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AUSTIN, TX - SEPT 1: Pro-choice protesters march outside the Te
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Nova lei proíbe o aborto após as seis semanas de gravidez

The Washington Post via Getty Im

Nova lei proíbe o aborto após as seis semanas de gravidez

The Washington Post via Getty Im

Os direitos conquistados no caso “Roe contra Wade” há 50 anos estão em risco? O Texas pôs os Estados Unidos a discutir o futuro do aborto

Lei antiaborto criou “pântano processual”. Direitos conquistados há quase 50 anos estão em causa. Paga-se 10 mil euros a quem denuncie quem aborte depois das seis semanas de gravidez.

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Uma mulher residente em Houston, no Texas, fez uma ecografia na passada quarta-feira, dia em que entrou em vigor a restritiva lei antiaborto naquele estado norte-americano. Nesse exame descobriu que estava grávida de cinco semanas, mas na clínica ficou também a saber que tinha testado positivo ao novo coronavírus e que precisaria de cumprir quarentena. À luz da nova legislação, quando terminar o período de isolamento ficará impossibilitada de abortar, uma vez que a interrupção da gravidez passou a estar proibida depois da sexta semana.

Esta história, contada pelo The New York Times, expõe o dilema que milhares de mulheres podem enfrentar no Texas nos próximos tempos devido à entrada em vigor de uma lei que é considerada a mais restritiva dos Estados Unidos e o maior retrocesso desde que o direito ao aborto foi garantido pelo Supremo Tribunal dos Estados Unidos em 1973. Aconteceu no emblemático caso Roe contra Wade, que definiu que a gravidez pode ser interrompida desde que o feto não seja viável, o que costuma poder ser definido entre a 22.ª e a 24.ª semana de gravidez.

Desde então, a lei do aborto tem sido contestada em vários estados norte-americanos, sobretudo conservadores dominados pelo Partido Republicano, mas esbarrado sempre nos tribunais. No entanto, uma lei aprovada inicialmente em maio, pelo governador do Texas, Greg Abbott, mergulhou aquele estado republicano (e também o resto do país) na incerteza sobre até que ponto os direitos conquistados há quase 50 anos estão em risco no futuro.

Protestors Rally Against Restrictive New Texas Abortion Law In Austin

Protestos em Austin, Texas, contra a lei aborto

Getty Images

À luz da nova legislação, o aborto torna-se praticamente impossível no Texas. Os apoiantes da medida invocaram a chamada “lei do batimento cardíaco” — que normalmente acontece após as seis semanas, quando se começa a ouvir o coração do feto a bater, embora o conceito não seja consensual na comunidade científica, que nota que nessa altura apenas existe atividade elétrica nas células em desenvolvimento —, para determinar que a partir daí seja impossível abortar. Do lado contrário, os críticos notam que, até às seis semanas, muitas mulheres ainda nem sequer sabem que estão grávidas, sendo que a nova lei nem sequer possibilita a interrupção da gravidez em casos de incesto ou violação. Seja como for, as clínicas estimam que a nova legislação possa afetar entre 85% a 90% dos abortos realizados no Texas.

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Está em vigor a lei mais restritiva do aborto no Texas. As mulheres têm até seis semanas para interromper a gravidez

No entanto, apesar das denúncias de inconstitucionalidade apresentadas por organizações de defesa do direito ao aborto e dos apelos para que a legislação seja suspensa, o Supremo Tribunal norte-americano deu uma vitória aos opositores da interrupção da gravidez, ao recusar bloquear a lei, ao mesmo tempo que se escusava a decidir sobre a constitucionalidade da mesma.

