A poucos dias do Natal, o Presidente dos Estados Unidos (EUA), Joe Biden, convidou o seu homólogo ucraniano, Volodymyr Zelensky, a ir à Casa Branca esta terça-feira. O principal tema em cima da mesa será o pacote de ajuda financeiro e militar para o esforço de guerra da Ucrânia, que o Partido Republicano no Senado norte-americano bloqueou na semana passada. O líder norte-americano tem multiplicado os apelos aos republicanos — alguns dos quais abertamente contra o prolongamento de ajuda militar a Kiev —, mas até ao momento não teve nenhum resultado concreto.
Com a ida de Volodymyr Zelensky a Washington, o Presidente norte-americano vai novamente tentar colocar pressão para que se chegue a um acordo entre democratas e republicanos. Contudo, a tarefa não se afigura fácil. Devido à época festiva, o Senado deverá suspender os trabalhos a 15 de dezembro, o que deixa uma margem de manobra muito reduzida para conseguir aprovar o pacote de ajuda de 110 mil milhões de dólares (cerca de 102 mil milhões de euros), 61 mil milhões dos quais (aproximadamente 57 mil milhões de euros) seriam canalizados para a Ucrânia, enquanto o restante seria distribuído entre Israel, Taiwan e a política migratória.
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No entanto, caso o pacote de ajuda seja aprovado na câmara alta do Congresso norte-americano — precisando de entre 60 a 100 votos a favor (os maioritários democratas têm apenas 51 lugares no Senado) —, a moção tem ainda de receber luz verde da Câmara dos Representantes. Neste último órgão, os republicanos têm a maioria dos lugares, o que ainda dificulta ainda mais a aprovação da proposta.
Tendo em conta este contexto, o apoio dos republicanos é essencial para que os fundos sejam desbloqueados. Como contrapartida para a aprovação do pacote de ajuda militar ucraniano, o Partido Republicano exige que Joe Biden adote políticas migratórias mais duras e reforce o controlo da fronteira entre os Estados Unidos e o México, destinando mais verbas para esta área. O Presidente norte-americano já mostrou abertura para debater o assunto e disse que havia espaço para negociar, mas a oposição mantém-se inflexível.
Ao convidar Volodymyr Zelensky para uma passagem pelos EUA — depois de uma presença na Argentina para assistir à tomada de posse no novo Presidente, Javier Milei —, o Chefe de Estado esperará sensibilizar o Partido Republicano, principalmente a ala mais moderada. Enquanto o partido fala a uma só voz no que diz respeito ao aumento de verbas para parar com a imigração ilegal, existe uma divergência de opiniões sobre a continuidade do apoio ucraniano. Se, por um lado, os republicanos mais extremistas querem terminar com a guerra o mais cedo possível, independentemente das cedências de territórios que a Ucrânia tenha de fazer, por outro lado, os mais moderados continuam a entender a necessidade de apoiar Kiev — mas colocam condições para que isso aconteça.
O “presente” que Biden não quer dar a Vladimir Putin e as divisões entre republicanos
“Isto não pode esperar.” Esta tem sido das principais mensagens que Joe Biden tem transmitido e que revela a urgência em aprovar o pacote de ajuda de 110 mil milhões de dólares. O Presidente norte-americano vai ainda mais longe e diz estar “surpreendido” que se tenha chegado a “este ponto”, no qual os “republicanos no Congresso estão dispostos a dar a Putin o melhor presente que ele podia esperar”.
Fortemente dependente da ajuda do Ocidente para prosseguir o esforço de guerra, o fim do auxílio dos Estados Unidos simbolizaria um duro revés para a Ucrânia: o país ficaria sem aquele tem sido o seu principal fornecedor de armas e de ajuda financeira. Neste cenário, ainda que a guerra não terminasse e as autoridades ucranianas pudessem continuar a contar com o apoio da União Europeia, haveria uma maior probabilidade de se encetarem negociações para o final da guerra — mesmo que as condições fossem desfavoráveis para Kiev.
