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"The West Wing": nunca mais vimos a Casa Branca assim (mas agora podemos regressar)

Em 1999, Aaron Sorkin escrevia o episódio piloto de uma série sobre a vida na Casa Branca. Mais de 20 anos depois, continua a ser uma referência. E agora podemos ver (ou rever) tudo na HBO Max.

Estamos em abril, mas a renovada HBO Max (a artista anteriormente conhecida por HBO Portugal) acaba de dar uma prenda digna de Natal. As sete temporadas de “The West Wing”, a série política criada por Aaron Sorkin em 1999, chegou finalmente a um serviço de streaming a funcionar em Portugal, completando assim a disponibilidade em modo buffet do meu panteão pessoal das melhores séries de sempre – “The Wire”, “Sopranos”, “Breaking Bad” e agora “West Wing” (“Breaking Bad” pode ser visto na Netflix, as outras três na HBO Max).

Os mais velhos podem lembrar-se de quando a TVI a transmitiu sob o nome “Os Homens do Presidente”, embora eventualmente tenham enfiado o programa nos voláteis horários da madrugada, com o AXN mais tarde a pegar naquela que é uma das séries mais premiadas de sempre nos Emmys – umas modestas 26 vitórias e um total de 95 (!) nomeações.

O nome West Wing refere-se à famosa Ala Oeste da Casa Branca, onde fica situada a Sala Oval e habitam icónicas personagens como o Presidente Bartlet (Martin Sheen), CJ Cregg (Allison Janney), Josh Lyman (Bradley Withford), Leo McGarry (John Spencer), Sam Seaborn (Rob Lowe) ou Charlie (Dulé Hill). É também através desses corredores que se desenvolvem os famosos walk and talks (“anda e fala”), um estilo cinematográfico de ter a câmara acompanhar os protagonistas enquanto estes dialogam e passeiam pelas divisões da Casa Branca, resultando em longos e fascinantes planos de sequência altamente desafiantes para atores e equipas técnicas pela complexidade da coreografia e quantidade de texto. Não tendo sido uma técnica inventada na série, o realizador Thomas Schlamme – frequente colaborador de Sorkin – fez tanto uso dela que se tornou uma das principais imagens de marca de “West Wing”.

[o mais longo “Walk and Talk” da série:]

Outro dos grandes legados são os vertiginosos diálogos compostos (uso esta palavra no sentido sinfónico de quem orquestra) por Aaron Sorkin, com uma cadência, ritmo e velocidade raros na tele-dramaturgia. O obsessivo criador e guionista principal de “West Wing” escreveu quase inteiramente as quatro temporadas em que trabalhou na série, quando um amontoar de problemas pessoais, nomeadamente com drogas, o levaram a sair do projeto. Ao longo do seu tempo ao leme, ficou famoso por raramente dar uso à sua equipa de guionistas, exceto para aceitar algumas ideias para histórias, mas fazendo questão de escrever quase todos os diálogos, a sua grande marca. Tiradas brilhantes, observações mundanas, mas com muito humor, e um ritmo avassalador são alguns dos ingredientes dos guiões de Sorkin e que, nas mãos de maus atores, seriam um desastre e nas impressoras da produção acabavam quase sempre por ter o dobro das páginas de um guião normal com o mesmo tempo, tal o volume de coisas a serem ditas pelos seus fantoches de carne e osso.

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Não sendo uma série densa, os meandros e nuances do sistema político americano, algum jargão técnico e o já referido ritmo a que as pessoas falam fazem com que seja necessária atenção constante, já que por vezes até a legendagem tem dificuldade em acompanhar. Por outro lado, a caderneta de deliciosas personagens que compõem aquela administração é capaz de sozinha conquistar os espetadores.

Presidente Bartlet (para Leo, o seu Chefe de Gabinete): “Eles na Suécia têm uma taxa de literacia de 100%, Leo! Como é que conseguiram?”

Leo McGarry: “Se calhar não têm e também não sabem contar.”

Enquanto alguns filmes e séries com tramas políticas tentam por vezes ofuscar as cores partidárias para evitar ferir suscetibilidades), "The West Wing" é assumidamente sobre uma administração democrata, cujas figuras defendem agendas e causas ligadas à esquerda e aos liberais (no sentido americano do termo), muitas vezes demonizando os republicanos e pintando-os como vilões.

Das muitas personagens principais e secundárias que populam aquela Casa Branca ficcionada, é impossível não destacar algumas das mais marcantes. Desde logo o Presidente Bartlet, brilhante prémio Nobel da Economia que se vira para a política e traz o seu charme de “humor de pai com inteligência” e alguma austeridade quando necessária; Leo McGarry, chefe de gabinete do Presidente e seu amigo de longa data e um dos poucos capazes de o colocar em sentido nos momentos-chave. Temos ainda Josh Lyman, um dos mais jovens e brilhantes no círculo próximo do Presidente, o que lhe dá um ligeira arrogância misturada com ingenuidade; e CJ Cregg, a inteligente (um adjetivo padrão a quase todas as personagens relevantes) e desajeitada Secretária de Imprensa com tanta propensão para lidar com uma sala cheia de jornalistas como para tropeçar num degrau logo a seguir. Falta ainda mencionar a dupla Toby Ziegler e Sam Seaborne, principais responsáveis pela comunicação da Casa Branca, sendo memoráveis as longas, teimosas e acesas discussões entre Toby e o Presidente Bartlet.