“A lei é deliberadamente projetada para criar o exato pântano processual em que estamos agora”
Stephen Vladeck, professor de Direito Constitucional na Universidade do Texas

Apesar de o Supremo Tribunal ter uma maioria conservadora (cinco juízes, incluindo os três nomeados por Donald Trump, votaram para manter a lei, e os restantes quatro no sentido inverso), a forma como a decisão foi tomada causou surpresa e tem sido considerada como uma posição sem precedentes e que abre a porta a que outros estados norte-americanos sigam o exemplo do Texas. Num curto parágrafo a justificar a decisão, a maioria dos juízes do Supremo justificou a decisão afirmando que foram levantadas “questões graves sobre a constitucionalidade da lei do Texas”, mas concluíram que os argumentos apresentados não vão ao encontro das questões processuais “complexas e novas”, acrescentando que a lei ficará em vigor enquanto as questões legais forem litigadas.

O “pântano processual” e a recompensa de 10 mil dólares para quem fizer denúncias

A chave para que a lei possa ter passado sem que a sua constitucionalidade fosse questionada parece ser a forma como a própria lei foi escrita, uma vez que esta faz com que a fiscalização não recaia sobre as autoridades, mas sim sobre os cidadãos.

O Supremo Tribunal dos EUA recusa-se a bloquear a lei de aborto do Texas

De acordo com a nova legislação, qualquer cidadão do Texas pode apresentar uma denúncia contra alguém que “ajude ou incite” uma mulher a abortar depois das seis semanas de gravidez. Isso abrange desde médicos, enfermeiros, organizações que auxiliem a mulher a pagar o aborto ou até um motorista que leve uma mulher a uma clínica para interromper a gravidez. Caso vença o caso nos tribunais, a pessoa que fez a denúncia pode receber 10 mil dólares, o que faz com a nova legislação seja vista como um esquema para ganhar recompensas, numa altura em que organizações antiaborto incentivam as pessoas a fazerem essas denúncias — a organização antiaborto Texas Right to Life chegou mesmo a criar um site onde as pessoas podem fazer denúncias de forma anónima sobre quem violar a lei.

Assim, ao colocar o cumprimento da lei na mãos dos cidadãos e não nas autoridades governamentais (que estão impedidas de avançar com processos judiciais nestes casos), a nova legislação não pode ser contestada nos tribunais até que um cidadão condenado por ajudar uma mulher a interromper a gravidez inicie um processo a contestar a sentença.

Protestors Rally Against Restrictive New Texas Abortion Law In Austin

Nos últimos dias, também os ativistas antiaborto têm saída às ruas do Texas, mas para manifestar apoio à nova legislação

Getty Images

“A lei é deliberadamente projetada para criar o exato pântano processual em que estamos agora”, afirmou ao The New York Times Stephen Vladeck, professor de Direito Constitucional na Universidade do Texas, acrescentando que o principal objetivo da legislação é intimidar as clínicas de forma a que estas não façam abortos, uma vez que, caso o façam, correm o risco de enfrentar longos e dispendiosos processos judiciais.

A lei do Texas obriga qualquer pessoa que queira ajudar uma mulher a abortar, seja um médico ou um amigo, a violar a lei, colocando-se em risco de ser multado em pelo menos 10 mil dólares antes de poder reivindicar a proteção [do caso] Roe"
Priscilla J. Smith, professora de Direito da Universidade de Yale

Prova de que a nova legislação está a ser eficaz é que, segundo o The Washington Post, ainda não há registo de nenhum processo que tenha dado entrada nos tribunais, o que parece indicar que as clínicas estão a cumprir com a nova lei. A procura para a interrupção da gravidez diminuiu e as clínicas deixaram de fazer abortos após as seis semanas de gravidez, temendo represálias.

“A lei do Texas obriga qualquer pessoa que queira ajudar uma mulher a abortar, seja um médico ou um amigo, a violar a lei, colocando-se em risco de ser multado em pelo menos 10 mil dólares antes de poder reivindicar a proteção [do caso] Roe”, disse Priscilla J. Smith, professora de Direito da Universidade de Yale, à CNN.

