Antes de mais, importa conhecer e analisar o contexto atual da Enfermagem e dos Enfermeiros em Portugal. O relatório Recursos Humanos em Saúde, de dezembro de 2022, elaborado pelos professores da Nova SBE, Pedro Pita Barros e Eduardo Costa, esclarece que existem 7,1 enfermeiros/as por mil habitantes, o que coloca Portugal na lista dos dez países da OCDE com menos enfermeiros.

A emigração, mais evidente a partir de 2010, é uma das principais causas para a falta de profissionais de saúde em Portugal, em particular de Enfermeiros. De acordo com o mesmo relatório, que cita dados da Ordem dos Enfermeiros, entre 2011 e 2021, cerca de 25 mil Enfermeiros pediram documentação para exercer noutro país, ou seja, mais de 2 mil Enfermeiros saem do país todos os anos. Em 2021, um terço dos novos Enfermeiros manifestaram intenção de emigrar. Segundo este estudo (apesar da OCDE referir uma perda de poder de compra de 10% na última década), a remuneração dos Enfermeiros cresceu 14% entre 2011 e 2022, mas por causa dos suplementos ganhos, por exemplo, com as horas extraordinárias, sendo público que em 2021 os Enfermeiros fizeram mais de 7 milhões de horas extraordinárias. Aliás, de acordo com o professor Pedro Pita Barros (que também é membro do painel de especialistas da Comissão Europeia que está a analisar as formas eficazes de investir na Saúde), “a evolução dos salários dos Enfermeiros tem sido baixa ou mesmo inexistente” (sic).

Segundo o mesmo relatório, os problemas da saúde em Portugal continuam a ser mais evidentes no SNS – que é o que emprega mais profissionais e recebe mais utentes – e, nos últimos 12 anos, só se agravaram, principalmente no que respeita à falta de profissionais de saúde, nomeadamente, de enfermeiros. Entre 2011 e 2014, no período da troika, os salários baixaram e a carga horária subiu das 35 para 40 horas semanais. Além disso, o orçamento para o SNS foi congelado, reduzindo as perspetivas de evolução na carreira e fazendo com que aumentasse o número de, profissionais de saúde, nomeadamente enfermeiros, a deixar o país ou a passar para o setor privado. No pós-troika, entre 2015 e 2019, pensou-se que a recuperação económica se poderia traduzir em melhorias, mas não. Neste período, o SNS debateu-se com dificuldades de gestão e com uma dificuldade crescente na atração e retenção dos seus profissionais, sendo que grande parte das contratações verificadas neste período foram utilizadas para recuperar a capacidade e não para a reforçar. Posteriormente, quando parecia haver uma estratégia, chega a pandemia em 2020 e 2021, em que a carga de trabalho aumentou drasticamente (vide a quantidade de trabalho extraordinário efetuado) e houve um forte desgaste físico e emocional que, mais uma vez, levou à saída de profissionais do SNS, comprovado por estudos tornados públicos efetuados por várias entidades, incluindo a Ordem dos Enfermeiros.

A emigração e o setor privado continuam a ser as alternativas, sendo que com perspetivas diferentes, pois se no estrangeiro a diferença salarial é evidente, no setor privado, as múltiplas oportunidades de desenvolvimento na carreira, a progressão mais rápida e o financiamento de pós-graduações, mestrados e doutoramentos e aproveitamento (individual e institucional) do resultado da investigação feita por enfermeiros torna o setor privado mais cativante.

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Com o envelhecimento da população, haverá cada vez mais pessoas a precisar de cuidados de saúde, alguns deles continuados no tempo e por mais tempo (cuidados continuados, onde a reabilitação e a gestão da doença crónica são fundamentais, estando os Enfermeiros, nomeadamente, os Enfermeiros Especialistas devidamente qualificados e aptos para assumir a liderança nas diferentes tipologias dos Cuidados de Saúde Primários e, obviamente, na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, agora na dependência da Direção-Executiva do SNS), porque a esperança de vida também aumentou. Acresce ainda que, a situação económica atual pode provocar a deterioração da saúde, levando mais pessoas a procurar cuidados de Saúde e, neste caso, no sistema público, porque não têm dinheiro para o privado. Naturalmente, com o aumento da procura, serão precisos mais profissionais de saúde, neste caso mais enfermeiros, mas se não os conseguirem contratar, os que permanecem terão de efetuar mais horas de trabalho, correndo o risco de exaustão e de terem mais períodos de ausência por doença, ou, até mesmo, abandonarem a profissão.

