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Dos fados para o R&B, do sonho americano para a carreira que quer fazer em Portugal: esta é a história de Mike11
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Dos fados para o R&B, do sonho americano para a carreira que quer fazer em Portugal: esta é a história de Mike11

FABIO TEIXEIRA

Dos fados para o R&B, do sonho americano para a carreira que quer fazer em Portugal: esta é a história de Mike11

FABIO TEIXEIRA

Mike11: gangsta love com guitarra portuguesa e R&B no coração

Cresceu nos fados, tocou com Mariza, Ana Moura e Carminho, mas o R&B chamou por ele. Esteve 2 anos nos EUA e voltou a Portugal para lançar o 1º disco. Isto não é novo fado, isto é Mike11.

Micael Gomes não fazia ideia de que a sua vida iria mudar quando, ainda em miúdo, apanhou um programa de televisão onde aparecia Carlos Paredes a tocar guitarra portuguesa. O espanto tomou de imediato conta dele: “Disse logo ao meu pai: quero ir aprender a cantar fados”. Na altura nem lhe passou pela cabeça tocar guitarra portuguesa, esse bicho encantatório de doze cordas que mal lhe cabia nas mãos, “porque, por amor de Deus, então tinha 7 anos e ia tocar guitarra portuguesa?”.

Porém, aquele fascínio não lhe saía da cabeça. Aos 10 anos, lá se decidiu a agarrar na sua primeira guitarra portuguesa e foi para o conservatório ter aulas com Arménio de Melo, “que também tem uma grande história no fado”, diz-nos sob a pele de Mike, alcunha que preserva desde pequeno. “Ele dava-me peças para tocar, mas eu queria tocar fados”. Aguentou lá dez meses, a tocar as tais peças “a mal ou a bem”, porque lá no fundo sabia que aquilo era importante para ganhar técnica. Quando a paciência se esgotou, o miúdo passou das aulas para as casas de fados lisboetas.

Faia, Adega Machado, Luso, Bela, Mesa de Frades, não houve casa pela qual Mike não tivesse passado, dando rapidamente nas vistas: com 14 anos já tinha pisado vários palcos, substituído grandes referências da guitarra portuguesa – como José Manuel Neto ou Ângelo Freire – em concertos ao lado de Mariza, Carminho ou Ana Moura. “Eu sei que sou aquele puto que posso aparecer a tocar de pijama que vou ser aceite nos fados, porque eu nasci ali.”

Fado à noite, R&B de dia a caminho da escola

Contudo, o puto nascido fadista e que em 2012 foi premiado como revelação na guitarra portuguesa nos Prémios Amália, tinha outra grande paixão: “Eu saía dos fados e no dia seguinte passava o dia todo a ouvir R&B”. Perdeu a conta às vezes em que ia para a escola a cantarolar a “Rise & Fall” de Criag David e Sting e em casa, também por influência da irmã mais velha, devorava álbuns de D’Angelo, Dave Hollister ou Usher. O sentimento, a cadência harmónica e as histórias de amor estão presentes tanto no fado como no R&B, diz, mostrando que afinal há mais parecenças entre os dois estilos do que poderíamos imaginar.

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Conjugá-los numa linguagem própria foi um passo natural, embora difícil. “Na altura estava a passar por um problema de afirmação pessoal e enquanto músico”. Mike sabia que queria produzir projetos com ideias e uma estética diferentes e, para seguir o seu caminho, rompeu com os fados na sua melhor altura como guitarrista, aos 18 anos. Recorda-o: “Foi um choque para toda a gente e para mim também.”

“Todas as tendências que têm surgido, de mistura de fado com a eletrónica, não são dos fados. Isso é uma coisa que vendem às pessoas que não é verdade.”
Mike 11

Conta-nos que saiu para não ferir a linguagem e para não galvanizar a sua música à boleia da fama que o fado tem nos mercados internacionais, já que “é a única música cantada em português que vende lá fora”. E se lhe perguntamos se se considera parte integrante do chamado movimento do novo fado ou neo-fados, que se tem vindo a afirmar com projetos como o de Pedro Mafama, Rita Vian, João Não ou mesmo Conan Osíris, Mike desmarca-se sem pestanejar: “Todas as tendências que têm surgido, de mistura de fado com a eletrónica, não são dos fados. Isso é uma coisa que vendem às pessoas que não é verdade.”

