Numa Europa sem uma estratégia competitiva sustentável, Portugal consegue uma nota alta na consolidação financeira mas, a coberto da crise que vem de fora, acomoda-se, sem ambição e sem vontade de mudança, a navegar ao sabor do vento, adoptando uma política de “mais do mesmo”.

Será que estamos perante uma inevitabilidade e que é o reequilíbrio das contas públicas que nos impede de ter um melhor desempenho? Devemos ignorar os reais problemas que nos afectam, indo repetindo sistematicamente que somos um «caso de sucesso» e estamos no caminho certo? A nossa resposta é um claro não em relação às duas interrogações formuladas.

Temos vindo a assistir a uma política focada no reequilíbrio orçamental, com previsões de saldos positivos para este ano e a manterem-se nos próximos, enquanto conseguimos uma redução histórica da dívida pública que, em pontos percentuais, apenas dois outros países da zona euro, deverão ultrapassar até 2024, permitindo-nos baixar já no próximo ano os 100% do PIB e ficar apenas a cerca de 10 p.p. da média dos países da moeda única. Temos este ano uma taxa de juro da dívida que está abaixo da média destes países e, ao contrário do que muitos antecipavam, soube resistir à mudança política do BCE.

Mas temos, por outro lado, previsões de crescimento da economia claramente medíocres, com o Governo a prever um aumento do PIB em 2024 de apenas 1.5% (só 6 dos 18 países do euro têm previsões inferiores) sendo que, nos anos seguintes, de acordo com todas as previsões conhecidas, o crescimento deverá oscilar, sempre entre 1% e 2% ao ano.

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Há ainda a adicionar a esta previsão do cenário macroeconómico o facto de, desde o início deste século, Portugal ter crescido apenas, em média anual, 0.5%, valor que fica muito abaixo do já fraco crescimento da zona euro nestes mesmos anos. E que, no que se refere ao PIB per capita (em paridade do poder de compra), ocupamos a 22ª posição da U.E. (27) quando em 2015 ocupávamos a 15ª posição, tendo agora atrás de nós apenas Letónia, Croácia, Grécia, Eslováquia e Bulgária, tudo países a crescer mais do que Portugal, o que, a confirmar-se, fará com que antes do final da década ainda possamos cair mais dois ou três lugares neste «ranking», ficando então mesmo na cauda da Europa.

Não questionamos a necessidade de consolidar as contas públicas e o trajecto percorrido, mesmo podendo admitir que o ritmo foi talvez demasiado acelerado. Mas, chegados aqui, com as contas públicas consolidadas e com a demonstração da resiliência das mesmas, mesmo em contextos adversos, devemos considerar que a política orçamental deve ser reorientada para a economia e que os saldos que se obtenham têm que ter como destino as necessidades desta e, de todo, não servirem para amortizar a divida pública. A hora é de olhar para a economia e fazer desta a primeira prioridade das políticas económicas e aqui acompanhamos a UTAO (sempre prudente relativamente às contas públicas) que no seu relatório sobre a POE afirma que «não há mais a desculpa da falta de financiamento para adiar as medidas certas».

Os desafios são múltiplos e é necessário fazer escolhas, mas elas só ganham sentido se baseadas numa estratégia coerente de modo a colocar a nossa economia no caminho certo, que, tem que ser um caminho de reformas institucionais e de mudança da orientação política que vem sendo seguida. Reformas que devem ocorrer na organização e funcionamento do Estado e dos serviços públicos, visando elevar a qualidade: das infraestruturas públicas (e desde logo, a principal destas que são as nossas cidades); dos serviços públicos essenciais (da saúde à educação) e da própria Administração Pública.

Mudança que também exige romper com paradigmas e políticas do passado em que tínhamos como desígnio para o país a reindustrialização e visávamos a captação de investimento em áreas e em sectores associados à 2ª Revolução Industrial.

Não é mais aceitável perpetuar um modelo económico e social em que pagamos demasiados impostos e temos serviços públicos ineficientes e à beira da ruptura. Não podemos prosseguir uma estratégia económica de abertura ao exterior, com um perfil de especialização manifestamente desadequado.

