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Desde a noite de sexta-feira que tudo aponta para o recuo da administração de Joe Biden no apoio incondicional e sem reservas a Israel. Perante uma grande ofensiva terrestre da Faixa de Gaza que deverá continuar a somar milhares de vítimas civis, a postura já não é a mesma — segundo funcionários da Casa Branca citados pelo Washington Post e que estão próximos das conversações sobre o conflito israelo-palestiniano, os EUA apelam a uma ponderação numa estratégia israelita que privilegie ataques cirúrgicos em detrimento dos ataques indiscriminados que continuam a decorrer contra o território.
Nem o Presidente norte-americano nem outro membro da administração confirmaram ou comentaram o intenso bombardeamento aéreo lançado sobre a Faixa de Gaza em vésperas de se assinalar a terceira semana do ataque surpresa do Hamas sobre Israel. John F. Kirby, porta-voz da Casa Branca, foi claro na recusa a responder sobre o que se vivia no Médio Oriente, remetendo as “perguntas difíceis” para o exército de Israel e destacando, em vez disso, a pressão dos EUA para que seja interrompida a campanha contra o Hamas se permita a chegada da ajuda humanitária que segue em camiões, principalmente de combustível, que escasseiam de dia para dia na região palestiniana.
O porta-voz revelou mesmo que o Presidente norte-americano e o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu não estiveram em contacto na sexta-feira e nunca respondeu à questão que todos tinham na cabeça: Israel avisou os EUA antes de avançar para um ataque de maior dimensão na Faixa de Gaza?
Perguntas como esta parecem acumular-se nos corredores da Casa Branca, que ainda há poucos dias tinha enviado militares do exército norte-americano para auxiliar e aconselhar a liderança militar israelita na operação em Gaza. Uma tentativa clara de contrabalançar as intenções impiedosas num ataque com potencial para continuar o saque às vidas de milhares de inocentes que, mesmo sob os diversos avisos de Israel para o abandono da zona norte da Faixa de Gaza, não têm condições para sair — pessoas hospitalizadas, bebés prematuros, profissionais de serviços fundamentais.
Os EUA parecem querer aliviar dos seus ombros o peso das mortes inevitáveis em resultado de um ataque indiscriminado e revelam cada vez mais incertezas relativamente aos métodos de Israel. Um ex-diplomata israelita, Alon Pinkas, numa análise sobre as recentes interações entre os dois países feita ao The Guardian, garantiu não ter dúvidas das reservas dos americanos. “O que eles estão a questionar é a qualidade da tomada de decisão israelita. Penso que estão a ver aqui uma incompetência grosseira a vários níveis”, considerou.
Dúvida 1: O risco de não conseguir salvar os reféns presos em Gaza
Dos 224 reféns detidos em Gaza, mais de 130 são estrangeiros ou cidadãos israelitas com dupla nacionalidade. Duas norte-americanas foram libertadas por “razões humanitárias”. Mãe e filha visitavam familiares em Israel quando o ataque do Hamas, a 7 de outubro, as arrastou até à Faixa de Gaza onde permaneceram em cativeiro durante duas semanas.
A libertação destas reféns, a 21 de outubro, e de duas idosas israelitas na passada segunda-feira foi vista como uma estratégia do Hamas para atrasar a ofensiva terrestre de Israel. O ceticismo em relação à cedência não carece de justificações complexas — o mundo assistiu à brutalidade do grupo terrorista no primeiro sábado deste mês, com o massacre de famílias inteiras nas casas da fronteira de Israel com Gaza e de dezenas de jovens num festival de música eletrónica.
A expectativa de o Hamas continuar a ceder, depois de libertar quatro reféns, e de os tirar do centro do ataque pode ter pesado, mas não chegou para Israel se conter num ataque alargado à região Norte de Gaza. Esta pode bem ser uma das principais dúvidas que levam os EUA a tentar moderar as intenções de Netanyahu — poupar a vida aos mais de 200 sequestrados, ou pelo menos expiar a responsabilidade que lhe seria imputada no caso de continuar a apoiar sem limites as ações militares israelitas.
