Nas últimas semanas, por toda a Europa, o mundo rural está em revolta. Milhares de tratores e máquinas agrícolas em várias ações de protesto bloqueiam estradas, cortam fronteiras, derrubam estátuas e, acima de tudo, fazem-se ouvir em Portugal, em França, na Itália, em Espanha, na Roménia, na Polónia, na Grécia, na Alemanha, nos Países Baixos, na Bélgica e em cada vez mais países. Estes protestos são o resultado de um acumular de decisões por parte das altas camadas políticas a nível europeu e nacional que os agricultores consideram inaceitáveis perante um dos setores mais cruciais para a nossa sociedade.
Muitas pessoas não pensam no setor agroalimentar como ‘crucial’, mas isto não lhe retira mérito absolutamente nenhum – se cada pessoa, cada vez que comesse ou bebesse seja o que for, pensasse no agricultor que plantou, cresceu, colheu e transformou esse alimento, perceberia que é impossível expressar por meras palavras o papel basilar dos agricultores e da agricultura para todos nós.
Tomando isto em consideração, as ações dos decisores políticos no que toca ao mundo rural ficam muito aquém do que se espera. No entanto, trata-se de um assunto complexo – portanto, quais são, em concreto, as críticas dos agricultores?
A Política Agrícola Comum (PAC) é capaz de ser o maior elefante na sala, por vários motivos. Alguns dos principais objetivos da PAC são: apoios às produções, garantindo uma oferta estável de produtos agroalimentares a preços acessíveis; apoios para os agricultores, de forma a que tenham uma boa qualidade de vida e salários competitivos; combater as alterações climáticas e garantir uma gestão sustentável dos recursos naturais. Teoricamente, estes objetivos parecem, e são, nobres mas o problema não está na teoria. Na prática (e isto nota-se especialmente bem em Portugal), estes objetivos não são cumpridos. Grande parte dos agricultores não têm acesso a salários dignos, os custos da alimentação têm disparado nos últimos anos, tal como os custos de produção e a tentativa de combate às alterações climáticas não foi bem executada – daí a saída dos agricultores à rua pela Europa.
Os custos de produção estão elevadíssimos por várias razões, entre elas a Guerra Russo-Ucraniana ou as medidas de “sustentabilidade” propostas pela União Europeia. Alguns destes fatores são externos e imprevistos, outros nem tanto. O foco da PAC na agricultura biológica é uma das maiores razões de queixa dos agricultores. Perguntem a qualquer agricultor o que acham da agricultura biológica em grande escala e a resposta será que é a receita para passar fome. A realidade de hoje em dia é que a agricultura biológica não é sustentável. Tem muitas vantagens, entre elas a menor pegada de carbono ou o não uso de pesticidas, mas a grande desvantagem é o desperdício alimentar – o rendimento por hectare em culturas biológicas estima-se que seja metade do que numa cultura “convencional”, o que é evidentemente insustentável em grande escala.
Isto não significa que não se devam procurar formas de diminuir o impacto da agricultura no ambiente – este existe e dada a crise climática atual é imperativo que procuremos alternativas, mas estas alternativas têm de ser ponderadas e bem pensadas. Não devem seguir agendas políticas ou ideologias, caso contrário, dão-se situações como a atual: uma crise agrícola, protestos, falta de diálogo construtivo e legislação que não contribui para um setor tão importante e nobre como o agroalimentar. Em casos tão críticos e sensíveis como este, a legislação tem de ser orientada pela ciência e não o contrário. Um bom exemplo atual são as discussões dentro das Instituições Europeias sobre as Novas Técnicas Genómicas (NGTs). Tratam-se de técnicas de reprodução cruzada (que já utilizamos há milhares de anos para garantir melhor qualidade de alimentos, culturas mais resistentes e mais produtivas) aceleradas através da manipulação de ADN. Reitere-se que isto é um processo que pode ocorrer naturalmente mas é simplesmente mais rápido e não faz uso da introdução de ADN estrangeiro nas plantas, dois aspetos que distinguem as NGTs dos GMOs (Organismos Geneticamente Modificados). Isto pode fazer com que uma cultura tenha mais resistência a doenças, à temperatura e a eventos meteorológicos, o que reduz a utilização de, por exemplo, pesticidas e consequentemente, o custo de produção. As NGTs são um exemplo concreto e orientado pela ciência de como tornar a agricultura mais sustentável sem afetar o setor e os agricultores.
Outro problema da PAC é o financiamento. De acordo com o WWF (World Wildlife Fund), 20% dos maiores produtores europeus recebem 80% dos pagamentos diretos da PAC. Trata-se de operações industriais e em grande escala, o que leva à falta de fundos para pequenos e médios produtores. Esta disparidade faz com que produções em menor escala, muitas delas familiares, se tornem mais vulneráveis.
O aumento dos custos de produção torna os produtos agroalimentares europeus mais caros, o que diminui a sua competitividade. Consequentemente, os distribuidores europeus (fábricas de transformação de alimentos, supermercados, lojas, etc.) compram bastantes mais produtos à concorrência externa, ou seja, a países terceiros de fora da UE. Enquanto os agricultores europeus têm de cumprir as regras do sistema de controlo alimentar mais restrito e exigente do mundo (ainda outro fator que aumenta os custos), os produtores de países terceiros não têm de o fazer. Trata-se de concorrência desleal – países externos deveriam cumprir os mesmo padrões impostos pela UE aos seus produtores, caso contrário, os agricultores europeus perdem muita da sua capacidade de concorrência no mercado.
Políticas impraticáveis da PAC; falta de orientação científica na legislação; aumento dos custos de produção; gestão financeira questionável e concorrência desleal – algumas das razões pelas quais surgem estes protestos.
A nível nacional, podemos também mencionar o excesso de burocracia que inviabiliza frequentemente o acesso aos apoios financeiros; o aumento dos custos energéticos; o combate aos combustíveis fósseis, que são os únicos combustíveis viáveis para máquinas agrícolas (não esquecer que é preciso arranjar alternativas para estes, uma vez que não são sustentáveis a longo termo) ou os famosos cortes nos apoios do Estado, que levaram o mundo rural português à rua. Todos estes são sintomas ulteriores da falta de contacto e de apoio para com o setor.
E o que se pode fazer relativamente à crise agrícola? Enquanto europeus, votar nas eleições europeias em Junho é um bom começo – se estamos infelizes com uma situação, podemos manifestar a nossa opinião e prioridades desta forma. Os Estados têm a sua própria responsabilidade sobre esta matéria, mas é importante relembrar que a PAC e quase toda a legislação relativa à agricultura vem da União Europeia, e só depois recai sobre os seus Estados-Membros.