Em Portugal o nome não é conhecido, mas no Canadá são várias as notícias sobre o médico de família Charles Hoffe, o mesmo que alega que 62% dos seus doentes que foram vacinados contra a Covid-19 desenvolveram coágulos sanguíneos microscópicos, prevendo que alguns deles estarão mortos no espaço de três anos. As suas declarações têm estado a ser partilhadas nas redes sociais. No entanto, não há qualquer evidência científica que comprove as alegações do médico, que já foram alvo de verificação de factos por vários fact-checkers internacionais.

“Ainda estou a tentar juntar mais informações, mas, na que tenho até agora, 62% dos doentes têm evidências de coagulação, o que significa que os coágulos de sangue não são raros. Isso significa que a maioria das pessoas está a desenvolver coágulos de sangue e não têm ideia disso”, diz Charles Hoffe num vídeo de onde foram tiradas as declarações que chegaram ao Facebook e outras redes sociais.

A publicação que está a ser partilhada no Facebook

No Canadá, o médico é acusado de espalhar desinformação sobre as vacinas contra o vírus da Covid-19, o que levou o College of Physicians and Surgeons (equivalente à Ordem dos Médicos portuguesa) da Colômbia Britânica a abrir uma investigação.

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“Declarações públicas de médicos que contradizem as ordens e as orientações de saúde pública são confusas e potencialmente prejudiciais para os pacientes”, defendeu Heidi Oetter, do College of Physicians and Surgeons. “Aqueles que colocam o público em risco com desinformação podem enfrentar uma investigação e, se necessário, uma ação disciplinar.”

Médico de família em Lytton, de cujo centro de saúde está afastado durante a investigação, Hoffe já veio várias vezes a público transmitir a sua preocupação com as vacinas, alegando que os seus doentes têm tido efeitos adversos após serem inoculados.

No entanto, não tem qualquer trabalho ou estudo publicado nesse sentido. Em contrapartida, os dados oficiais do Centro de Controle de Doenças da Colômbia Britânica mostravam, até 2 de outubro, um registo de 3.723 efeitos adversos à vacinação, 271 dos quais graves, numa altura em que foram administradas 7.842.664 doses de vacinas.

Apesar disso, Charles Hoffe garante ter encontrado coágulos sanguíneos microscópicos em mais de metade dos seus doentes vacinados, após ter realizado testes de dímero-D.

“A experiência relatada pelo Dr. Hoffe não é um estudo científico e não se enquadra no título de ‘medicina baseada em evidências’. Portanto, crédito algum pode ser dado a esses resultados”, disse, citada pela AFP Fact Check, a Sociedade Francesa de Hematologia. Também em França, e citada pelo mesmo verificador de factos, a presidente da Sociedade Francesa de Medicina Vascular, desvalorizou os resultados de Hoffe.

“Não sabemos como é que escolheu a amostra entre os seus doentes: se testou seis pacientes da sua clínica com mais de 75 anos de idade, eles necessariamente teriam um alto nível de dímero-D”, disse Marie-Antoinette Sevestre-Pietri. “O método científico utilizado não é descrito e os resultados não estão publicados.”

O dímero-D é um dos produtos da degradação de fibrina, proteína envolvida na formação de coágulos — quando existem alterações no processo de coagulação é habitual existir uma quantidade maior de dímero-D. No entanto, os níveis elevados podem ter outras causas, como o avançar da idade, a gravidez ou a presença de infeções bacterianas e virais.

“Quando se é vacinado, normalmente há inflamação: tem-se um pouco de febre e dor e isso prova que a vacina funciona”, sustenta Sevestre-Pietri. Essa inflamação resultará num nível elevado de dímero-D, “mas isso não significa que ocorrerá uma trombose.”

A mesma opinião tem Nicolas Gendron, hematologista do Hospital Georges-Pompidou, que defende que são precisos exames adicionais, como uma tomografia computadorizada, para confirmar a existência de coágulos.

Assim, não há, até à data, evidência científica que comprove as alegações de Hoffe em relação às vacinas mRNA (Pfizer e Moderna). As vacinas de outro tipo, como a da AstraZeneca, foram associadas a casos raros de formação de coágulos sanguíneos.

Conclusão:

Falso. Charles Hoffe não publicou os seus achados em nenhuma revista científica nem detalhou o processo utilizado, o que retira credibilidade às suas observações. Não há, até à data, qualquer outra evidência científica que comprove as alegações de Hoffe em relação às vacinas mRNA (Pfizer e Moderna). As vacinas de outro tipo, como a da AstraZeneca, foram associadas a casos raros de coágulos sanguíneos, com valores muito longe dos 62% apontados pelo médico de família.

Segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

Errado

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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