A exceção para Mike é Ana Moura, “uma pessoa que adoro, que é dos fados e que está a fazer realmente esta mistura. De resto não conheço outra pessoa que faça essa tal mistura que seja mesmo dos fados. Eu nunca os vi lá nem a ouvir, nem a tocar, nem a cantar, nada.” Sair dos fados foi, por isso, também um sinal de respeito: “É por isso que continuo a ser aceite. Sou um puto que toca guitarra portuguesa e que produz a cena dele”.

Mike11 começou nos fados mas quis criar a sua própria linguagem, mais inspirada pelo R&B do que pelo fado clássico

FABIO TEIXEIRA

O encontro com Scott Storch e o destaque em TimesSquare

A “cena” de Mike11 demorou quase dois anos a ser apurada. “Foi tudo uma procura”, refere, desde encontrar um estúdio para gravar e alguém que o ajudasse, “porque eu não percebia nada de computadores, só de guitarras portuguesas e de madeira”, até à busca das harmonias que melhor encaixassem com os beats e com os baixos do R&B. Afinou a guitarra portuguesa em Coimbra para ganhar uma tonalidade mais grave e, quando teve a certeza de que o que andava a compor soava a alguma coisa, começou a produzir músicas.

O problema, refere, é que em Portugal não encontrou condições para produzir como ele gostaria: “Eu ia a qualquer estúdio de hip-hop e dizia, «isto é em Dó m» e o pessoal, «bro, o que é isso?» Então eu perdia muito tempo”. Plutónio, a primeira pessoa a acreditar na sua estética — afiança o músico de 24 anos —, deu-lhe uma mãozinha enviando uma mensagem para o produtor americano Scott Storch que quis pegar de imediato em Mike11. “É um dos meus produtores favoritos de sempre, foi inacreditável!”.

Mike 11 foi convidado para ir para os EUA por Scott Storch, músico e produtor norte-americano, vencedor de oito Grammys e antigo colaborador de Beyoncé, 50 Cent, Christina Aguilera, Dr. Dre e Snoop Dogg, entre outros.

Antes, já Mike tinha recebido uma mensagem no Instagram de J.Lack, irmão de Usher: “Como podes imaginar, fiquei maluco com aquilo!”. Mas na altura de escolher entre ir para Atlanta e produzir com J.Lack ou para Los Angeles com Storch, o nome do músico e produtor vencedor de 8 Grammys, que colaborou com nomes como Beyoncé, 50 Cent, Christina Aguilera, Dr. Dre ou Snoop Dogg falou mais alto. Em 2017 embalou as trochas e seguiu para L.A., em busca do seu sonho americano.

Lá, Scott Storch juntou-o ao músico Jeremih e juntos lançaram em 2018 o single “My Tata”, atualmente com quase 2 milhões de visualizações no YouTube. De guitarra portuguesa na mão, Mike era uma espécie de Carlos Santana de raízes portuguesas, destrocando dedilhados em resposta aos versos de Jeremih, solando com melodias desenvoltas e límpidas que ficam no ouvido à primeira audição. O vídeo do tema, em que Mike11 aparece de óculos de sol e chapéu de abas, em estilo “gangsta love”, esteve em grande destaque na Times Square, em Nova Iorque. “Fui o primeiro português a estar lá”, garante.

Depois veio o desafio de cantar. “O Scott disse-me, «eu já te ouvi cantar e acredito que a tua cena a cantar funciona», mas eu já tinha deixado de cantar há muitos anos!”. Com alguma insistência, lá se deixou levar — afinal o seu sonho sempre fora cantar, confidencia — e lançou-se para o estúdio Bad Boy, de Puff Daddy, para gravar as primeiras demos. Nos seus projetos, ninguém pode esperar ouvir um grande cantor mas sim um cantor que canta com a alma, diz. “Quando era puto questionava-me, por exemplo, como é que o pessoal não entendia que rainhas do fado, como a Argentina Santos ou a Beatriz da Conceição, não tivessem vozes excecionais, afinadíssimas, mas sim uma verdade muito específica. A arte é isso mesmo e é difícil que se entenda isso no meio da pop”.

19.2k e o ouro da música portuguesa

Tudo parecia estar a correr bem para Mike do outro lado do Atlântico, mas então começaram os atritos com Scott Storch. “As minhas últimas músicas em discussão com o Scott já eram músicas em que ouvias o Mike tipo uma vez durante 15 segundos. Então eu pensei, «estou aqui a fazer o quê?» Eu não sou o gajo dos samples, não fui para os Estados Unidos fazer música para ter 10 ou 100 milhões de views, fui para fazer um projeto.”

