|
|
Eco-raiva. Eco-angústia. Eco-ansiedade. Já ouviu falar? Os conceitos serão novidade para a maioria da população, creio, mas se tem filhos adolescentes ou com menos de 25 anos talvez já tenha escutado alguma destas expressões lá por casa. Descrevem sentimentos de desconforto e angústia que têm como causa a instabilidade ambiental do planeta provocada pelas alterações climáticas – e respetivos comportamentos (ou falta deles) que, como sociedade, somos convidados a levar a cabo para contribuir para a mitigação destes efeitos. |
O tema é controverso. Não as alterações climáticas ou a evidência científica de que existem e do efeito que têm sobre a biodiversidade e o clima. Mas sim o poder real que cada um de nós, individualmente, pode ter para tentar ajudar a reduzir o buraco da camada do ozono, o aquecimento do planeta, a subida generalizada do nível das águas do mar ou a extinção de espécies vegetais e animais. |
E, por isso, têm surgido com cada vez mais frequência nos últimos anos – e Portugal não é exceção – movimentos mais ou menos organizados que pretendem chamar a atenção para a necessidade de medidas urgentes, à escala global, para proteger o planeta. Daí para os protestos na rua vai um passo. E mais outro até medidas de chamada de atenção mais controversas, como destruição de obras de arte ou arremesso de tintas para as fachadas de edifícios, para responsáveis políticos ou para aviões nas pistas dos aeródromos. |
Bom… talvez não seja bem assim. |
Talvez esta ligação “fácil” não seja assim tão direta ou curta. Talvez esta relação entre o choque e as ações violentas seja simplista e perigosa. Mas é propositado. É assim, de facto, que possivelmente pensa uma fatia generosa da população quando vê jovens a cortar estradas ou a acorrentarem-se a portões de edifícios. Estão revoltados, logo eco-ansiosos, logo violentos. Certo? Não tanto. |
Conversei há dias com a psiquiatra Carolina Cabaços (pode ver aqui em vídeo ou ouvir aqui em podcast) para mais uma entrevista da série Sair do Labirinto. Falámos de ansiedade climática, esse “medo crónico de sofrer um cataclismo ambiental que ocorre ao observar o impacto das alterações climáticas, gerando por isso uma preocupação associada ao próprio futuro e das próximas gerações”, numa tradução livre da expressão adotada pela Associação Americana de Psicologia. |
E essa foi justamente uma questão que coloquei à médica: será que todas as pessoas que levam a cabo medidas mais violentas ou de atenção mediática, que provocam grande impacto na vida dos outros, sofrem, afinal de ansiedade climática? “Não necessariamente”, respondeu a psiquiatra. Mas é possível que, entre outras questões que os afligem, tenham também esse “diagnóstico”. |
As aspas são propositadas. Não se pode propriamente falar em “diagnóstico” porque não se pode falar em doença. Carolina Cabaços, que fez parte de uma equipa de investigação da Instituto de Psicologia Médica da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra que se debruçou sobre o tema da ansiedade climática, acredita mesmo que esta nunca virá a ser uma doença. |
“Um conjunto de características ou comportamentos” com raiz na angustia e preocupação provocadas por questões ambientais. Isso sim. E, por conseguinte, com “tratamentos” que passam pela adoção de medidas que tragam algum conforto, pela participação em algumas ações de sensibilização e mitigação, pela psicoterapia – ou, em casos mais extremos, pelo recurso a medicação que ajude a controlar o estado de ansiedade generalizada e a forma com este afeta a vida da pessoa. |
Carolina Cabaços já se cruzou com algumas situações destas em contexto de urgência hospitalar. São habitualmente jovens, bem informados e extremamente preocupados com o possível rumo que o futuro ambiental do planeta poderá ter. E, em determinado momento, com sintomas que lhes trazem mal estar, da insónia à falta de ar, do desinteresse generalizado à apatia, entre outros. Ou seja, pessoas que poderão ter por vezes momentos de descompensação ou desconforto, o que lhes traz complicações sérias para o seu dia a dia e dos que os rodeiam. |
O estudo para o qual a médica colaborou, Alterações Climáticas: Aspetos Psicológicos e Saúde Mental, coordenado pelo psiquiatra António Macedo e pela psicóloga Ana Telma Pereira, junta informações recolhidas junto de quase 600 pessoas. Os resultados preliminares apontam, para já, para sinais de sofrimento psicológico provocado pelas alterações climáticas e para a disponibilidade em aderir a “medidas de mitigação e adaptação” das mesmas. Deverá haver mais dados revelados sobre esta investigação, mas uma coisa é certa: um pouco por todo o mundo há cada vez mais evidência científica que aponta para o facto de as alterações climáticas agravarem algumas doenças mentais. E, em alguns casos, relacionadas com outros fatores, poderem mesmo potenciá-las. |
A Organização Mundial de Saúde (OMS) já alertou para o fenómeno, que está a ser estudado há mais de uma década. Diarmid Campbell-Lendrum, diretor da unidade da OMS dedicada à crise climática, disse há dois anos ao Público que “a saúde mental é tão importante quanto a saúde física e isso deve incluir a prestação de cuidados de saúde mental e apoio psicossocial àqueles que são mais afectados pelos eventos climáticos extremos ou pela angústia sobre o futuro do planeta”. |
O psicólogo José Manuel da Palma-Oliveira já tinha alertado para o tema há uns meses, neste artigo de opinião do Mental, a secção do Observador totalmente dedicada à saúde mental: “Por todo o mundo — e não falamos de fenómenos climáticos extremos onde os efeitos sobre as crianças e jovens são ainda mais traumáticos — a eco-ansiedade configura um quadro cada vez mais bem definido e mais presente, a que todos temos que estar atentos e dar resposta, tanto a nível pessoal como comunitário”. |
Ninguém sabe, ao certo, como se resolve o grave problema ambiental que temos em mãos. O jornalista João Francisco Gomes, que aborda o tema com regularidade nas newsletters mensais dedicadas ao ambiente e ecologia, Não imprima esta newsletter, está bem mais habilitado do que eu sobre o tema. Mas de uma coisa tenho a certeza: se os adolescentes ou jovens adultos aí em casa falarem do assunto, não desvalorize. O caso é sério. |