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Jeff Tweedy dos Wilco

Redferns

Jeff Tweedy dos Wilco

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Paredes de Coura já não é o que era: 30 anos de um desejo inacabado

Em vésperas do arranque da edição comemorativa dos trinta anos (16 a 19 de agosto), fazemos um raio-x ao cartaz do Vodafone Paredes de Coura 2023, entre passado e presente.

Era segunda-feira de manhã. No carro, a caminho de uma reportagem na tórrida cidade da Régua, passava “Jesus, Etc”, dos Wilco. À aproximação dos versos finais, Last cigarettes are all you can get / Turning your orbit around, o locutor lembrava dos quase trinta anos da banda de Chicago. No dia 19, último do Vodafone Paredes de Coura, os Wilco tocam às 23h para um dos concertos mais aguardados deste cartaz, logo a seguir aos Explosion in the Sky (21h10), quarteto pródigo em lançar o público em viagens espaciais.

O dia fechará com Lorde que, segundo a revista SÁBADO, traz consigo uma comitiva de 50 pessoas e a promessa de festa com o último álbum Solar Power (2022). É à neozelandesa que cabe a honra de encerrar o palco principal de uma edição muito especial que, se se cumprir a tradição e a previsão meteorológica, poderá ter chuva na sexta-feira e no sábado. Levem o vosso melhor impermeável e as vossas melhores galochas, conselho de amiga.

Este ano, o festival minhoto comemora o seu trigésimo aniversário. A evidência faz estremecer o meu companheiro de viagem que, embrulhando-se em contas de cabeça, já nas contracurvas dos socalcos durienses, se apercebe de que esteve na primeira edição de Paredes de Coura a assar um chouriço no capot do carro enquanto via os Ecos da Cave.

“A primeira edição não passou de uma noite de concertos organizada por cerca de 20 amigos. Foi tudo muito amador, mas feito com amor”, leio mais tarde num livro comemorativo dos 22 anos de Paredes de Coura, que a vida se encarregou de mo pôr nas mãos. As palavras são de João Carvalho, um dos atuais diretores do festival, que em 1993 era só um rapaz que ansiava ouvir boa música na sua terra e fazer “algo para a juventude”.

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Essa primeira edição, marcada por descarrilamentos mortais nos horários, teve os Ecos da Cave, Gangrena, Cosmic City Blues, Purple Lips e os Boucabaca – a banda do atual Presidente da Câmara de Paredes de Coura, Vítor Pereira – e custou 180 contos. Hoje, pôr de pé um festival como o Vodafone Paredes de Coura ronda os 3 milhões de euros.

O que é Paredes de Coura?

Quando um festival cresce, há sempre quem torça o nariz. O inevitável suspiro vem então ao de cima: “Paredes de Coura já não é o que era”, dizem os saudosistas. Mas será isso necessariamente mau? A música mudou em trinta anos, as gerações renovaram-se, as águas do Rio Coura, essas que em 2009 se encheram de salmonelas para pesadelo de todos os que ali se banharam, também.

São águas de um rio que Tiago Brandão Rodrigues imaginou partilhar com José Saramago, num tempo não linear, para lhe descrever o “sabor das trutas com pintas” e o “Rock” que todos os anos acontecia nas suas margens. Foi precisamente na sua “aldeia”, como descreve Paredes de Coura no tal livro dos 22 anos do festival, que o ex-Ministro da Educação conheceu o Primeiro Ministro António Costa. Entre a música, fizeram-se amigos e o resto é política.

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Little Simz em Roterdão, em julho

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O mundo gira, qual roda gigante, e o cartaz de 2023, um dos “melhores de sempre do festival”, segundo João Carvalho ao Expresso, é a prova disso mesmo. Os géneros, cada vez mais diluídos, contaminam-se sem pudor e quem se despenteia a ouvir os Black Midi (18 ago., 00h15) também se arrepia com a falsa doçura d’A Garota Não (17 ago., 18h) e com os versos manifesto da rapper londrina Little Simz (18 ago., 01h45). Por falar em “Simbi”, será a segunda vez que a vencedora do Mercury Prize 2022 pisará terras portuguesas, depois de ter passado pelo Primavera Sound no ano passado e de nos ter dado um concerto que nos ficará na memória durante largos anos. Vê-la em Coura com No Thank You (2022) só augura coisas boas.

No mesmo dia teremos o prazer de nos diluirmos na excitante fusão do jazz e do afrobeat dos Kokoroko, às 18h40, nessa hora dourada que se faz oração vespertina para muitos melómanos. Àquela luz do dia, em que as árvores ganham vida antes de se deitarem na noite estrelada, podem-se dar coisas mágicas no anfiteatro natural de Coura.

Assim esperemos que aconteça com os Kokoroko como com Tim Bernardes (17 ago., 18h40), que nas suas Mil Coisas Invisíveis (2022) funde amor e dor como nenhum outro letrista e compositor da sua geração. E o que dizer da soul do histórico Lee Fields (19 ago., 18h)? Já o imaginamos a cantar “I wanna hold you forever / I’m gonna love you forever e os abraços e os beijos a multiplicarem-se na plateia. No Couraíso, há sempre espaço para um carinho.

Eixo Grã-Bretanha – Alto Minho

O soul tem o condão de nos deixar quentinhos mesmo nas noites mais frias e é isso que se espera de Jessie Ware, quando encerrar o palco principal na primeira noite do festival (16 ago., 00h30). Tudo bem que Ware não é uma clássica do soul como Diana Ross, nem será essa a pretensão da britânica que mistura pop, R&B, soul, eletrónica com a desenvoltura de uma dancing queen contemporânea que só quer ver toda a gente a mexer a anca livremente. Caso para dizer, That! Feels Good! (2023).