Enquanto alguns filmes e séries com tramas políticas tentam por vezes ofuscar as cores partidárias para evitar ferir suscetibilidades (leia-se: tentam não limitar o seu potencial económico ao alienar determinados quadrantes políticos, evitando chamar os partidos pelos nomes), “The West Wing” é assumidamente sobre uma administração democrata, cujas figuras defendem – apaixonadamente – agendas e causas tradicionalmente ligadas à esquerda e aos liberais (no sentido americano do termo), muitas vezes demonizando os republicanos e pintando-os como vilões.

Os constantes dilemas morais e decisões éticas difíceis – de natureza militar, económica, social – com que os mais altos timoneiros de uma nação se deparam e a maneira como as vidas pessoais dos protagonistas se interligam acaba o grande motor de desenvolvimento do enredo.

É ambicioso dar crédito a "The West Wing" por todas as séries políticas posteriores. Mas coisas como "Veep", "Madam Secretary", "House of Cards" ou "Designated Survivor" devem-lhe muito

Antes de criar o drama político televisivo, Sorkin tinha-se estreado no cinema com o memorável “A Few Good Men” (1992) (“Uma Questão de Honra”, onde Tom Cruise interroga um irado Jack Nicholson que lhe diz “You want the truth? You can’t handle the truth!). E é dos restos de outro dos seus projetos iniciais em Hollywood – “The American President” (1995) que conta a história de um presidente (interpretado por Michael Douglas e com Martin Sheen no elenco) que se apaixona por uma mulher enquanto está no cargo – que viria a nascer “The West Wing”. A sua primeira criação televisiva surge 1998 – o divertidíssimo “Sports Night”, sobre os bastidores de um programa de notícias desportivo e que torço que um dia apareça nos serviços de streaming para ser descoberto por um público maior. Como se escrever uma sitcom semanal não desse muito trabalho, Sorkin pega em ideias que lhe tinham sobrado e sido excluídas de “The American President” e junta-lhes um desejo de explorar mais os meandros políticos da Casa Branca para escrever o episódio-piloto de “The West Wing”, que vende à NBC e durante um ano ainda assume a obtusa e hercúlea tarefa de escrever e coordenar as duas séries em simultâneo, antes de dar por terminado “Sports Night” na sua segunda temporada para se dedicar em exclusivo aos Homens do Presidente.

Com a saída de Sorkin ao fim de quatro temporadas, a série continua a cargo de Johhn Wells, Alex Graves e Christopher Misiano nas três seguintes e últimas.

Sorkin voltaria à televisão com o breve “Studio 60 on the Sunset Strip” em 2006, com Matthew Perry (o Chandler de “Friends”) mas a série acabou logo na primeira temporada. Regressa ao pequeno ecrã apenas em 2012 com “The Newsroom”, com esse interregno a servir para escrever três filmes – “Charlie Wilson’s War”, “The Social Network” e “Moneyball”, pelos quais venceu um Óscar e foi nomeado para outro. Desde então, descobriu as virtudes da realização e tem somado o crédito duplo de argumentista e realizador aos seus mais recentes projetos – “Molly’s Game”, “Trial of the Chicago 7” e “Being the Ricardos”.

É curioso como, um pouco à imagem da política, o que os fãs e defensores da série olham como as suas grandes virtudes é aquilo que os seus críticos apontam como imperdoáveis defeitos. Ao mesmo tempo que uns veem uma série sobre personagens altamente inteligentes e eloquentes, outros acusam-na de ser elitista e snob.

É ambicioso querer dar crédito a “The West Wing” por todas as séries de trama política que o sucederam – ao contrário de um “Game of Thrones” que muito claramente é responsável pelo boom de produções de fantasia como “The Witcher” e a versão televisiva de “Lord of the Rings” que aí vem. Mas coisas como “Veep”, “Madam Secretary”, “House of Cards” ou “Designated Survivor” teriam mais dificuldades em arrancar sem que a criação de Sorkin tivesse provado que as pessoas têm mais curiosidade neste tema do que as urnas por vezes sugerem. Quanto ao estilo de linguagem e diálogos, eles vivem nas subsequentes criações do seu autor como “Studio 60” e “The Newsroom” (até pela frequente reciclagem de temas e ideias que Sorkin não tem vergonha de fazer) e joias como “Gilmore Girls” e “Marvelous Mrs Maisel”, duas séries de Amy Sherman-Palladino com o mesmo gene de loquacidade.

Em outubro de 2020, em vésperas da eleição de Biden/Trump, a HBO Max emitiu uma reunião especial com todo o elenco a regressar aos seus papeis para uma versão teatral do episódio “Heartfield’s Landing”, da terceira temporada, para encorajar as pessoas a irem votar. Thomas Schlamme realizou e Sorkin escreveu algum material adicional, num evento que contou ainda com convidados como Samuel L. Jackson, Lin-Manuel Miranda e Michelle Obama.

[o trailer do episódio especial de “The West Wing” de 2020:]

É curioso como, um pouco à imagem da política, o que os fãs e defensores da série olham como as suas grandes virtudes é aquilo que os seus críticos apontam como imperdoáveis defeitos. Ao mesmo tempo que uns veem uma série sobre personagens altamente inteligentes e eloquentes, outros acusam-na de ser elitista e snob. A visão romântica com que a série retrata os mais altos cargos do serviço público é tido por alguns como uma idealização utópica demasiado irrealista para se levar a sério. A convicção de estar do lado certo das questões por parte do Presidente Bartlet e do seu staff é atacada por quem não gosta da série por se tratar de discurso moralista e arrogante dos seus autores.

Será difícil – quiçá impossível e provavelmente inútil – a alguém ver uma série sobre política de maneira imparcial, distanciando-se das suas próprias posições. No entanto, a beleza de ver pessoas bem intencionadas a dedicarem a sua energia pelo serviço público de forma apaixonada comove-me sempre. Eu voto Bartlet.

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