

A partir de 2013, todos os médicos que entraram na carreira passaram a ter um horário de trabalho de 40 horas semanais, das quais 18 horas são dedicadas ao serviço de urgência. As restantes horas são dedicadas ao serviço onde estão inseridos, nomeadamente para cirurgias programadas, procedimentos, exames complementares, entre outros.

Mas isto é mais na teoria do que na prática. Apesar de existirem outros regimes contratuais, muitos anestesistas fazem mais horas de trabalho, especialmente nas urgências. O Relatório Social do Ministério da Saúde e do Serviço Nacional de Saúde de 2018 dá conta de que a Anestesiologia é uma das cinco especialidades com maior volume de trabalho suplementar. No ano passado, os anestesistas fizeram 651 mil horas extra, das quais 571,443 mil em presença física e 79,604 mil em prevenção — o número mais baixo desde 2015. Isto dá uma média de 460 horas extra em regime de presença física por médico. Olhando para os médicos que fizeram trabalho suplementar em prevenção, a média é de 419 horas extra por anestesista.

“O limite anual de horas extraordinárias é de 150 horas e os médicos, em março, já fizeram essas horas. E isto é transversal em todas as especialidades. Se não fizéssemos mais horas, o SNS colapsava”, explica Ângela Rodrigues.

Eu trabalho 60 a 70 horas por semana, em vez de 40 horas, porque é necessário para manter as coisas a funcionar“, diz o anestesista Miguel. Recorde-se que as horas a mais são pagas à parte como horas extraordinárias.

"Eu trabalho 60 a 70 horas por semana, em vez de 40 horas, porque é necessário para manter as coisas a funcionar."
Miguel, anestesista

25% dos médicos inquiridos para o estudo “A Carreira Médica e os Fatores Determinantes da Saída do Serviço Nacional de Saúde”, da Ordem dos Médicos, publicado em 2018, referem que faziam mais horas do que as que estavam previstas no seu horário de trabalho mais de uma vez por semana ou praticamente todos os dias.

“Os contratos não são nada aliciantes”, explica o anestesista Ricardo. “A hora extra é paga miseravelmente e, em muitos sítios, não há condições de trabalho, há falta de material. As pessoas começam a fartar-se e vão para o setor privado.”

E, apesar de se ganhar mais ao final do mês, também se paga um preço elevado por fazer horas extraordinárias. “Quando se é jovem e não se tem mais nada, é uma coisa. Uma pessoa de 40 anos com filhos, há de dizer-me onde tem tempo para a família. Uma pessoa que não queira apenas viver para trabalhar, não consegue. Com 70 horas, não faz mais nada. Estamos a fazer o trabalho de duas pessoas e não o estamos a fazer porque queremos. É porque é necessário, senão o sistema não se aguentava”, acrescenta Miguel.

O mesmo estudo da OM adianta que mais de 60% dos médicos inquiridos diziam não estar satisfeitos com o número de horas que trabalhavam e 74% referiram estar insatisfeitos com o tempo que tinham para a família, amigos e outras atividades. Ainda assim, há um dado curioso: entre os inquiridos que foram trabalhar para o privado, a maior parte faz uma avaliação global positiva do SNS: quase 38% afirmaram estar satisfeitos ou muito satisfeitos com o Serviço Nacional de Saúde, contra os 30,2% que se disseram insatisfeitos ou muito insatisfeitos.

“Tendo em conta que não há qualquer evolução remuneratória no SNS e, à medida que os anestesistas foram saindo para os hospitais privados, os que ficaram e os que vão sendo formados são sobrecarregados com trabalho, nomeadamente no serviço de urgência”, explica Ângela Rodrigues. A especialista dá o exemplo do seu serviço: “É impossível completar a escala do Amadora-Sintra. Mesmo que estejamos todos a trabalhar, o número de anestesistas não é suficiente para completar a escala.”

Tendo em conta que a média de idades dos anestesistas que estão nos quadros do SNS é de 48,6 anos, a situação pode tornar-se ainda mais complicada. “Os médicos podem deixar de fazer noites no serviço de urgência a partir dos 50 anos e partir dos 55 anos, podemos deixar a urgência. Se estas pessoas se negassem a fazer urgência, o sistema ia abaixo.”

Mário Amorim Lopes destaca ainda a questão do burnout nos profissionais de saúde, que está muito associado às excessivas horas de trabalho — “muitas escalas, muitas horas extra” –, ao constante aumento do número de pacientes e à “falta de recursos humanos e não humanos”. “Há hospitais com instalações muito antigas”, acrescenta, como um dos fatores para o stress e cansaço dos profissionais do setor.

