Enquanto os portugueses aguardam as decisões do Conselho de Ministros, que reúne quinta-feira, sobre que medidas serão tomadas para travar a pandemia — algumas já adiantadas ou pedidas pelos partidos — pela Europa, a implementação de restrições contra a nova vaga de Covid-19 provocou uma onda de protestos e confrontos com a polícia. Por agora, o confinamento decidido pelos austríacos é das decisões mais rigorosas, assim como a imposição da apresentação do certificado digital para entrar em vários espaços, mas a Áustria e a Alemanha planeiam mesmo tornar a vacina contra o novo coronavírus obrigatória.
Em Portugal, mesmo não estando ainda definidas as medidas, os especialistas têm estado de acordo em relação ao acelerar das vacinas de reforço nos maiores de 65 anos, em fazer mais testes de diagnóstico e em voltar a usar de novo a máscara de forma mais rigorosa e fiscalizada em mais locais. Portugal continua a ter a maior taxa de pessoas com vacinação completa na Europa, mas será isso suficiente para nos mantermos longe das restrições que se vivem nos outros países?
“Por termos tido mais vacinação e a manutenção de algumas medidas de prevenção, estamos mais à vontade para não tomarmos medidas tão agressivas”, afirma Bernardo Mateiro Gomes ao Observador. O médico de Saúde Pública alerta, no entanto, que não temos razões para relaxar totalmente: as medidas que tomarmos agora (e até à primeira semana de janeiro) vão determinar como é que vai ser o início do ano de 2022.
Se a vacinação aumentasse na Europa poderia travar a quinta vaga?
“As vacinas são uma ferramenta poderosa para manter a saúde pública e as vacinas contra a Covid-19 estão a desempenhar um papel importante no controlo da pandemia”, afirma o Centro Europeu para a Prevenção e Controlo da Doença (ECDC), no seu site. As vacinas autorizadas continuam “altamente protetoras contra a doença grave relacionada com a Covid-19, internamentos e morte”, garante o organismo.
Mas se são capazes de travar a quinta vaga, isso é uma outra história. Bernardo Mateiro Gomes diz que a quinta vaga não se evita, nem se trava, porque já estamos completamente mergulhados nela, incluindo em Portugal. “As pessoas vacinarem-se [agora] para compensarem a falta de vacinação, não vai deixar de ser enquadrado numa quinta vaga que já está a decorrer”, diz.
Nos países onde a taxa de vacinação é mais baixa, os incentivos, medidas restritivas e obrigatoriedades podem levar mais pessoas a serem vacinadas, mas o efeito não se vai notar para já. Primeiro, o sistema imunitário demora cerca de duas semanas a dar resposta à vacina e só então a apresentar alguma medida de proteção contra uma infeção com o coronavírus. Depois, a vacina é menos eficaz a prevenir a transmissão, que é o que grande parte dos países europeus precisa de travar rapidamente — o aumento do número de casos que se tem estado a verificar desde o início do mês.
“Em Portugal, como temos maior cobertura de vacinados, podemos esperar menor impacto a nível de internamento pesado ou de óbitos“, diz Bernando Mateiro Gomes. “Nos países com menor cobertura vacinal, vão demorar a ter essa proteção. Com a quinta vaga em curso e sem outras medidas de mitigação, não é vacinação que lhes resolve o problema.”
Da mesma forma, o reforço da vacinação até pode ter algum impacto nos mais vulneráveis e nas populações mais velhas, reduzindo as infeções e internamentos. Mas também não vai resolver o problema, diz o médico, uma vez que não são estes grupos populacionais que têm mais contactos — os tais que potenciam a transmissão do vírus.
Durante a reunião do Infarmed da última sexta-feira, os especialistas afirmaram que a vacinação era a principal causa para que a mortalidade com Covid-19 fosse mais baixa em Portugal do que noutros países da Europa, apesar de os casos de infeção estarem a aumentar no país. A vacina terá prevenido, entre agosto e outubro de 2021, 3.065 mortes e 14.660 infeções nos maiores de 65 anos, afirmou Baltazar Nunes, investigador no Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge.
Mas, alerta Bernardo Mateiro Gomes, também não nos podemos simplesmente comparar com os outros países, que têm taxas de vacinação ou medidas de controlo diferentes das nossas, que podem ter muito menos idosos com comorbilidades do que Portugal ou cuja estrutura etária da população pode ser distinta da nossa e ter muito mais jovens.
