Mario Draghi liderou o Banco Central Europeu numa das mais profundas crises internacionais e europeias, com poucos paralelos na história económica e financeira mundial. No caso da área do euro, a crise atingiu até a confiança na própria moeda. E se é bastante consensual que o seu papel foi fundamental para salvar o euro e a área do euro, é também claro que no momento da sua saída deixa alguns casos espinhosos por resolver.

“Whatever it takes”, antes de ser um tema da banda Imagine Dragons, foi a maior prenda que Mario Draghi deu à Europa em julho de 2012. Em junho, o Conselho Europeu tinha dado um sinal político de que os Estados-Membros estavam empenhados em manter o euro. Mas Draghi dirigiu-se diretamente aos mercados com uma mensagem muito simples: “Dentro do nosso mandato, o BCE está pronto para fazer tudo o que for necessário para preservar o euro”.

Em julho de 2012, no pico da crise económica europeia, em que a Grécia e Portugal se debatiam numa recessão aparentemente sem fim à vista e a Espanha e a Itália ameaçavam descarrilar, foi uma das frases mais marcantes do mandato de Mário Draghi. A mensagem era clara, o BCE tornava-se “de facto” o prestamista de último recurso da área do euro. Em setembro, o BCE lançou o programa OMT (Outright Monetary Transactions), um programa de compras de dívida pública nos mercados secundários que permitiu limitar e até reverter as subidas de spreads nos países que tinham solicitado assistência financeira e restaurar a confiança no euro.

Este programa marcou também uma nova fase de flexibilização na condução da política monetária, alargando de forma significativa o número de instrumentos à disposição do BCE. O Presidente Trichet tinha iniciado esse processo em 2009, algo tardiamente face à intensidade da crise, mas com Draghi, ele tomou novas proporções. Perante sinais de desaceleração em 2014, o BCE reduziu a taxa de depósito para um valor negativo e lançou um novo programa de compra de ativos (Asset Purchase Programme). Essa flexibilidade foi útil para limitar os estragos pela crise política na Grécia no verão de 2015, quando o novo Governo de extrema esquerda liderado por Tsipras rompeu as negociações com a Troika em junho e realizou um referendo sobre o euro (Grexit). Em março de 2016, o BCE aumentou o volume de compras mensais do APP de 60 para 80 mil milhões euros reduzindo gradualmente o volume de compras a partir de abril 2017.

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Mario Draghi deixa assim uma herança de instrumentos não convencionais à sua sucessora e, talvez ainda mais importante, deixa também a confiança de que o euro está para ficar, enquanto houver vontade política.

Mas deixa também alguns problemas sérios. Apesar do seu dinamismo lhe ter valido o cognome de Super Mario, ainda assim não foi suficiente para manter a inflação de forma sustentável próxima de 2%, que é de facto o mandato do BCE. Embora este seja um problema alargado a várias economias, no caso da área do euro, isso impediu que houvesse uma normalização da taxa de juro ou uma diminuição significativa do balanço do BCE.

Para além da inflação, Draghi deixa também um Conselho dividido. As taxas de juro historicamente baixas durante grande parte da última década, têm um efeito negativo sobre a rendibilidade dos bancos e das poupanças. A decisão em setembro de retomar o programa APP com compras mensais de 20 mil milhões de euros a partir de novembro e a redução das taxas de depósitos para -0,5% é por isso pouco consensual dentro do Conselho, e terá sido um dos motivos da demissão de um membro do Conselho, Sabine Lautenschläger. A opinião pública em países como a Alemanha é também altamente crítica da atuação de Mario Draghi e do BCE, pela sua incapacidade de normalizar a política monetária, acentuando o ressentimento face aos países mais endividados.

Os desafios do euro são aparentemente menos urgentes hoje do que eram quando Mario Draghi tomou as rédeas do BCE. Mas por serem de natureza estrutural e perante uma capacidade de atuação da política monetária mais limitada, poderão também ser mais difíceis de resolver, numa fase em que há crescentes riscos de recessão na Europa.