Pela parte dos Estados Unidos, Joe Biden sublinhou que, ao tirar o tapete à Ucrânia, o país estaria a “abandonar” o seu papel na “liderança global”. “Política zangada, mesquinha e focada em interesses partidários não se pode colocar no caminho das nossas responsabilidades enquanto nação que lidera o mundo. Todo o mundo está a ver o que os Estados Unidos fazem”, frisou o líder norte-americano num discurso ao país na passada quarta-feira, reforçando que, se Washington abandonasse Kiev, isso daria mais força a “futuros agressores”.
Embora tenha realçado que o povo “corajoso” ucraniano negou à Rússia “uma vitória no campo de batalha” e “derrotou a ambição de Vladimir Putin em dominar a Ucrânia”, Joe Biden defendeu que os Estados Unidos são a “razão” pela qual o seu homólogo russo não “conquistou” o país vizinho e também não “foi além disso”, ou seja, não pôde invadir outros Estados.
Neste sentido, o Presidente dos Estados Unidos, país que desempenha um papel charneira na NATO, voltou a denunciar que, se Vladimir Putin conquista a Ucrânia, “não vai parar aí”. “É importante ver a longo prazo. Ele vai continuar. Ele deixou isso bem claro. Se Putin atacar um aliado da NATO — e se tiver sucesso ele vai atacar um aliado da NATO —, bem, nós comprometemo-nos enquanto Estado-membro da NATO a defender todos os centímetros do território da NATO”.
Com o argumento de que a Rússia pode começar uma guerra com a NATO, Joe Biden tentou recordar os republicanos de que um novo conflito mundial levaria a algo que ninguém “procura”: “Tropas norte-americanas a lutar contra tropas russas”. “Não podemos deixar Putin ganhar. Faz parte do nosso interesse nacional e do interesse internacional dos nossos amigos”, reforça Joe Biden.
Certas fações do Partido Republicano são sensíveis a este argumento. Por exemplo, Mitt Romney, antigo candidato presidencial, ressalvou que o partido não quer passar um “cheque em branco” às autoridades ucranianas, mas quer que Kiev tenha “armas suficientes para se defender contra a invasão brutal de Putin, que é um criminoso e um assassino”.
“Na minha visão, é do interesse norte-americano ver a Ucrânia ter sucesso e providenciar armas para que se possa defender. Qualquer coisa diferente disso seria abandonarmos as nossas responsabilidades… É do interesse norte-americano garantir que a Ucrânia consegue lutar”, defendeu Mitt Romney.
Não obstante, nem todos os republicanos pensam assim — e alguns consideram que o apoio à Ucrânia não faz parte do interesse nacional norte-americano. Na sua conta pessoal do X, o congressista da Florida Matt Gaetz escreveu que os Estados Unidos já “enviaram dinheiro suficiente para a Ucrânia”: “Devemos dizer ao Zelensky para procurar a paz.”
America has sent enough money to Ukraine.
We should tell Zelensky to seek peace.
— Matt Gaetz (@mattgaetz) December 10, 2023
A posição do congressista da Florida encontra ecos nos discursos de Donald Trump, o ex-Presidente e candidato republicano às próximas eleições presidenciais de 2024, de quem é um importante aliado. O magnata já garantiu que, se vencer Joe Biden, vai terminar com a guerra em 24 horas e vai colocar os Estados Unidos em primeiro lugar. “A Ucrânia primeiro, a América em último”, é uma das principais acusações do antigo Chefe do Estado dirigidas a Biden.
A visita de Zelensky aos EUA e o novo líder da Câmara dos Representantes
Esta terça-feira, Volodymyr Zelensky vai estar na Casa Branca com o Presidente norte-americano. Mas não será o único encontro que o líder ucraniano terá. Também se vai encontrar com o líder do Senado, o democrata Chuck Schumer, e com o republicano Mike Johnson, o novo líder da Câmara dos Representantes.