Para o professor Pedro Pita Barros, se a tendência é de agravamento, “faz sentido pensar que os Enfermeiros podem ter funções mais alargadas. O governo tem de perder alguns medos e algumas fronteiras que ainda tem.” (sobre este assunto, vide a tese de doutoramento da Dr.ª Marta Temido Exequibilidade de uma revisão de combinação de papéis profissionais entre médicos e enfermeiros em Portugal, IHMT – Universidade Nova de Lisboa datada de 2014). Ainda sobre este tema, por exemplo, a prescrição farmacológica por enfermeiros é uma realidade crescente no contexto europeu, cujo reconhecimento legal da capacidade de prescrição foi iniciado na década de sessenta nos Estados Unidos e só nos anos noventa encontrou acolhimento na Europa, com a Suécia (1994), o Reino Unido (1998, 2002, 2003) e a Irlanda (2007) a liderarem o processo. Atualmente, Holanda, França e Espanha já incluíram, na legislação nacional, a prescrição farmacológica por enfermeiros. A Diretiva 2005/36/CE, relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais, transposta para o ordenamento jurídico português através da Lei n.º 9/2009, de 4 de março, alterada pelas Leis n.ºs 41/2012, de 28 de agosto, 25/2014, de 2 de maio e 26/2017, de 30 de Maio, estabelece, entre outros, um regime de prescrição no âmbito do exercício das atividades profissionais dos enfermeiros especialistas em Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica que ainda não está completamente desenvolvido nas diferentes orientações técnicas nacionais sobre este tema e que permitiria o reforço do acompanhamento da gravidez de baixo risco, garantindo a máxima qualidade. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), atenta nas mesmas preocupações como o envelhecimento da população e o aumento das doenças crónicas que irão elevar a pressão sobre o sistema de saúde, clarifica que, ainda hoje, o acesso aos cuidados de saúde não é igual em todo o país. Para atrair e reter profissionais no SNS, a OCDE defende o aumento de salários e condições de trabalho que permitam conciliar a vida profissional com a pessoal e familiar.

O SNE – Sindicato Nacional dos Enfermeiros, defende a revisão da Carreira Especial de Enfermagem, através da negociação de um Acordo Coletivo de Trabalho (Global), pois o Decreto-Lei n.º 71/2019 de 27 de maio, não aprofunda matérias fundamentais para o desenvolvimento da profissão e salvaguarda da qualidade, da inovação e investigação necessárias num mundo em constante mudança e em plena transição digital ao nível estratégico e operacional e, como tal, para conseguir captar e reter Enfermeiras e Enfermeiros, necessita de revisão urgente, nomeadamente nas seguintes áreas:

Alto Risco, Penosidade e Desgaste Rápido

  • Redução da idade da reforma que tenha em atenção as características específicas do trabalho dos Enfermeiros;
  • Projeto-Piloto para implementação da avaliação de risco, penosidade e desgaste rápido, por exemplo, nas Unidades Locais de Saúde que serão criadas em breve;

Criação de novo modelo de avaliação de desempenho dos Enfermeiros

  • Novas regras de avaliação e progressão dos Enfermeiros ajustadas às condições específicas do exercício da profissão

Integração plena no Ensino Superior Universitário, maior acesso à investigação e mestrado integrado em Enfermagem

  • Integração progressiva e plena do curso de licenciatura em Enfermagem no Ensino Superior Universitário; Criação da área específica de Enfermagem nas bolsas de investigação da Fundação para a Ciência e Tecnologia;
  • Todos os cursos de licenciatura em Enfermagem devem passar a Mestrado Integrado já no ano letivo 2024/2025.

Aposta forte na formação pós-graduada

  • Criação de incentivos para fixar nos contextos clínicos quem tem mestrados ou doutoramentos

Regime Jurídico que defina as regras do internato da Carreira Especial de Enfermagem, nomeadamente, na área da formação de Enfermeiros Especialistas

  • O SNE defende que, à semelhança de outras carreiras especiais na área da Saúde, a formação especializada pós-graduada seja realizada em regime de internato com condições a definir em conjunto com entidade reguladora da profissão, sindicatos e tutela;
  • Alargamento de competências e das Dotações seguras de Enfermeiros Especialistas;
  • Aprofundamento, em articulação com a operacionalização do alargamento das competências dos enfermeiros especialistas (Saúde Materna e Obstétrica, Reabilitação, Médico-Cirúrgica, Saúde Mental e Psiquiátrica, Saúde Infantil e Pediátrica, Comunitária), de três tipos de prescrição (exames complementares, dispositivos, ajudas técnicas e terapêutica farmacológica) à semelhança do que é referido na evidência científica internacional disponível e aplicado na maioria dos países desenvolvidos.

Aplicação imediata do regime de dedicação plena em condições iguais a outras carreiras especiais com o mesmo grau de complexidade funcional máxima na Administração Pública (Grau 3)

Aplicação imediata de incentivos semelhantes para fixação no interior e regiões autónomas em condições iguais a outras carreiras especiais com o mesmo grau de complexidade funcional máxima na Administração Pública (Grau 3).

Outro dos grandes objetivos do SNE – Sindicato Nacional dos Enfermeiros, associado ao referido anteriormente, é a Revisão da Tabela Salarial já em 2024 (com redução do número de posições remuneratórias de cada categoria e alteração dos valores de referência). Na apresentação da nossa proposta ao governo e partidos políticos com assento parlamentar, tivemos em conta a Lei n. º35/2014, de 20 de junho (Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas), nomeadamente, os artigos 84.º a 87.º. A estrutura atual da tabela remuneratória da Carreira Especial de Enfermagem está completamente desatualizada e obsoleta, sobretudo, no número de posições remuneratórias e no valor associado às posições remuneratórias de cada uma, sobrepondo-se valores da categoria inferior (Enfermeiro) à categoria intermédia (Enfermeiro Especialista) e superior (Enfermeiro Gestor), contrariando o princípio de que a cada categoria superior, com maior complexidade funcional e com conteúdo funcional e responsabilidades acrescidos, devem corresponder valores remuneratórios superiores.

Deste modo, fica evidente, que a ausência de negociação com os Enfermeiros prejudica gravemente a Saúde dos portugueses e coloca em causa a qualidade do Serviço Nacional de Saúde.