Letalidade 4 vezes menor com vacinação completa. Há menos 90% mortes entre 65 e 79 anos
A vacinação poderia, ainda assim, proteger os sistemas de saúde?
“O Sistema Nacional de Saúde já está, neste momento, com uma carga de outras patologias muito importante”, mesmo que o número de internados com Covid-19 seja muito menor do que no ano passado, diz Bernardo Mateiro Gomes. O mais importante, destaca, é manter a integridade da prestação dos cuidados de saúde, em Portugal e na Europa. As vacinas de reforço podem ter algum impacto nisso, mas tudo depende da quantidade de doses que forem administradas, nota.
“A Covid-19 é uma predadora do sistema de saúde. Os casos de Covid-19 vão requisitar cuidados de saúde com alguma sofisticação, por vezes intensivos, e que fazem com existam menos vagas para outras patologias”, alerta. Estes recursos são limitados, mesmo nos melhores sistemas de saúde, mesmo nos países mais ricos, como a Alemanha ou a Áustria.
O médico de Saúde Pública destaca que em Portugal, como na generalidade dos países da Europa, procuramos controlar o vírus, não eliminá-lo. “Estamos a permitir, em certa medida, ter o vírus em circulação, o que vai cobrar uma fatura em termos de internamentos e mortalidade, sobretudo dos mais vulneráveis.” Usamos medidas de controlo locais, como isolamento e rastreio de contactos, para tentar que o vírus não circule com tanta intensidade. A outra estratégia, a de eliminação do vírus, porém, também traria uma pesada fatura económica e social.
Para controlar a transmissão é preciso impedir os contactos
O problema surge quando as medidas de controlo locais não chegam e são necessárias medidas mais pesadas, como na Alemanha. “Todo o país é um grande surto de coronavírus”, disse Lothar Wieler, o diretor do Instituto Robert Koch (organismo público encarregado de controlar as doenças infecciosas na Alemanha), ilustrando bem a disseminação descontrolada do vírus no país.
De forma simplificada, o vírus entra no organismo de uma pessoa, multiplica-se e sai para infetar outras pessoas. Já sem contar com as variantes que têm uma maior capacidade de infetar e libertar muito mais partículas de vírus, é fácil perceber que quanto mais pessoas conviverem com um infetado, maior o número de indivíduos em risco de serem infetados também. Tanto pior se o infetado não souber que o está e continuar a fazer um dia a dia normal.
Os espaços fechados com muitas pessoas, que obriguem a pouca distância entre elas e sejam frequentados sem máscara — sejam os autocarros, os cinemas ou as discotecas — são mais propícios à disseminação do vírus. Se em Portugal, a economia abriu mais tarde e algumas destas medidas (como a máscara nos transportes públicos) se mantiveram, noutros países caíram completamente.
No dia 12 de novembro, o governo dos Países Baixos reconhecia que “o vírus estava extremamente disseminado” e revelava as medidas que propunha pretendiam reduzir o número de contactos sobretudo ao fim do dia — mantendo as atividades normais nas escolas, por exemplo. Distanciamento de 1,5 metros e uso de máscara nos espaços onde não era pedido o certificado digital estão entre essas medidas.
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Áustria, Países Baixos, Bélgica e o cenário dos casos na Europa
A Eslováquia — que faz fronteira com a Áustria e acabou de impor novas medidas — é, neste momento, o país com o maior número de novos casos por milhão de habitantes (média a sete dias) — quase 1.900 —, seguido da Áustria e da Eslovénia. Nesta lista de 21 países europeus com mais casos de infeção com SARS-CoV-2 seguem-se a República Checa, Liechtenstein, Bélgica e Países Baixos (dados a 23 de novembro).
As imagens mais impressionantes são, no entanto, as dos números absolutos de infeções diárias (ou a média a sete dias). A Alemanha ultrapassou os 50 mil casos diários (média a sete dias), tal como já tinha acontecido com o Reino Unido — que agora desceu para uma média ainda acima dos 40.000. Os Países Baixos logo depois, mas com metade destes casos: 22.000 casos de infeção diários (média a sete dias), segundo os dados do Our World in Data a 23 de novembro de 2021.
