O mundo está a mudar rapidamente e essa mudança inclui a forma como ensinamos e aprendemos. A inteligência artificial (IA) está presente nas nossas vidas de muitas maneiras, mas, em Novembro passado, quando tomámos conhecimento do ChatGPT, o mundo deu um salto em frente demasiado grande e ainda não sabemos se foi na direcção certa. Por agora, pergunto-me se os recentes avanços na inteligência artificial provarão ser uma grande mudança na educação ou se estamos perante mais um sucesso de bilheteira digital que desaparecerá rapidamente.

A IA evoluiu tanto que agora pode produzir texto, música, arte e muitas outras criações humanas, a partir do que já está criado e disponível na Internet, como acontece com o Generative Pre-Train Transformer 3 (GPT-3), uma inteligência artificial de código aberto criada pelo OpenAI – um líder em inteligência artificial generativa para produzir texto semelhante ao produzido humanamente.

O facto de existirem máquinas que simulam decisões humanas, produzindo todo o tipo de construções textuais ajustáveis a tantas situações quantas desejarmos, juntamente com o facto de podermos validar e melhorar o que comunicamos sozinhos, parece um avanço positivo na educação e nas interacções humanas de hoje. Não receio que as máquinas acabem por aprender a tomar decisões quase humanas. Mas confesso que, quando recentemente descobri o ChatGPT, e experimentei o que podia fazer, o meu mundo parou e ainda estou num certo modo de suspensão de todas as minhas crenças no futuro da educação, literatura, cultura e tudo o resto.

Estudantes de todo o mundo já estão a discutir como automatizar tarefas programadas para este ano académico, a IA já está aqui nas nossas salas de aula, mesmo que muitos professores não saibam ainda nada sobre ela; os nossos estudantes já estão a participar em conversas em linguagem natural com uma entidade gerada por computador enquanto nós confiamos na integridade de todas as tarefas: ensaios, relatórios, propostas de investigação, artigos, teses e muito mais.

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Os nossos estudantes e colegas, os nossos jornalistas e cientistas, os nossos escritores e artistas, etc., têm utilizado todo o tipo de assistentes de escrita de inteligência artificial. Não se trata apenas do poderoso Wordtune, uma aplicação que se pode facilmente incorporar no Microsoft Word para “expressar exactamente o que se quer dizer, exactamente onde se trabalha”, como dizem. Há já hoje muito software de IA que visa ajudar-nos na escrita e na comunicação verbal: Jasper, Grammarly Business, G2Deals, Rytr, copy.ai, Writesonic, Anyword, Peppertype.ai, Semrush, Simplified, LeadIQ, etc.. Ou nós, como educadores e cientistas, aprendemos a dominar este novo mundo de ferramentas de assistentes de IA, ou perderemos o voo do futuro em que a maioria dos nossos estudantes já fez o check-in.

Nos últimos meses, foi publicado um número significativo de artigos sobre o impacto do GPT-3 na educação. Comento uma breve selecção.

Em “The College Essay Is Dead“, Stephen Marche declarou a morte do ensaio como trabalho académico, quebrando-se assim uma tradição até aqui consolidada nas academias de todo o mundo.

Low De Wei, em “This AI Chatbot Is Blowing People’s Minds. Here’s What It’s Been Writing“, reuniu algumas respostas de vários utilizadores iniciais do ChatGPT e descreveu assim a nova “tempestade”: “Um novo chatbot criado pela inteligência artificial sem fins lucrativos OpenAI Inc. tomou a Internet de assalto, enquanto os utilizadores especulavam sobre a sua capacidade de substituir tudo, desde peças de teatro até ensaios universitários. (…) As respostas incluíram aqueles que disseram que o ChatGPT podia ser validado em sala de aula e isto marca o fim do ensaio de 1.000 palavras produzido fora da sala de aula“.