A quem não agradar o menu, tem bom remédio: ali ao lado, no palco Yorn, os Squid serão um belo pitéu de fazer as delícias dos amantes de post punk (23h50). É só escolher entre a londrina e os miúdos de Brighton, numa edição que foi beber o melhor chá das cinco às terras de sua majestade.

De lá vêm igualmente os Sleaford Mods (19 ago., 19h30), uma dupla que faz do punk, hip-hop e eletrónica irmãos; ou os Frank Carter & The Rattlesnakes (16 ago., 22h40), aquela banda de vocalista carismático que não se ensaia muito para se mandar num crowdsurfing desvairado e que nos lembra o porquê de a música ao vivo ser tão essencial à sobrevivência, como a sombra de uma árvore numa tarde a escaldar na Praia Fluvial do Taboão.

A comitiva britânica não se fica por aqui: ansiamos ouvir a voz sussurrada de Florence Shaw, dos Dry Cleaning, às 18h45, logo no primeiro dia (16 ago.), o indie rock das The Last Dinner Party (18 ago., 23h15), que foi um dos concertos mais elogiados de Glastonbury, nota João Carvalho ao Expresso, ou o hip-hop disfarçado de jazz e soul do londrino Loyle Carner, músico de 28 anos que se tem revelado um mestre da sutileza, capaz de fazer das dores íntimas superação universal (17 ago., 00h).

Os pesos pesados do Taboão

Loyle Carner é de tal forma relevante na cena atual que a organização do Vodafone Paredes de Coura não teve medo de o entrincheirar no meio de duas referências de respeito: The Walkmen (17 ago., 22h) e Fever Ray (17 ago., 01h40). Os primeiros são um dos muitos estilhaços brutais resultantes da explosão do indie rock dos anos 2000, em Nova Iorque. Já não tocavam juntos há 10 anos e a última vez que passaram por Portugal foi em 2012, na sala TMN Ao Vivo, em Lisboa. Será uma daquelas atuações para manter o nervo a latejar, do início ao fim.

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Dez anos depois, os The Walkmen voltaram aos palcos em abril, em Westerly

The Washington Post via Getty Im

Os segundos, são um dos casos mais inovadores no cruzamento da música experimental com a música eletrónica, ou não fosse o projeto sueco liderado pela sempre irreverente Karin Dreijer, cara metade dos The Knife. Podíamos falar de canções como “If I Had a Heart” ou “When I Grow Up”, marcos do primeiro álbum homónimo (2009), mas o último trabalho, Radical Romantics (2023) – que voltou a ter a colaboração da portuguesa Nídia, depois da participação no tema “IDK About You”, de Plunge (2017) – é tão estimulante no seu alienismo e na sua sedução, que a vontade de o testar ao vivo é imensa.

Continuando na liga dos grandes, destaque óbvio para os Yo La Tengo, veteranos que estiveram pela primeira vez em Paredes de Coura no ano de 2000, na mesma noite que os Clã, The The e Sofa Surfers. Nessa altura tinham acabado de lançar Popular Songs (2009), agora rodam o novíssimo This Stupid World (2023), o décimo sexto álbum de originais no qual desabafam que este mundo estúpido os está a matar. Yo La Tengo tocam no primeiro dia (16 ago.) às 20h35, depois do indie-rock de Snail Mail (19h45). A noite acabará em dança, com os Bicep (02h10) e, se tivermos sorte, ainda poderemos ver os resquícios da “chuva de estrelas” das Perseidas.

Trinta anos e um desejo inacabado

Longe vão os tempos, como escreve José Eduardo Martins no tal livro dos 22 anos de Paredes de Coura, em que o “artista mais estrangeiro” que aparecia por aqueles lados era o Carlos do Carmo ou os Jarojupe. “A terra mais parada do Minho”, prosseguindo nas palavras do atual sócio-gerente da produtora Ritmos, responsável pelo festival, passou improvavelmente a ser o “centro das notícias uma vez por ano” e um local de descobertas.

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Sudan Archives, este mês, em Austin

Getty Images

Quem poderia adivinhar que os Arcade Fire, essa manada de músicos excêntricos canadianos que viraram do avesso o palco secundário em 2005, seriam uma das superbandas fenómeno da atualidade? E o que dizer dos Coldplay, esses imberbes que tinham acabado de lançar Parachutes (2000) quando pisaram Portugal pela primeira vez, na praia Fluvial do Taboão, e que este ano fizeram um quatro em linha de concertos lotados no Estádio Municipal de Coimbra?

Paredes de Coura é pródigo nestas epifanias e é por isso que é tão importante prestar atenção aos nomes nas entrelinhas: a nossa curiosidade recai principalmente em Thus Love (dia 18., 21h25), que nos deixaram boas impressões com o álbum de estreia Memorial (2022) e em Clark Cloud (19 ago., 20h30), organismo vivo de músicos canadianos que não tem receio de desafiar os limites da criatividade. Espreitemos também Sudan Archives (17 ago., 21h) e Yung Lean (18 ago., 22h15), entidades que já são mais certeza do que revelação, a bem dizer.

Volvidos trinta anos, Paredes de Coura balanceia-se entre o amor inocente dos primeiros anos e a gestão da marca em que se tornou. Ou, como escreve o autarca Vítor Pereira, entre “o desejo inacabado de nos sentirmos perdidos entre dois infinitos: entre aquilo que somos e aquilo que queremos ser”.

Se daqui a trinta anos continuarmos a ouvir o lamento “Paredes de Coura já não é o que era”, então será sinal de que o festival conseguiu manter-se presente, reinventando-se ao sabor dos ciclos. E isso não é necessariamente mau: é a vida em movimento. Como cantariam os Wilco, What you once were isn’t what you want to be anymore.

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