A livre circulação de bens e serviços pela União Europeia é tudo menos linear nas compras feitas online. O suporte digital das lojas eletrónicas permite diferenciações ocultas entre os clientes que não seriam praticáveis numa loja física, incluindo flutuações dos preços e das condições de acesso e utilização de websites e aplicações, de acordo com a nacionalidade do utilizador ou o Estado Membro em que se encontra. Estas alterações e limitações das condições de acesso, utilização e pagamento, dependentes da localização geográfica dos utilizadores, são as chamadas medidas de bloqueio geográfico (geo-blocking).

Se alguma vez foram avisados de que um determinado serviço eletrónico não se encontrava disponível para Portugal, se repararam que a versão portuguesa de um website apresentava condições de utilização bastante distintas da versão original, ou ainda se viram os vossos cartões de crédito recusados como meio de pagamento por não terem sido emitidos no Estado Membro da página que visitavam, depararam-se com medidas destas.

De acordo com uma consulta pública realizada pela Comissão Europeia em 2015, quase 90% dos consumidores inquiridos haviam sido confrontados com medidas de bloqueio geográfico ao fazer compras em plataformas sedeadas noutro Estado Membro da União, em particular de artigos de vestuário, calçado e acessórios, livros, equipamento informático, produtos eletrónicos, bilhetes de avião e aluguer de automóveis, assim como conteúdos digitais (MP3, livros eletrónicos, jogos de computador e software).

No âmbito da sua Estratégia para o Mercado Único Digital, a Comissão Europeia avançou com uma proposta de Regulamento que visa proibir estas diferenciações. A proposta pretende impedir que seja bloqueado o acesso a websites e outras interfaces online para utilizadores de determinados Estados, bem como que estes possam ser desviados para versões diferentes de uma página, na qual constem condições ou preços diversos. Contudo, esta proposta não visa os serviços eletrónicos audiovisuais – o que significa que não afetará (até ver) as diferenças quanto ao conteúdo a que se consegue aceder, em diferentes Estados Membros, em plataformas como o Netflix ou o iTunes.

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Caso semelhante, mas não tratado pela proposta da Comissão, é o da determinação dinâmica de preços (dynamic pricing). Esta é uma prática muito comum nas plataformas online de reservas: ao pesquisar por preços de voos ou de hotéis, poderão ter reparado que os preços tendem a subir desde a pesquisa inicial, continuando a aumentar quanto mais se insistir, até certo ponto.

Esta é outra forma de discriminação, baseada no comportamento que o utilizador evidencia online. As plataformas estão desenhadas para interpretar o histórico de navegação e os cookies (pequenas quantidades de informação atribuídas a um utilizador e guardadas no seu computador por websites que visite) do utilizador, de modo a chegarem a conclusões sobre o preço ótimo a cobrar por um produto ou serviço. Este processo ocorre de modo totalmente opaco para os utilizadores, embora possa originar variações significativas entre os preços cobrados a utilizadores diferentes.

Há outras formas de determinar preços de forma dinâmica: por exemplo, a Uber aumenta os preços das suas carreiras consoante o nível da procura de condutores pelos seus utilizadores; a Airbnb desenvolveu um algoritmo que analisa as tendências dos hóspedes de modo a fazer sugestões de preços a quem pretenda listar uma propriedade na sua plataforma. O traço comum é o uso de informação sobre utilizadores para condicionar as suas decisões numa plataforma.

É previsível que a tendência de usar dados dos clientes para fazer variar as condições das suas propostas comerciais aumente com o tempo. O progresso tecnológico traz um aumento das capacidades de processamento de dados em grande escala, o que permite às empresas chegar a conclusões cada vez mais complexas sobre os seus clientes. Programando algoritmos para tomar decisões automatizadas com base nessas conclusões, conseguem mudar preços, enfatizar produtos e oferecer promoções que considerem de maior probabilidade de sucesso com aquele cliente – o que pode, não obstante a reticência que a ideia possa causar, corresponder a uma personalização das plataformas que seja também do interesse dos clientes.

Veremos a escala dos factos que as plataformas conseguirão concluir sobre nós no futuro – até lá, não se esqueça de apagar o histórico e as cookies antes de marcar as suas viagens!
Martim Taborda Barata é advogado na PLMJ