Enquanto continua a incerteza, e perante a inação do Supremo, que não se debruçou sobre a sua constitucionalidade, a legislação manter-se-á em vigor. Para Stephen Vladeck, não há dúvidas de que a maioria dos juízes do Supremo “escondeu-se atrás desse pântano” processual e que a sua “não intervenção é um presságio sinistro para o futuro [dos direitos alcançados com o caso] Roe”.

Com a maioria conservadora no Supremo, “Roe contra Wade” está em risco?

Foi precisamente no Texas, na década de 1970, que aconteceu o caso Roe contra Wade, quando duas advogadas iniciaram um processo em defesa de Jane Roe (nome fictício), uma mulher que disse ter ficado grávida após ser violada. Em 1973, já depois de a filha de Roe ter nascido, o Supremo deu razão à queixosa, reconhecendo o direito da mulher interromper a gravidez enquanto o feto for considerado inviável, isto é, incapaz de sobreviver fora do útero, no que constituiu uma derrota para o estado do Texas, representado pelo advogado Henry Wade. Este caso levaria a mudanças profundas na lei da interrupção da gravidez nos Estados Unidos e desde então tem sido o garante do direito das mulheres ao aborto.

Com a juíza Amy Coney Barrett no centro, começou a batalha pelo Supremo Tribunal — onde todos têm telhados de vidro

Contudo, com a morte da juíza Ruth Bader Ginsburg — que se envolveu ativamente no caso Roe contra Wade — em setembro do ano passado, a composição do Supremo sofreu uma reviravolta decisiva, com a nomeação da juíza conservadora Amy Coney Barrett para o cargo, que é vitalício. Antes dela, o então Presidente Donald Trump já tinha nomeado outros dois juízes conservadores para o Supremo — Brett Kavanaugh e Neil Gorsuch, o que fez com o que a mais alta instância judicial do país ficasse com cinco juízes conservadores e três liberais. O presidente do Supremo, John G. Roberts, apesar de ter sido nomeado pelo republicano George W. Bush, tem votado várias vezes ao lado dos liberais.

Num país em que o aborto é uma questão polarizadora — uma sondagem recente da NBC indicava que 54% dos norte-americanos defendem que o aborto deve ser legal, contra 42% que consideram que deveria ser ilegal —, um Supremo de maioria conservadora deu gás às pretensões dos grupos antiaborto que pretendem pôr fim aos direitos alcançados com o caso Roe contra Wade, e aumentou as preocupações entre as organizações defensoras dos direitos das mulheres.

"A lei, e a forma como surgiu — através da recusa do Supremo Tribunal dos EUA em bloqueá-la com base no precedente legal existente — não só fez com que o Texas andasse para trás, como, aos olhos da comunidade internacional, fez com que todo o país andasse para trás”
Melissa Upreti, responsável do grupo de trabalho da ONU sobre discriminação contra mulheres

A entrada em vigor da lei restritiva no Texas e a forma como o Supremo se pronunciou sobre a mesma gerou críticas por parte das Nações Unidas, que teme que as principais prejudicadas pela nova legislação sejam as mulheres pobres ou de minorias étnicas.

“Esta nova lei tornará o aborto inseguro e mortal e criará um novo conjunto de riscos para mulheres e raparigas. É profundamente discriminatória e viola vários direitos garantidos pela lei internacional”, afirmou ao The Guardian Melissa Upreti, responsável do grupo de trabalho da ONU sobre discriminação contra mulheres. “A lei, e a forma como surgiu — através da recusa do Supremo Tribunal dos EUA em bloqueá-la com base no precedente legal existente — não só fez com que o Texas andasse para trás, como, aos olhos da comunidade internacional, fez com que todo o país andasse para trás”, criticou.

O Supremo Tribunal dos EUA tornou-se uma arma política?

Nos Estados Unidos, enquanto paira a incerteza sobre o futuro, as atenções começam já a virar-se para o Mississipi, que quer proibir o aborto a partir das 15 semanas de gravidez — exceto em casos de emergência médica ou anormalidade fetal grave —, e, mais do que isso, reverter os direitos alcançados após o caso Roe contra Wade.