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Não são contratados anestesistas suficientes?

A contratação de médicos especialistas começa logo no final do Internato Médico. Todos os anos, o Ministério da Saúde abre um concurso com vagas nos hospitais públicos para os médicos que terminaram a especialidade no ano anterior. Por exemplo, quando um interno termina a especialidade em 2017, poderá candidatar-se ao concurso de 2018.

De referir que, muitas vezes, o número de médicos que iniciou a especialidade não é igual ao número que termina o internato, porque nem todos conseguem concluir a especialidade em cinco anos — alguns atrasam-se por doença, por exemplo, ou porque estiveram de licença de maternidade/paternidade, entre outros casos, explica o presidente do Colégio da Especialidade.

Segundo dados da ACSS, em 2016, foram colocadas a concurso 84 vagas, das quais foram preenchidas 26 (31%). No ano seguinte, foram apenas 32 vagas e 14 foram preenchidas (44%). Em 2018, o número mais que duplicou relativamente ao ano anterior: abriram 72 vagas e foram preenchidas 31 (43%). Ou seja, nos últimos três anos, nem metade das vagas foram preenchidas. Apenas este ano parece estar-se a assistir a uma inversão da tendência: na primeira época de 2019, foram colocadas a concurso 59 vagas, das quais 36 foram preenchidas (61%).

No passado dia 25 de setembro, o jornal Público dava precisamente conta dessa situação: várias vagas para recém-especialistas anestesistas ficaram por preencher em Lisboa. Para o Centro Hospitalar Lisboa Norte, abriram quatro vagas, mas uma ficou por preencher. No Centro Hospitalar Lisboa Central, em três vagas, também ficou uma livre. No Amadora-Sintra, de três vagas, duas ficaram por preencher.

Há várias razões para este cenário. Uma delas é o poder de escolha dos candidatos. Por exemplo, um anestesista que sempre viveu em Lisboa e tem uma vida feita na capital, com família e filhos, pode não estar disposto a ir para o Algarve, se tiver sido essa a vaga que lhe foi atribuída consoante a sua nota. “O Estado tem os seus objetivos, mas não controla a vontade das pessoas. Está sempre dependente das escolhas dos especialistas. Mesmo com bons incentivos financeiros, pode não ser suficiente”, considera Mário Amorim Lopes.

Outro dos motivos está relacionado com os hospitais privados. O presidente do Colégio da Especialidade de Anestesiologia considera que, por vezes, o número de vagas do concurso “nem sempre é adequada” ao número de médicos que termina o Internato Médico. Ainda assim, isto não é um problema, não só porque há quem demore mais tempo a terminar a especialidade, mas também porque, ainda antes da abertura do concurso, os hospitais privados “desviam” os recém-especialistas. “Não abrem vagas suficientes, mas também não eram precisas porque, nessa altura, alguns já estavam no privado”, explica Paulo Lemos. “Mas mesmo que todos quisessem ir para o SNS, não havia vagas suficientes”.

“Existem vagas por preencher nos concursos públicos porque ninguém quer ficar deslocado, a 50 quilómetros da sua casa e da sua família, quando têm um hospital privado ou uma clínica ao lado de casa”, explica Miguel. “As pessoas de Lisboa não querem ir para o Algarve ou para Évora ou para um hospital em que o serviço está em rotura — a não ser que lhes deem esperança de que o seu esforço vai inverter a situação.”

"O limite anual de horas extraordinárias é de 150 horas e os médicos, em março, já fizeram essas horas. E isto é transversal em todas as especialidades. Se não fizéssemos mais horas, o SNS colapsava." 
Ângela Rodrigues, anestesista no Hospital Amadora-Sintra

O anestesista Jorge defende que o problema não está na falta de anestesistas, mas na “rede hospitalar” do país que considera ser “inadequada e sobredimensionada”. “Temos enormes assimetrias no país e não conseguimos prestar serviços à população em algumas regiões do país. 90% dos especialistas estão concentrados no litoral, em detrimento do interior.” De facto, de acordo com o Relatório Social do MS, dos 1.087 anestesistas especialistas contabilizados em dezembro de 2018, 471 estavam na região Norte, 355 em Lisboa e Vale do Tejo, 216 na região Centro, 25 no Alentejo e 20 no Algarve.