Como nota a CNN internacional, a reunião entre Volodymyr Zelensky e Mike Johnson deverá ser a mais importante, uma vez que o republicano chegou no final de outubro ao cargo e esta será a primeira vez que os dois responsáveis políticos se encontrarão. Nas suas duas últimas idas aos Estados Unidos, era Kevin McCarthy quem liderava a Câmara dos Representantes, com quem o Presidente ucraniano mantinha uma relação cordial — ainda que nos últimos meses menos amigável.
Para além de ser uma forma de Joe Biden colocar pressão sobre os republicanos, a ida de Volodymyr Zelensky aos Estados Unidos servirá como uma operação de charme ao líder republicano, tentando cair nas suas graças. Publicamente, segundo escreve a imprensa norte-americana, Mike Johnson já disse acreditar que é importante ajudar a Ucrânia, mas vê o seu partido cada vez menos recetivo à ideia.
Mesmo assumindo uma posição mais favorável do que muitos dos seus companheiros partidários relativamente à Ucrânia, Mike Johnson continua a insistir, no que concerne ao apoio dos republicanos ao pacote de ajuda de 110 mil milhões de dólares, que a principal “batalha”, neste momento, é a “fronteira” com o México. “Isso terá prioridade máxima”, assinalou, assegurando, contudo, que vai responder “a outras obrigações” — como a ajuda à Ucrânia ou a Israel.
As dificuldades da Ucrânia em garantir apoios
Após uma contraofensiva que não “alcançou os objetivos” propostos e com um inverno “difícil” no horizonte, a Ucrânia tem enfrentado um “momento difícil” na guerra, que tem implicações igualmente fora de fronteiras, que já se vão manifestando.
Um estudo realizado pelo instituto alemão Kiel refere que a “dinâmica de apoio à Ucrânia diminuiu”, tendo atingido os níveis de janeiro de 2022 — ou seja, antes de a guerra ter começado. “De todos os 42 dadores, apenas 20 se comprometeram a novos pacotes de ajuda nos últimos três meses, o número mais pequeno de dadores ativos desde o início do compromisso. Também tem havido poucos compromissos da União Europeia e dos Estados Unidos.”
Christoph Trebesch, um dos autores do estudo e diretor do Instituto Kiel, explica que os resultados do estudo “confirmam a impressão de uma atitude mais hesitante nos últimos meses” na ajuda à Ucrânia por parte do Ocidente. “Por conta da incerteza relativamente à ajuda norte-americana, a Ucrânia pode apenas esperar que a União Europeia aprove finalmente o pacote de apoio de 50 mil milhões de euros”, que ainda está a ser discutido. Se não for, Vladimir Putin “acabará por ser beneficiado”.
De todos os países em estudo, os Estados Unidos foram um dos que mais diminuíram o seu apoio à Ucrânia. Adicionalmente, a análise concluiu que os Estados-membros da União Europeia já superaram o nível de ajuda de Washington. “No total de 25 mil milhões de euros em artilharia (janeiro 2022 até outubro de 2023), os Estados Unidos contabilizam 43% do valor total, enquanto todos os países da União Europeia e instituições juntos já perfazem 47%.”
Neste momento, os principais pilares da Ucrânia têm sido, como destaca o Instituto Kiel, a Alemanha e os países nórdicos. Relativamente à ajuda alemã, o chanceler do país, Olaf Scholz, garantiu este fim de semana que Berlim vai apoiar Kiev se outros aliados deixarem de sustentarem o esforço de guerra ucraniano, uma mudança relativamente às fases iniciais da guerra, em que a Ucrânia criticou a falta de assertividade alemã face à Rússia.
Para tentar contrariar esta tendência de diminuição do apoio, Volodymyr Zelensky vai aos Estados Unidos. A receção não deverá ser tão calorosa como aquela que recebeu há sensivelmente um ano, quando foi aplaudido por democratas e republicanos, mas o Presidente ucraniano vai continuar a tentar cativar novos aliados — e fortalecer relações com um país que um dia lhe poderá sempre virar costas.