Em termos de mortes, no entanto, os países que se destacam (destes 21) são outros: Geórgia, Croácia e Hungria. Os países que apresentam mais casos em termos absolutos ou em relação à população estão longe de serem os que têm mais mortes. E, como veremos, não é possível estabelecer uma relação direta entre a vacinação e o número de casos ou de mortes.
Os 10 países com a maior taxa de vacinação na Europa
Os 10 países europeus que tinham (a 21 de novembro) as mais altas taxas de vacinação da população (considerando o esquema vacinal inicial) mostram uma evolução da pandemia muito diferente entre si, o que implica, naturalmente, diferenças nas medidas que venham a ser aplicadas.
A própria comparação entre todos os países da Europa mostra que, visto de uma forma geral, os países com maior taxa de vacinação, têm menor taxa de mortalidade (e vice-versa), mas a relação não é absolutamente linear (do tipo: aumenta um, diminui o outro) e há outros fatores a considerar em cada país, como a capacidade dos cuidados intensivos ou a idade dos infetados.
Data shows us that the higher the vaccination rate, the lower the death rate. #COVID19 #VaccinesWork pic.twitter.com/mORrrQOPsj
— European Commission (@EU_Commission) November 23, 2021
Considerando as pessoas que têm, pelo menos, uma dose da vacina, todos os 10 países selecionados nesta análise estão acima do 77%, com Portugal em primeiro lugar com quase 88% das pessoas totalmente vacinadas até 15 de novembro. O que não coloca Portugal, necessariamente, entre os países com menos casos ou menos mortes.
Com mais vacinação, há menos mortes, mas é preciso considerar outros fatores
A Islândia, em terceiro lugar na taxa de vacinação, fica em quarto no número de novos casos na média a sete dias (por milhão de habitantes), mas praticamente sem registos de mortes, segundo dados de 21 de novembro. Já a Finlândia, com a segunda taxa de vacinação completa mais baixa neste grupo (72%), está em sétimo lugar nos novos casos e mortes (ou seja, entre os números mais baixos).
A Noruega tem a percentagem mais baixa de pessoas totalmente vacinadas neste grupo (69%), com os dados de 21 de novembro, e encontra-se em segundo lugar no número de novas mortes, mas em quinto no que diz respeito aos casos — apesar de não se ver ninguém na rua preocupado em usar máscara ou manter o distanciamento social, como contou ao Observador José Maria Mesquita.
Os Países Baixos, por sua vez, dominam atualmente o número de novos casos — a crescer exponencialmente — e mortes (neste grupo), ainda que tenham quase 74% da população totalmente vacinada.
Os 10 países com a maior mortalidade em relação à população
A Bulgária, com quase mais de 27.000 mortes com Covid-19, é o país com mais mortes na Europa (em relação à sua população) desde o início da pandemia — mais de quatro milhões de mortes por milhão de habitantes —, mas também o que apresenta mais mortes diárias em relação à população (20 mortes por milhão de pessoas, numa média a sete dias).
A Bulgária também está entre os países com a menor taxa de vacinação completa (menos de 25%), tal como a Geórgia, que aparece em segundo lugar no número de mortes diárias (média a sete dias) — 17 por milhão de habitantes —, e a Letónia, com 16 mortes por milhão de habitantes (dados de 23 de novembro). A Moldávia e a Bósnia e Herzegovina, apesar da baixa taxa de vacinação, não apresentam uma mortalidade tão alta.
Entre os países com mais mortes diárias [seleção com base nos dados de 21 de novembro], estão também países cujas taxas de vacinação não estão assim tão baixas, como Lituânia, Letónia e Hungria, acima dos 60% totalmente vacinados, ou a Croácia que já ultrapassou os 45%. Ainda assim, a Letónia, Hungria e Croácia tem 15 ou mais mortes por milhão de habitantes.
Quando olhamos para o número de casos diários (média a sete dias, por milhão de habitantes), as diferenças são ainda maiores: os casos de infeção têm caído na Letónia, Lituânia e Roménia; na Croácia parecem ter atingido o planalto e na Hungria continuam a subir. A Letónia, Lituânia e Roménia são, entre estes países, os que têm uma curva no crescimento da taxa de vacinação mais expressiva no último mês.