Dúvida 2: O receio de que o conflito alastre
Bem ao lado do conflito israelo-palestiniano, as tensões são muitas e os protagonistas voláteis. Uma fagulha levada pelo vento do Médio Oriente pode chegar ao Iraque, à Síria e ao Irão. Tem até o poder de chegar aos EUA, não literalmente, mas pelo menos aos militares norte-americanos que combatem nestes territórios.
“Qualquer erro de cálculo na continuação do genocídio e das deslocações forçadas pode ter consequências graves e amargas, tanto na região como para os belicistas.” A frase é do ministro dos Negócios Estrangeiros do Irão, Hossein Amir-Abdollahian. Como refere a CNN Internacional, as palavras do governante iraniano não são uma análise, mas sim uma ameaça. E os EUA, do outro lado da barricada no conflito com o Irão, têm consciência do emaranhado de ataques armados que podem surgir.
Com centenas de militares americanos em missão no Iraque e na Síria e de outros representantes, não é uma surpresa que a Casa Branca tema uma disseminação dos ataques armados que provoque baixas nos seus homens em missão no Médio Oriente. Nas últimas três semanas, os ataques do Irão a instalações norte-americanas multiplicaram-se e Biden deixou o aviso ao país: a resposta não tardaria se o fogo iraniano não cessasse. Disse e cumpriu. Na sexta-feira, os EUA lançaram dois ataques contra instalações ligadas à Guarda Revolucionária do Irão no leste da Síria, informou o secretário de Defesa norte-americano, Lloyd Austin, em comunicado.
EUA bombardeiam instalações da Guarda Revolucionária do Irão no leste da Síria
Os ataques surgiram depois de o Pentágono ter confirmado que pelo menos 21 soldados norte-americanos tinham sofrido ferimentos ligeiros em vários ataques com drones de milícias pró-iranianas no Iraque e na Síria desde 17 de outubro.
Ryan Crocker, um diplomata reformado que atuou em vários países do Médio Oriente, incluindo a Síria e o Iraque, disse à Time que perante um cenário em que um ataque de grupos armados iranianos resulte na morte de um militar norte-americano, Biden ficará sob enorme pressão para retaliar com força. Esta resposta, segundo o antigo embaixador, aproxima os EUA de uma guerra direta com Teerão.
A administração norte-americana espera que a demonstração da sua força militar no Mediterrâneo ajude a impedir uma escalada dos combates noutros locais das fronteiras de Israel, incluindo na Cisjordânia ocupada. Um funcionário da Casa Branca não identificado pela mesma revista garantiu que a intenção dos EUA é a de “conter o conflito a Gaza”.
Biden já alertou os inimigos de Israel. “Deixem-me dizer isto o mais claramente possível: este não é um momento para qualquer partido hostil a Israel explorar estes ataques para obter vantagens. O mundo está a ver”, avisou o Presidente norte-americano, apenas um dia após o ataque do Hamas contra civis em Israel, prevendo o perigo iminente do alastrar do conflito israelo-palestiniano.
Dúvida 3: O reflexo do passado no atual conflito
“Quando o Presidente Biden adverte o governo israelita para não repetir os erros que cometeu no Afeganistão, está a falar com base numa experiência significativa”, afirmou à CNN Internacional Karin von Hippel, antiga conselheira dos militares norte-americanos no combate ao terrorismo, que admite o exagero na ação norte-americana após o ataque terrorista do 11 de setembro. “Perderam grande parte da boa vontade inicialmente gerada no rescaldo imediato, quer em termos da ‘guerra de escolha no Iraque’ e das suas consequências, quer da expansão da guerra no Afeganistão”, afirmou.