Na abertura ao exterior, impõe-se:

  1. Reduzir o peso do conteúdo importado incorporado nas nossas exportações, que são causa primordial do secular défice da nossa balança de bens e serviços, por via de um aumento do valor acrescentado nacional daquilo que exportamos. Os nossos Governos citam, sistematicamente, como prova de sucesso das suas políticas, o aumento das nossas exportações brutas no PIB, desde o início da década passada, omitindo, contudo, que esse aumento não é acompanhado pelas exportações líquidas, ou seja, que temos vindo a assistir a um aumento do peso de componentes importado no valor das exportações. Estudo recente de A. Mateus, realizado para a CCP, mostra que, entre 1995 e 2018, aquelas componentes subiram de 22% para 30% (sendo que nas exportações de bens industriais o peso é muito maior, tendo passado de 30% para 43%). Tudo isto faz com que o discurso da estratégia da «economia aberta» tenha que ser relativizado pois, na realidade, apenas 30% da nossa actividade económica se destina a mercados externos.
  2. Ter uma política de diversificação dos nossos mercados, recusando uma estratégia de “regionalização” dos circuitos económicos (a chamada «desglobalização») e apostando, com clareza, em mercados fora da U.E., que são precisamente aqueles que registam maiores níveis de crescimento e são a principal via para reduzir dependências e aumentar a nossa quota de mercado.

Ou seja, temos que ter uma lógica de internacionalização alicerçada mais em valor do que em quantidades, reforçando as exportações quer de serviços, quer de bens com incorporação de mais serviços.

No que se refere a um novo modelo económico, impõe-se por seu turno:

  1. Reforçar a interligação entre sectores, visando aumentar a conexão vertical das cadeias de valor, sem deixar também de pugnar por uma maior coordenação horizontal de actividades gerando sinergias e dimensão, condição para se obterem ganhos de eficiência e de produtividade. Políticas orientadas para alterar o peso dos diferentes sectores (como seja o objectivo fixado por anteriores governos para a última década de colocar a indústria transformadora nos 20% do VAB nacional) é um anacronismo sem sentido. O caminho da terciarização que resulta da desmaterialização dos produtos e do aumento dos consumos intangíveis é incontornável e o nosso país está já bem posicionado neste domínio, mas importa assegurar o caminho, ainda incipiente, rumo à servitização, que é o único compatível com inovação e economia digital, conceito que mede o peso da incorporação de serviços no conjunto da economia, ou seja, avaliando as componentes de valor imaterial de todos os sectores, independentemente do produto final, pois são elas que permitem criar mais valor acrescentado para o conjunto da economia.
  2. Partir, nesta linha integradora, de uma concepção em que todas as actividades são importantes e, em todas, o caminho da servitização associado à criação de valor imaterial, é o desafio. Não faz, por exemplo, sentido segmentar as actividades em função do seu perfil tecnológico pois o que é mesmo relevante é o contributo em cada uma delas do valor acrescentado nacional (estudo já referido de A. Mateus, mostra que em Portugal os sectores de alta tecnologia estão a criar menos valor para o país de que os sectores de média tecnologia). Como, também, não o faz a segmentação dos sectores a partir da tipificação do trabalho em mais qualificado e menos qualificado, pois todos requerem elevação de competências e trabalho qualificado (embora as necessidades do ponto de vista académico sejam diferentes).
  3. Impulsionar a cooperação e a partilha como sendo o caminho a seguir: seja entre empresas, seja entre o público e o privado, seja entre os vários sistemas (por exemplo, do escolar e da inovação com o tecido empresarial) e criar redes colaborativas nacionais e internacionais.

Sabendo que somos uma economia que, pela sua dimensão, não deve progredir na base do confronto e da disputa pela liderança do nosso mercado (retomando a fase recente da nossa história visando a criação de “campeões nacionais”) mas pela abertura ao exterior.

Cabe às políticas públicas expandir e promover a qualidade dos factores de produção de que o país dispõe (desde logo, os recursos humanos e o território são investimentos essenciais) e não aumentar a segmentação entre sectores e cadeias produtivas. Os próximos anos são desafiantes para Portugal e neles jogamos o nosso futuro por várias décadas. São anos em que o investimento inovador tem que estar no centro das políticas e em que não podemos, por erros de concepção ou de má gestão, fazer uma má utilização dos dinheiros públicos e dos fundos comunitários. Só um Governo com uma agenda reformadora e com uma estratégia de médio prazo nos dará a confiança de que vamos fazer diferente e que poderemos ter sucesso e ganhar o nosso futuro.