Para o anestesista, a solução passaria por concentrar serviços em menos hospitais, de forma a que os médicos passem a ter mais experiência clínica — como recebem mais casos, acabam por ganhar maior diferenciação — e tenham um ordenado melhor, porque não se dispersam meios.

Aliás, de acordo com o Expresso, o ministro das Finanças e a ministra da Saúde acordaram na criação de um grupo de trabalho que se debruçasse precisamente sobre a questão da rede hospitalar, isto é, a “racionalização” dos hospitais das mesmas regiões, de forma a que haja uma melhor distribuição dos recursos e das valências.

Paulo Lemos considera, por outro lado, que não são contratados anestesistas suficientes para o SNS e explica que os hospitais não os contratam porque não têm autorização do Ministério das Finanças. “Os hospitais públicos não estão a abrir as vagas que desejariam. Por exemplo, o Hospital Santa Maria tem muita falta de anestesistas, mas nunca se ouviu falar num concurso para seis ou oito especialistas — quando eles precisam de 10 ou 20 especialistas.”

O especialista em Economia da Saúde, Mário Amorim Lopes, é da mesma opinião e considera que, muitas vezes, não é o caso de as administrações hospitalares não quererem contratar mais especialistas. Os próprios conselhos de administração “estão limitados” porque “precisam da autorização do Ministério da Saúde” — que, “na prática, é do Ministério das Finanças” — para contratar mais funcionários. “Os administradores são mais escriturários do que gestores, pouco mais podem fazer do que assinar despachos e fazê-los passar pela organização — isto sem menosprezar o trabalho, muitas vezes heroico, que alguns fazem. Não têm é autonomia para mais. Isto cria enormes constrangimentos na gestão porque está tudo centralizado no Ministério das Finanças”, diz Amorim Lopes.

E, por vezes, não é tanto a questão de não se poder contratar, mas sim conseguir-se atrair médicos para um serviço com poucas condições de trabalho, seja a nível de recursos humanos, organização, hierarquia, entre outros fatores. “É muito difícil construir um serviço, com médicos, hierarquias, com projetos. Isso demora muitos anos, mas pode demorar três ou quatro anos a destruir um serviço. E, depois de destruir, é muito difícil captar pessoas.”

A mesma notícia do Público adianta que, entre julho e agosto, foram aprovados três contratos para anestesistas para o Centro Hospitalar Lisboa Central e estão outros cinco “em fase de aprovação” para mais quatro hospitais. Além de ter havido um “reforço das prestações de serviço”.

"Os hospitais públicos não estão a abrir as vagas que desejariam. Por exemplo, o Hospital Santa Maria tem muita falta de anestesistas, mas nunca se ouvi falar num concurso para seis ou oito especialistas. Quando eles precisam de 10 ou 20 especialistas."
Paulo Lemos, presidente do Colégio da Especialidade de Anestesiologia

Os hospitais optam, então, por contratar prestadores de serviços, isto é, tarefeiros: “Não é por acaso que recorrem a tarefeiros. São mais caros à hora, mas são muito mais flexíveis. Nestes casos, as administrações têm mais autonomia”, explica Mário Amorim Lopes.

O Relatório Social do MS refere que Anestesiologia está novamente entre as cinco especialidades com maior número de horas e encargos no que toca aos contratos de prestação de serviços médicos. Em 2018, foram contabilizadas quase 196 mil horas e gastos mais de 7,677 milhões de euros. O Observador teve acesso a documentos que mostram que num centro hospitalar, só no mês de agosto, entre horas extraordinárias e prestadores de serviços, foram feitas mais de 1.000 horas, o que daria para contratar mais 6 a 7 especialistas.

No entanto, muitas vezes, nem os prestadores de serviços resolvem os problemas das escalas de urgência, especialmente em épocas como o verão, o Natal e o Ano Novo. Por exemplo, se a equipa de anestesia de um hospital não tiver ninguém para fazer o dia 25 de dezembro, não há garantias que consiga “tapar este buraco” com tarefeiros, já que eles podem não estar disponíveis.

Miguel vai mais longe. O anestesista considera que há Conselhos de Administração de hospitais a não contratar especialistas porque “o objetivo” é não gastar dinheiro nos salários dos médicos, mas, em contrapartida, acabam por gastar mais dinheiro em horas extraordinárias e com prestadores de serviço. “Os hospitais gastam mais dinheiro com tarefeiros, que custam duas vezes ou duas vezes e meia mais, porque o objetivo não é poupar dinheiro. É gastar menos dinheiro com a remuneração basal.”