Francisco Tigre Moura, em “ChatGPT Has Reached the Classrooms. Now What for Education and Universities?“, afirma: “Trabalhos e avaliações que exijam a escrita de texto puro (ensaios, relatórios, artigos, propostas, teses), sem uma certeza clara do autor, serão facilmente automatizados sem soluções que garantam a autoria. Assim, talvez tenhamos de voltar aos métodos antigos até compreendermos exactamente o que devemos fazer. Por exemplo, exames escritos presenciais, exames orais, e outras formas de avaliação onde a garantia de autoria é assegurada. Ou talvez, neste caso, o passado é o futuro. (…) Talvez precisemos de criar ambientes de aprendizagem que estejam muitas vezes totalmente desconectados, para sermos transformadores.

Há já escritores profissionais que utilizam o ChatGPT para criar novo material literário e não têm medo de confessar o seu novo modo de produção, como é o caso de Jennifer Lepp, que assina com o pseudónimo Leanne Leeds, e que, à pergunta directa sobre o uso do ChatGPT, feita por Josh Dzieza, em “How Kindle novelists are using ChatGPT”, responde: “Neste momento, utilizo-o para títulos e enredos – especificamente enredos de mistério. E anúncios promocionais. Basicamente, comecei apenas por lhe dizer quem sou e do que preciso. ‘Estou a escrever um mistério paranormal que tem lugar na pequena cidade de Table Rock, Texas. Existirá uma detective amadora. Este é o seu nome. Preciso de uma vítima de homicídio. Preciso da forma como foram mortas. Preciso de quatro suspeitos de homicídio com informações sobre o porquê de serem suspeitos e como são ilibados. E depois digam-me quem é o assassino culpado’.

Chris Stokel-Walker, em “AI bot ChatGPT writes smart essays — should professors worry?”, confirma testemunhos de quem já procura soluções pedagógicas para o desafio do uso correcto da IA na sala de aula: “Mesmo que isto seja o fim dos ensaios como instrumento de avaliação, não é necessariamente uma coisa má, diz Arvind Narayanan, um cientista informático da Universidade de Princeton em Nova Jersey. Ele diz que os ensaios são usados para testar tanto os conhecimentos de um estudante como as suas capacidades de escrita. ‘O ChatGPT vai tornar difícil combinar estes dois numa única forma de trabalho escrito’, diz. Mas os académicos poderiam contrapor reelaborando avaliações escritas para dar prioridade ao pensamento crítico que o ChatGPT ainda não pode fazer. Isto poderia, em última análise, encorajar os estudantes a pensar mais por si próprios, em vez de tentarem responder a pedidos automatizados de ensaios.

Em “The End of High-School English”, o professor Daniel Herman mostra-se pessimista sobre o futuro do ensino de Inglês (por extensão, de qualquer disciplina): “Pergunto-me se isto poderá ser o fim da utilização da escrita como referência para avaliação da aptidão e inteligência dos alunos. Afinal de contas, o que é uma carta de apresentação? O seu objectivo principal não é comunicar ‘já sei como fazer este trabalho’ (porque claro que não sei), mas sim ‘sou competente e digno de confiança e posso expressar claramente porque seria um bom candidato para este trabalho’. O que é um exame escrito? O seu foco principal não é ‘memorizei um monte de informação’, mas sim ‘posso expressar essa informação claramente por escrito’. Muitos professores reagiram ao ChatGPT imaginando como dar tarefas escritas agora – talvez devam ser escritas à mão, ou dadas apenas na aula – mas isso parece-me ser redutor. A questão não é ‘Como vamos contornar isto?’ mas sim ‘Será que ainda vale a pena fazer isto?’”.

E o debate continua…

A evolução da inteligência artificial na sala de aula vai obrigar-nos a mudar muitos dos nossos procedimentos e metodologias de ensino. Não devemos recear essa evolução, porque sempre soubemos adaptar-nos a evoluções rápidas no passado desde o aparecimento do computador até ao momento em que hoje consagramos a chamada educação digital. O que vai mudar? Algumas intuições – por enquanto, apenas tenho intuições e não certezas:

