Durante três minutos e 52 segundos, Pedro Nuno Santos repetiu por sete vezes, esta sexta-feira, que o objetivo do PS é ter o “melhor resultado possível” nas eleições de 30 de janeiro, usou três vezes a expressão “todos concentrados” e duas a palavra “unidos” para garantir que o objetivo socialista é apenas um, ganhar as eleições. É que a antecipação de legislativas provocou uma reviravolta em todos os planos socialistas, incluindo os da sucessão a António Costa onde se alinha, sem rodeios, Pedro Nuno Santos. Mas a ordem nessas hostes é para conter ânimos, por agora.

O próprio tem feito saber, aos seu mais próximos, que está “tranquilo” e alinhado com António Costa na estratégia eleitoral. E entre o seu grupo no PS ouve-se um par de palavras de ordem: “união” por um lado, “acalmia” por outro. Por agora. São vários os nomes afetos à ala esquerda do PS que confirmam a tese: até ao day after, nem pensar em “fragilizar” o partido com debates que “não interessam” — por outras palavras, nem pensar em insistir publicamente em acordos à esquerda, passando uma imagem de divisão interna que não convém alimentar, pelo menos até à ida às urnas. Ou até mesmo sobre a eventual capacidade de Costa para voltar a conseguir um compromisso de governação à esquerda.

Esta semana, a única voz que veio a público fazer a defesa dessa solução foi o do vice-presidente da bancada socialista, Porfírio Silva, que à Lusa defendeu a assunção de “compromissos claros e firmes” com BE e PCP. Mas foi uma voz isolada.

De resto contam-se apelos a que o PS recentre o discurso — e é essa a orientação geral — que se ouviram na voz de António Costa, Carlos César e até do histórico Manuel Alegre. Na direção, a existência de várias vozes públicas a defenderem caminhos diferentes é desdramatizada e vista como vantajosa. “Assim todos ficam de acordo com o PS”, comenta com ironia uma alta patente do partido ao Observador.

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À margem de uma aparição no Seminário Shaping the Future of Mobility, em Lisboa, o ministro das Infraestruturas normalmente solto nas palavras e posicionamento político, desta vez não cedeu às insistências do jornalistas sobre o futuro político e o seu em concreto. Qualquer que fosse a pergunta — sobre a mais recente abertura para encontros à direita ou sobre se está preparado para ser líder — a resposta de Pedro Nuno nunca saiu daquelas três ideias.

A primeira: “O PS vai-se apresentar a eleições com o seu programa, com a sua visão para o país, e deve-se bater pelo melhor resultado possível.”. A segunda, sobre um eventual concurso à liderança: “Não há nenhuma razão para que antecipemos um mau resultado”. E a terceira, sobre a direita e o fim da geringonça: “Temos orgulho no trabalho que fizemos. Ele apresenta resultados. Apresentamo-nos com a confiança no trabalho que fizemos e vamos obviamente batalhar, lutar, para convencer os portugueses”.

E a coser todas as ideias manteve sempre a linha da união: “Neste momento, o PS, ao contrário da grande maioria dos partidos deste país, está unido. E está com um único objetivo: o melhor resultado possível. Temos no PS um partido em que podemos confiar. Não haja a menor dúvida sobre isso: estamos todos unidos e concentrados”.

É a resposta à pressão e dúvidas que existem sobre se estará a preparar um tiro de partida para o pós-costismo. Não está, mas está preparado para essa eventualidade. Entretanto, vai contendo as tropas, ciente de que ainda é cedo para um arranque. A exceção foi quando disse publicamente no início de novembro, avisando que a geringonça não foi um “parênteses” na política portuguesa, está dito.

Por ora, assunto arrumado. “Não faz sentido discutir etereamente quando o PS tem de estar unido e a trabalhar”, diz um dos rostos da esquerda do PS, com um sublinhado importante: “Toda a gente sabe do posicionamento do grupo”. E esse posicionamento é a rejeição, por princípio, tanto do regresso do bloco central como de entendimentos de fundo com o PSD, que passem por mais do que, por exemplo, uma abstenção por cortesia no primeiro Orçamento do novo Executivo, de maneira a desbloquear a governação.

Ou seja: a posição da ala esquerda é conhecida e não convém, em vésperas de eleições, “estar sempre a reafirmá-la”, comenta um socialista. O que não invalida que a oposição a acordos com o PSD se mantenha e que essa divisão se venha a evidenciar no pós-eleições. Em princípio, encara-se a porta aberta por António Costa ao PSD como simples “discurso eleitoral”: o PS precisa de se apresentar como o partido charneira, “acima de querelas”.

Se o PS tiver maioria absoluta — cenários que muitos socialistas dão como praticamente impossível — a discussão fica enterrada. Se não atingir esse objetivo e António Costa tiver dificuldades de assegurar a governação, o caso muda de figura, “Veremos. Aí, sim, o problema poderá ser do “protagonista”, vai-se concluindo entre os pedronunistas.

Desencantados com geringonça também refreiam festejos

Curiosamente, na ala do PS menos rendida à “geringonça”, as premissas são diferentes mas a conclusão é a mesma: há divisões no partido, “profundas” até, mas isso só será um dado claro e assumido no pós-eleições — caso corram mal ao PS.

Para já, defende um desses socialistas, o chumbo com estrondo deste Orçamento veio dar razão a este lado do partido: “O modelo de governação falhou. A rutura é profunda e insuperável, sobretudo com o PCP. Os governos já eram de gestão”. Por aqui, a convicção é que esta ideia vai ganhando ecos no partido e vai tornando evidente a necessidade de mostrar abertura para o diálogo à direita.

Por um lado, publicamente, com as declarações de António Costa, que veio abrir a porta ao PSD; de Carlos César, que ao Observador falou da necessidade de apostar em “consensos mais vastos e densos”; e de Manuel Alegre, que defendeu que, com a geringonça morta e enterrada, o PS deve falar “à esquerda e à direita”. Por outro, nos bastidores em que parte do partido começa a ver como muito difícil, se não impossível, uma reedição dos entendimentos à esquerda, dada a relação crispada com o Bloco de Esquerda e a subida do tom de oposição cada vez mais evidente no PCP.

“O PS está profundamente dividido, mas não se nota porque não há processo de sucessão”, assegura um socialista. E resume os tais tempos de acalmia de que um e outro lado falam: “O partido ainda está no poder e vai todo junto a eleições”. Se houver um resultado que não a maioria absoluta ou uma derrota “estrondosa”… “O partido divide-se”. Ou melhor, expõe as divisões que já existem sobre o caminho a seguir — e, dentro dos pedronunistas, sobre qual é o líder que o deve trilhar. Uma conclusão é óbvia para todos: a união só será duradoura se o poder continuar nas mãos do PS.

“PS não exclui, ambiciona mesmo, consensos partidários mais vastos e densos”, avisa Carlos César