Os Vencedores

Rui Tavares

O Livre gosta de ser visto como o partido onde todos dão as mãos, partilham flores e cantam hinos à humanidade. Sabemos que não é assim. Não foi assim com Joacine Katar Moreira e não foi assim agora com o polarizado processo das primárias para a escolha dos candidatos às eleições europeias. Como disse Ricardo Sá Fernandes em entrevista ao Observador, “as pessoas são terríveis umas com as outras”. Apesar disso, Rui Tavares conseguiu que, neste fim de semana, o Livre não se entretivesse e se perdesse em mini-micro guerrilhas. Além disso, nas eleições para os órgãos internos, conseguiu ganhar sem esmagar: a lista de Rui Tavares ficou em primeiro lugar, mas apenas com 61%. É um equilíbrio zen que lhe permite mandar sem que se dê por isso. Imagina-se que fosse esse o plano desde o início.

Francisco Paupério

Existia a expectativa de perceber como seria recebido neste Congresso depois de umas primárias particularmente conturbadas, que atiraram o Livre para o divã, a refletir sobre se o partido corre ou não o risco de ser tomado por dentro – Ricardo Sá Fernandes até em “seitas” falou. De resto, a lista de candidatos às europeias foi aprovada por apenas 13 votos a favor, 18 abstenções e 6 votos contra, prova provada da resistência que o nome de Paupério provocava internamente. Em pleno Congresso, ainda teve de levar com a sombra de Filipa Pinto, número dois às europeias e evidente favorita da linha oficial do partido, que discursou durante largos minutos e levantou várias vezes a sala. Apesar de tudo, Paupério não perdeu no palmómetro e não será exagerado dizer que conseguiu, pelo menos, um voto de confiança para os quinze dias de campanha. Agora não há outra forma de o dizer: se falhar a eleição para o Parlamento Europeu, terá uma vida muito complicada no Livre.

Pedro Nuno Santos

Aconteça o que acontecer, na vitória ou na derrota, na alegria ou na tristeza, na saúde ou na doença, na riqueza ou na pobreza, o Livre quer estar ao lado do PS — e não há nada que os separe. Não era preciso assistir a um congresso do Livre para saber isso, mas o Livre fez questão de que isso saísse deste congresso. Rui Tavares subiu ao palco para anunciar à militância que o partido “tem de se preparar para governar este país”. E a forma de o Livre “governar este país”, como Rui Tavares explicou em entrevista ao Observador, é com Pedro Nuno Santos. O Livre, de facto, sempre defendeu uma união à esquerda e sempre defendeu que a esquerda toda deveria ir para o governo, criticando o BE e o PCP por se refugiarem no “protesto” e não no “projeto”. Mas, mesmo sendo apenas a reafirmação de uma crença antiga, terá sido seguramente reconfortante para Pedro Nuno Santos ouvir de novo esta declaração de confiança

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Os vencidos

Filipa Pinto

A número 2 da lista do Livre às europeias foi aplaudida de pé quando se dirigiu ao púlpito para discursar. Foi repetidamente aplaudida de pé quando enunciou os vários problemas do mundo que o partido “não aceita”. E foi aplaudida de pé quando terminou o discurso, a que se somaram gritos de “Fi-li-pa”, “Fi-li-pa”. Mas, na verdade, não era de nada disto que Filipa Pinto estava à espera. Quando avançou para as eleições internas que escolheriam a lista de candidatos a Bruxelas, tinha o apoio e o aplauso da direção em geral e de Rui Tavares em especial. Apesar disso, foi ultrapassada por Francisco Paupério, que teve um apoio inesperado e avassalador de não militantes, que levou até a uma tentativa de mudar as regras da eleição a meio. Nas primeiras horas do congresso, percebeu-se que, do topo às bases, o nome de Paupério ainda provocava alergias. Mas, no último dia, quando subiu ao palco depois de Filipa Pinto, Paupério já tinha o partido com ele. Foi aplaudido quando se dirigiu ao púlpito para discursar. Foi repetidamente aplaudido de pé quando enunciou os vários objetivos do partido no Parlamento Europeu. E foi aplaudido de pé quando terminou o discurso, a que se somaram gritos de “Fran-cis-co”, “Fran-cis-co”. Filipa Pinto tem mesmo que se contentar em ser a número 2.

Oposição interna

Um partido que já teve de viver (e ultrapassar) o drama Joacine Katar Moreira (“uma coisa brutalmente traumática”, como lhe chamou Rui Tavares), que voltou a tropeçar nestas europeias e que faz gala de ser profundamente democrático do ponto de vista do funcionamento interno, continua enrolado em discussões sobre regimentos, métodos de eleição e estatutos. Ao ponto de exasperar o próprio pai-fundador. “O Livre tem também de ser fiável e ter modos de funcionamento coerentes”, apelou Rui Tavares. A verdade é que, mesmo depois de uma primeira noite com muito ruído, com acusações de asfixia democrática, e apesar dos resultados da oposição interna à linha oficial (as listas B e C tiveram 22% e 14%, respetivamente), a oposição interna à equipa de Rui Tavares não conseguiu condicionar o Congresso e as críticas mais duras ficaram mesmo reservadas à reunião online. No palco, cara a cara, as críticas a Rui Tavares foram quase inexistentes.

O mau exemplo

PAN

Surpreendentemente, sem que nada o fizesse prever, o PAN acabou transformado numa espécie de pinhata em alguns momentos do congresso. Precisamente para aconselhar juízos àqueles que no Livre vão colocando em causa as decisões da linha oficial e que vão apontando críticas duras a Rui Tavares, as principais figuras do partido subiram ao palco do Congresso e lembraram que outros partidos houve que passaram de um deputado para quatro e acabaram quase destruídos depois de lutas fratricidas. O PAN, com quem o Livre disputa naturalmente parte do eleitorado, acabou transformado numa espécie de papão como se usa com as criancinhas: ‘Se não se portarem bem, ficamos como a Inês Sousa Real’. Não é mal pensado, de todo.