Empresa de anestesista recebeu 500 mil euros em prestações de serviço no ano passado

Quanto ganham um especialista em anestesia a contrato e um tarefeiro num hospital público?

Existem, atualmente, vários tipos de contratos em vigor no SNS, mas vamos ter em conta o regime de contrato único que se aplica a todos os médicos que assinaram contrato a partir de 1 de janeiro de 2013. A título de exemplo, de acordo com a tabela de remunerações da carreira médica, disponível no site da ACSS, um assistente em início de carreira (recém-especialista) tem um vencimento bruto de 2.746,24 euros, sendo que o teto máximo salarial de um assistente é de 3.158,18 euros. Valores que vão aumentando consoante a progressão na carreira, como é possível ver no quadros abaixo. No caso dos internos, o valor varia entre 1.566,42 euros e 1.937,39 euros.

Estes contratos preveem que, das 40 horas semanais, 18 sejam dedicadas ao serviço de urgência. O anestesista Ricardo explica que faz urgências de 24 horas, pelo que as restantes seis horas são pagas como horas extraordinárias, cujo valor varia consoante se trate de trabalho diurno ou noturno, fim de semana ou dia de semana.

No caso dos prestadores de serviços, a legislação em vigor continua a ser a de 2011, que estabelece valores máximos por hora: 25 euros para médicos não especialistas e 30 euros para médicos especialistas.

Os valores podem, porém, ser ultrapassados “até ao limite máximo do dobro daqueles” em duas situações específicas: “risco de encerramento de serviços, ou de impossibilidade total de prestação de determinados cuidados de saúde” e “especificidade das funções a desempenhar, desde que, caso se justifique, se garanta a formação contínua em contexto de trabalho dos médicos adstritos aquelas funções”.

A legislação dá conta também de que estes contratos só podem ser feitos “em situações de imperiosa necessidade e depois de se terem esgotado previamente todos os mecanismos de mobilidade, geral e especial, previstos na lei”. Por “imperiosa necessidade” prevê-se a “necessidade de assegurar a continuidade do funcionamento de pólos de excelência”, “evidenciação da carência da especialidade no SNS, relativamente à região e ao País” e “demonstração das vantagens económico-financeiras da solução proposta em confronto com as alternativas disponíveis”.

Segundo o anestesista Miguel, “só existem razões excecionais” quando são contratados prestadores de serviços, logo os preços raramente são de 25 ou 30 euros/hora.

De ressalvar ainda que os médicos não podem ser contratados como prestadores de serviço para o mesmo hospital para onde trabalham. Por exemplo, um anestesista que tenha um contrato com o Hospital de São João não pode ser tarefeiro nesse mesmo hospital.

O que sai mais barato? O economista Pita Barros não tem dúvidas: “Contratar permanentemente é mais barato, a longo prazo, do que contratar um tarefeiro, até porque é preciso pensar em termos de compromisso com as instituições, e destas com os médicos e seu desenvolvimento profissional.

"Contratar permanentemente é mais barato, a longo prazo, do que contratar um tarefeiro, até porque é preciso pensar em termos de compromisso com as instituições, e destas com os médicos e seu desenvolvimento profissional."
Pedro Pita Barros, economista e especialista em Economia da Saúde

Mas, segundo o presidente do Colégio da Especialidade de Anestesiologia, a vida está mais facilitada aos prestadores de serviços do que aos médicos da casa. “Os hospitais públicos estão a proporcionar melhores condições para os tarefeiros. Se um especialista for contratado para um hospital para fazer 24 horas de urgência como tarefeiro, é pago a 50 euros à hora, o que no final do mês dá 4.800 euros brutos. Nenhum contratado ganha isso, independentemente do quadro. Isto é justo? Estamos a ser bons gestores?”

“Tenho alguns colegas que vivem de tarefas. Dá-lhes mais dinheiro, põem férias quando querem”, acrescenta Ângela Rodrigues, recordando a polémica do ano passado na Maternidade Alfredo da Costa, em que alegadamente havia apenas um anestesista disponível a 500 euros à hora.

MAC. Ministério diz que só havia anestesistas por 500 euros por hora, Ordem diz que não

Qual é a solução?

Ângela Rodrigues não tem dúvidas de que a solução para o problema passa por “motivar os médicos do SNS”, nomeadamente com “mais condições remuneratórias”, “oferecer exclusividade” e “condições adequadas de progressão de carreira”.