Cansou-se da visão mercantilista, dos hits que tinham que ter 3 minutos e 30 para passar na rádio e voltou para Portugal, “porque vivo para a música e não da música, por enquanto”. A pandemia apanhou-o desprevenido e, durante uns tempos, ficou em casa desmoralizado sem encontrar respostas para o que queria fazer. “Já estava há quatro anos para fazer um álbum, na Dropbox tinha um som e meio acabados e pensei «ou deixo de fazer música, porque não tenho inspiração, ou agarro a minha última chamada»”.

A última chamada veio do Porto e foi o pianista e arranjista André Areias quem a fez. “Falei com ele e fui para o estúdio no Porto para compor”. Em 10 dias fez 10 músicas, quase tudo ao primeiro take: “Quando estou a fazer um instrumental, passado um minuto já sei se aquilo é a minha cena ou não”.

Com minúcia e atenção ao detalhe, como se de filigrana se tratasse, Mike11 reuniu 15 temas e juntou-os em 19.2k, álbum de estreia lançado em novembro e que alude aos quilates do ouro português. Afinal, para este virtuoso que ainda hoje vai aparecendo na Mesa de Frades e na Bela para ouvir e tocar fado ao lado de pessoas com quem tem grande familiaridade, a guitarra portuguesa é o ouro da música em Portugal.

A capa do álbum de estreia de Mike11

Nem cantor, nem guitarrista, nem produtor. “Isto é uma linguagem”

O que podemos encontrar em 19.2k é uma espécie de flirt entre o R&B do final dos anos 90 e início de 2000 com o virtuosismo da guitarra portuguesa, embrulhado num sentimento latino a lembrar um Más de Alejandro Sanz em faixas como “Rua” ou “Noite”.

Pode parecer uma combinação improvável, mas à medida que os temas se vão sucedendo é impossível não reparar no cuidado com que Mike11 escolhe entrar na canção. Com um solo ou apenas com um apontamento dedilhado, joga com as batida, faz uma melodia ao piano, suspende o ritmo, vai buscar arranjos de cordas para abrir e fechar o disco, usa o auto-tune. Em suma: articula tudo numa estética que até aqui não tínhamos conhecido e que, ao invés de parecer um exercício desesperado de unir influências, flui de forma natural e apaixonada.

“Nunca me identifiquei tanto comigo. Hoje em dia sinto que nem sou cantor, nem guitarrista, nem produtor. Isto é uma linguagem e todos os dias vou aperfeiçoando ou tentando aperfeiçoar”, revela, com uma maturidade invulgar para um músico jovem que já mostrou que se sabe equilibrar entre o brilhantismo e a contenção, num domínio seguro de todas as fazes de produção.

Ao lado de Mike11, encontramos duetos com T-Rex em “Bloods”, “um dos mentores do projeto e uma inspiração para mim”, com o rapper Stevão NDM em “Escodji”, com Dmauri em “Jura”, o terceiro single retirado do álbum depois de “Pra Quê Falar” e “Qualquer hora”, e com Bárbara Bandeira em “Ride”.

“A Bárbara Bandeira tinha 5 anos e eu já tocava fados com a Mariza!”, atira. “Como somos amigos de longa data já tínhamos falado em fazer uma música e eu queria fazer uma cena que aos meus olhos também fosse a cena dela”. A composição foi entregue a Carolina Deslandes e o resultado é um diálogo cheio de líbido, a lembrar os tempos áureos de Ja Rule e Ashanti.

Apesar da vontade em apresentar 19.2k ao vivo, a pandemia ainda não deu oportunidade a Mike11 de agendar datas. Novidades virão em breve, garante, e, para já, tudo o que o músico espera é que as pessoas guardem um tempinho para ouvir o seu disco. “Eu fui criado num meio em que ouvimos os álbuns todos de uma ponta à outra, vezes sem conta. Mas hoje em dia as pessoas não têm tempo, são demasiados artistas a lançar música nova todos os dias e até os áudios do whatsapp dão para pôr na velocidade 2x. É assustador! Acho que é preciso ter-se novamente esse cuidado, porque se não a arte vai morrendo aos poucos”.

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