  1. Os códigos de ética da investigação vão ter de ser mais eficazes na sua transposição didáctica: importará mais do que nunca verificar a integridade e a originalidade dos trabalhos científicos.
  2. Não estamos condenados a abandonar a prática ensaística, mas a mudar a sua metodologia de supervisão: melhorar a supervisão e tutoria de todos os passos da construção de um ensaio ou trabalho académico; exigir maior rigor na originalidade e criatividade demonstrada por escrito; exigir total consonância entre a apresentação oral desses trabalhos e a sua realização escrita; valorizar, na avaliação, sobretudo a capacidade analítica e crítica (o que temos vindo a chamar internacionalmente “critical thinking“) desses textos; valorizar a capacidade de leitura crítica e comparada da literatura científica que serve de suporte à investigação; valorizar mais a arte de bem citar e comparar fontes e documentos; valorizar todas as formas estilísticas de expressão escrita e verbal que representam um modo único de escrita. (De notar que nenhuma destas características pode ser conseguida através de qualquer inteligência artificial e por isso têm de ser cada vez mais valorizadas.)
  3. Podemos manter os exames em modo totalmente desligado da Internet, como garantia de produção de textos de autoridade humana. Não sendo adepto desta modalidade de avaliação do que se ensina, reconheço que ganha agora uma nova legitimidade.
  4. As capacidades de comunicação oral na sala de aula serão agora e no futuro mais importantes do que nunca para determinar a capacidade real dos alunos de comunicarem proficientemente.
  5. Valorizar mais o aluno que possui capacidades que vão para além da mera paráfrase do que se ensina nas aulas (os/as caixas de ressonância do professor) e que prova que é capaz de pensar todos os assuntos da aula, e para além dela, pela sua própria cabeça.

Se formos capazes de seguir estes princípios simples, não temos de recear a evolução da inteligência artificial e todas as possibilidades de produção textual e comunicação através de um computador. Acompanhemos esta evolução de mente aberta, saibamos, enquanto educadores, ser cada vez mais humanos nas nossas acções, e tudo o que ensinamos terá um resultado que nenhum computador conseguirá emular.

Já existem ferramentas como o GPTZero – “uma aplicação que pode detectar rápida e eficazmente se um ensaio é ChatGPT ou escrito por humanos”, criada por Edward Tian, um finalista de 22 anos da Universidade de Princeton, que no seu Twitter tem divulgado o seu esforço por validar o uso pedagógico da IA na educação. Também podemos seguir com o olhar mais optimista de Ethan R. Mollick and Lilach Mollick, que, em “New Modes of Learning Enabled by AI Chatbots: Three Methods and Assignments”, propõem actividades positivas de trabalho com o ChatGPT e que permitirão aos professores redesenhar as suas práticas e metodologias de Ensino: “(…) acreditamos que a IA, na sua forma actual com ChatGPT, e certamente nas suas encarnações futuras, pode ser utilizada para impulsionar a aprendizagem, ultrapassando três barreiras à compreensão que são difíceis de ultrapassar nas salas de aula: melhorar a transferência, quebrar a ilusão do ensino expositivo, e formar estudantes capazes de avaliarem criticamente esse ensino.

Concluo em acordo com Peter Greene que, em “No, ChatGPT Is Not The End Of High School English. But Here’s The Useful Tool It Offers Teachers”, defende que não estamos a entrar numa fase apocalíptica do ensino tradicional: “O ChatGPT não marca o fim da aula de Inglês no ensino básico e secundário, mas pode marcar o fim do desempenho da expressão escrita medíocre e padronizada, e pode vir a ser um novo desafio para alunos e professores. Esse objectivo já devia ter sido atingido há muito tempo e se o ChatGPT nos apressar a chegar lá, então é uma boa notícia.

Por agora, acredito que podemos mudar o curso da educação, com IA, desde que sejamos capazes de formar os nossos estudantes como auto-didactas activos e passar de uma espécie de pedagogia geral imediata (ou aprendizagem através da repetição textual e ressonância verbal) para uma heutagogia (ou aprendizagem crítica auto-determinada, derivada da palavra grega heuriskein, “descobrir”), autonomia de desenvolvimento e capacidade de produzir excelência na escrita académica e comunicação verbal. A partir daqui, falaremos de preferência de inteligência aumentada (augmented intelligence), porque, como diz Peter Bentley, em “Augmented Intelligence: What it is and why it will be smarter than AI”: “Toda a filosofia da inteligência aumentada é colocar os seres humanos em primeiro lugar, e a tecnologia em segundo”. Não há outro caminho em educação.

Professor Catedrático, Universidade Nova de Lisboa

‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.