O estudo “A Carreira Médica e os Fatores Determinantes da Saída do Serviço Nacional de Saúde” revela que quase 77% dos médicos estão descontentes com os seus rendimentos — 47% recebe menos de três mil euros brutos por mês. E, tal como já foi referido, mais de metade dos médicos que saíram do SNS para o privado disse estar descontente com a remuneração.

Mário Amorim Lopes também defende uma “remuneração diferenciada e que privilegie a produtividade”, isto é, “haver uma remuneração também indexada — não toda — à produtividade”. “É uma das grandes falhas do setor público“, considera o especialista em Economia da Saúde.

O professor universitário sublinha que isto já acontece para as instituições EPE, que recebem bónus quando atingem determinados objetivos estabelecidos pela ACSS ou pela administração regional de saúde. “Mas isso não se repercute nos funcionários. Um hospital não tem esses instrumentos.” De ressalvar, contudo, o que acontece com as USF tipo B e com os seus profissionais: as suas remunerações estão dependentes da performance.

Amorim Lopes concorda ainda com a questão da progressão na carreira. “Os médicos sentem falta de uma carreira bem delineada com competências e responsabilidades bem definidas”, afirma, acrescentando que, apesar de haver uma “diferenciação salarial, alguns médicos queixam-se de que “em termos efetivos, em termos de autonomia e de autoridade, não é bem assim”. “Não há uma efetiva hierarquia, com autonomia, em que os médicos têm cargos, como nas empresas, em que há um conjunto de competências muito bem definidos. Isso não existe no SNS.”

O estudo “A Carreira Médica e os Fatores Determinantes da Saída do Serviço Nacional de Saúde” refere que apenas 16,6% dos médicos que saíram para o privado e 6% dos que emigraram dizem estar satisfeitos ou muito satisfeitos com a progressão na carreira

"Não fica claro como é que tal solução [a exclusividade] poderia resolver o problema de falta de recursos no SNS."
Mário Amorim Lopes, docente e especialista em Economia da Saúde

Relativamente à questão da exclusividade, no entanto, Mário Amorim Lopes tem “dúvidas” de que isso “resolveria” o problema do SNS. “Garantiria um aumento da despesa com os recursos humanos, mas não são claros os benefícios.” O especialista expõe isso, precisamente, no seu ensaio “Devem os médicos ser obrigados a exercer no SNS?“: “Não fica claro como é que tal solução [a exclusividade] poderia resolver o problema de falta de recursos no SNS. Os médicos têm de cumprir as horas semanais estipuladas no seu contrato de trabalho, pelo que qualquer prestação adicional no sector privado sai fora do horário laboral no SNS. Como não é possível, por lei, celebrar contratos de 50 ou 60 horas, o regime de exclusividade não garantiria, de forma alguma, prestação adicional de cuidados. De facto, a medida só seria eficaz se admitirmos que os médicos, ou grande parte deles, não prestam as 35/40 horas no sector público, usando parte desse tempo para exercerem no sector privado. No entanto, isso configura uma ilicitude, sendo matéria judicial e não política, e a solução é a responsabilização e a introdução de mecanismos que permitam aos hospitais agir em caso de incumprimento.”

O tema da exclusividade — um regime que terminou em 2009 — não é recente e esteve na ordem do dia durante o verão. A ministra da Saúde, Marta Temido, levantou essa hipótese numa entrevista ao jornal Público em julho, mas foi rapidamente ‘contrariada’ pelo ministro das Finanças. Para Mário Centeno, a exclusividade é uma garantia de aumento da despesa, mas não de melhoria do funcionamento do SNS. Marta Temido, na mesma entrevista, esclareceu ainda que foi criado um “grupo de estudo” para avaliar esta questão. Já o primeiro-ministro, numa entrevista ao Expresso em agosto, disse que a exclusividade “para todas as especialidades” era “um objetivo”.

Para o presidente do Colégio da Especialidade, a solução passaria por reduzir o tempo dedicado ao serviço de urgência: “É preciso aliciar os profissionais para ficarem no SNS. Bastava mudar o horário e permitir que os anestesistas pudessem despender mais horas no serviço. Se em vez das 18 horas passassem a ter as antigas 12 horas dedicadas ao serviço de urgência, isso daria mais uma manhã ou mais uma tarde ao serviço. Faria toda a diferença.”

Mário Amorim Lopes destaca ainda “um fator atrativo” do setor público e que pode servir para atrair os médicos para o SNS: “Uma grande vantagem do SNS é a articulação com os hospitais universitários. A possibilidade de desenvolver uma carreira na área da investigação ou associar uma carreira académica à prática clínica é um ponto a favor do SNS.”

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