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Chegada de Amy Coney Barrett a juíza do Supremo (cargo vitalício) desequilibrou o mais alto órgão judicial dos EUA a favor dos conservadores

AFP via Getty Images

A lei tem sido barrada em vários tribunais, mas vai chegar ao Supremo, que deverá tomar uma decisão até à primavera do próximo ano. O objetivo dos grupos antiaborto e daquele estado republicano é reverter a questão da viabilidade do feto, abrindo a porta a que, no futuro, a decisão caiba aos estados, que passariam a poder proibir o aborto mesmo antes da 24.ª semana de gravidez. A posição da maioria dos juízes do Supremo em relação ao Texas faz aumentar a incerteza sobre que decisão será tomada no Mississipi.

Administração Biden tenta travar lei na Justiça. Democratas podem esbarrar na polarização

Mas quando ainda falta cerca de um ano para que haja uma decisão sobre o Mississipi, a forma como a nova lei vai ser aplicada no Texas centra todas as atenções, numa altura já que outros estados norte-americanos admitem impor uma legislação semelhante à que entrou em vigor na semana passada — além do Mississipi, Florida, Arkansas, Indiana, Dacota do Norte ou Dacota do Sul são alguns dos que já manifestaram essa intenção.

"A decisão do Supremo Tribunal, da noite para o dia, é um ataque sem precedentes aos direitos constitucionais de uma mulher sob Roe contra Wade, que tem sido a lei durante quase cinquenta anos"
Joe Biden, referindo-se ao facto de Supremo não ter travado a lei antiaborto no Texas

No Texas, enquanto organizações antiaborto como a Texas Right to Life falam numa “política histórica que vai salvar vidas”, as organizações de defesa dos direitos das mulheres temem o aumento dos abortos clandestinos, procurando soluções para as mulheres que pretendem interromper a gravidez, soluções essas que podem passar por fazer o procedimento noutro estado que não o Texas, onde a lei em questão não se aplique.

Posição do católico Biden sobre o aborto aprofunda discórdias na Igreja no dia da tomada de posse

Estas preocupações estendem-se também à Administração Biden, tendo o próprio Presidente norte-americano criticado veementemente a lei aprovada no Texas, apelidando-a de um “ataque sem precedentes” aos direitos das mulheres, ao mesmo tempo que garantia que o seu governo iria “proteger e defender os direitos constitucionais” garantidos após o caso Roe contra Wade.

attorney-general (cargo que é um misto de procurador-geral com ministro da justiça) norte-americano, Merrick Garland, prometeu ajudar as clínicas e assegurou que não vai “tolerar violência contra aqueles que procurem obter ou fornecer serviços de saúde reprodutiva”, no que pode ser interpretado como a procura de recompensas através de denúncias, invocando a Lei de Liberdade de Acesso a Clínicas (FACE, na sigla em inglês). Na quinta-feira, o Departamento de Justiça processou o estado do Texas, considerando que a legislação antiaborto é “inconstitucional”, pedindo por isso que um juiz declare a medida ilegal e bloqueie a sua aplicação de forma a “proteger os direitos que o Texas violou”. O governo norte-americano, justificou Garland, “tem a obrigação de garantir que nenhum estado possa privar os indivíduos dos seus direitos constitucionais”.

Se estas tentativas da Administração Biden para travar a nova lei antiaborto no Texas serão bem sucedidas é ainda uma incógnita e os democratas no Congresso estudam alternativas para travar a aplicação da legislação. A presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, prometeu que a câmara baixa vai votar até ao final de setembro uma lei federal que proteja o direito ao aborto. Contudo, mesmo que consiga uma fácil aprovação no congresso, a lei dificilmente passará no Senado, onde seriam precisos 60 votos favoráveis (e os democratas apenas têm 50 senadores). No meio da incerteza sobre o futuro do direito à interrupção da gravidez, as divisões profundas permanecem nos Estados Unidos, que não conseguem pôr fim à polarização dos últimos anos.

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