Como recorda Sam Kiley correspondente internacional sénior da CNN Internacional, em 2017, as forças armadas iraquianas, apoiadas por forças especiais americanas e britânicas, bem como por ataques aéreos implacáveis, levaram, mesmo assim, nove meses a expulsar os combatentes do Estado Islâmico de Mosul. A cidade do norte do Iraque foi em grande parte esvaziada de civis, como acontece agora com Gaza, mas os combates travaram-se casa a casa. “O ISIS utilizou os sistemas de túneis que tinha construído para encurralar as tropas governamentais que, penosamente, tomaram Mosul tijolo a tijolo”, escreve o jornalista.
Os EUA sabem, por experiência própria, que não se deve subestimar células terroristas, como o Hamas. Numa análise comparativa com as lições da presença norte-americana em Mosul, o especialista em assuntos militares e de segurança do Iraque, Irão e dos países do Golfo Pérsico, Michael Knights, assinala os 15 anos que o Hamas teve “para preparar uma densa ‘defesa em profundidade’ que integra fortificações subterrâneas, ao nível do solo e acima do solo, túneis de comunicação, colocações e posições de combate”. Destacou ainda os “potenciais campos de minas, engenhos explosivos improvisados, minas anti-armadura de penetração explosiva e edifícios equipados com armadilhas explosivas” que serão enfrentados pelos militares israelitas numa incursão terrestre a Gaza.
Netanyahu assumiu este sábado que a guerra vai ser “longa e difícil”, num discurso em que considerou a cidade de Gaza e a região circundante como um “campo de batalha” e ordenou aos residentes que “partam imediatamente” para o sul. Mas uma das dúvidas dos EUA, que faz com que apele a um recuo de Israel, prende-se, certamente, com o reflexo do passado que vê no espelho do atual conflito.
Segundo o The Guardian, calcula-se que, em 2017, 13 mil edifícios tenham sido destruídos na zona ocidental de Mosul ao longo de 180 dias de combates e que a tomada de toda a cidade tenha demorado 277 dias, durante os quais foram mortos cerca de 9 mil civis. O número de palestinianos civis mortos, na quinta-feira, rondava os 7 mil, número que se prevê que aumente rapidamente à medida que as condições de vida se desmoronam e a ofensiva terrestre avance. As contas são fáceis de fazer: falta pouco para, no espaço de três semanas, o número de mortes ser o mesmo.
Dúvida 4: O que acontece depois de Israel invadir Gaza?
É clara a preocupação dos EUA sobre o que acontece quando os militares israelitas chegarem ao lado de lá por via terrestre. Prova disso são os especialistas em batalha urbana enviados pelo Pentágono ao exército de Netanyahu. O New York Times citou altos funcionários da Casa Branca que admitem o receio de Israel não ter objetivos militares exequíveis em Gaza e de as Forças de Defesa de Israel ainda não estarem preparadas para lançar uma invasão terrestre que seja eficaz.
“Não acho que Israel tenha uma estratégia em relação ao que fazer a seguir”, admitiu também uma fonte dentro da administração norte-americana à CNN Internacional.
Nimrod Novik, conselheiro de política externa de Shimon Peres quando este era primeiro-ministro de Israel, afirmou ao The Guardian: “A história diz-nos que quando uma força extrema desaparece, a sucessora tende a ser muito mais extrema e violenta do que a que substitui.” O especialista alerta, assim, para o pós invasão a Gaza e para a falta de perspetivas e planeamento israelita, que pode culminar em crise interna e no extremar da liderança no território.
Joe Biden já alertou para a necessidade de antever o que acontece depois de uma vitória de Israel. “Quando esta crise terminar, tem de haver uma visão do que vem a seguir”, disse na sexta-feira, garantindo que os EUA se colocam do lado de uma “solução de dois Estados”, através de um “esforço concentrado de todas as partes — israelitas, palestinianos, parceiros regionais, líderes globais — para nos colocar no caminho da paz”.
Ao The Guardian, um general israelita falou, de forma anónima, na esperança em que as potências regionais intervenham com investimentos na reconstrução de Gaza e que, de alguma forma, supervisionem a transição para um regime não Hamas, possivelmente para a Autoridade Palestiniana.