Poderá haver quem me acuse de alarmismo. Na hipótese remota de algum finlandês ler esta coluna peço desde já desculpa pela ironia que lhe dá título. Mas a Finlândia parece estar – felizmente – à beira de ver terminado o seu processo de adesão à Aliança Atlântica. O parlamento húngaro deu a sua indispensável aprovação esta semana. O parlamento turco acabou de o fazer ontem. O que irá acontecer a seguir e que conclusões tirar? A acreditar nas teses de alguns a invasão russa deveria ser certa e iminente. Se não acontecer, como espero, veremos se se tiram as devidas conclusões.

A NATO é uma aliança voluntária

Uma primeira conclusão fundamental é que, ao contrário do defunto Pacto de Varsóvia, comandado pela igualmente defunta União Soviética, a NATO é uma organização de adesão realmente voluntária, e em que cada Estado tem realmente um voto e um veto. Isto significa que só com o acordo de todos é possível a adesão de novos membros à Aliança Atlântica. Os EUA têm muito peso por serem de longe quem mais contribui para a defesa coletiva, mas estão longe de poder simplesmente impor a sua vontade. Isso ficou evidente, aliás, em 2008, quando vários Estados europeus vetaram a proposta americana de adesão da Ucrânia. Esta foi uma de múltiplas tentativas de acomodar as sensibilidades russas e chegar a um compromisso negociado, pacífico com Moscovo. Outra foi o facto de, até à anexação russa da Crimeia, em 2014, não haver tropas de outros aliados nos novos membros da NATO. A adesão dos antigos membros do Pacto Varsóvia foi apenas uma forma de lhes dar uma robusta garantia de segurança coletiva e de os ajudar a reforçar os seus meios de defesa próprios para dissuadir agressões. E ainda há quem venha falar de dilema de segurança russo!

O dilema de segurança e o tango

Haveria muito que dizer a respeito de fachadas académicas para teses duvidosas, mas para já basta insistir em dois pontos fundamentais sobre o conceito de dilema de segurança. O primeiro é que, como o nome indica, é um dilema. Um Estado arma-se para se defender, uma vez melhor armado pode decidir atacar, e outros Estados não podem estar seguros sem também cuidarem de se armar melhor. Ou seja, este dilema, como qualquer outro, não têm uma solução simples. Não é uma solução séria para um eventual dilema de segurança russo ceder sempre à Rússia ou desarmar unilateralmente o Ocidente. O segundo é que, tal como no tango, tem de haver pelo menos dois num dilema de segurança. Ou seja, ele não é exclusivo do Kremlin. Na verdade, os países vizinhos da Rússia têm muito mais razões objetivas – pelo volume de armamento russo e pelo seu repetido uso agressivo – para se sentir inseguros. A resposta racional a isso é procurar reforçar as suas defesas e as suas alianças. Ou seja, o tão falado dilema de segurança não impede ou desaconselha o alargamento da NATO, é até fundamental para explicá-lo.

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Lamento insistir no óbvio, mas a desinformação russa é persistente: nunca houve o indispensável acordo de todos os membros da NATO para a adesão da Ucrânia. Isto não é uma questão em aberto. É um facto histórico. A Ucrânia nunca sequer viu iniciado o processo de adesão que está agora quase concluído para a Finlândia. Mais, em 2014, quando a Rússia ocupou e anexou a Crimeia, a Ucrânia até tinha na sua constituição – desde 2010 – o compromisso com a neutralidade e com não aderir a alianças como a NATO. Esta cláusula só foi revogada em dezembro de 2014. Portanto a propaganda russa de procurar justificar a invasão da Ucrânia com a ameaça temível que a sua adesão à NATO representaria não passa disso mesmo, propaganda. Infelizmente alguns dos nossos colunistas– de Boaventura Sousa Santos a Miguel Sousa Tavares – parece que acreditam e difundem essa versão. Até alguns líderes mundiais parecem atribuir algum mérito a esta tese russa, temos agora um verdadeiro teste da mesma.

Uma invasão iminente?

Em suma, se a propaganda russa relativamente às razões da invasão da Ucrânia for para levar a sério, a invasão russa da Finlândia é inevitável e iminente. Veremos o que acontece. Nunca estou absolutamente certo de nada relativamente ao futuro, ninguém de bom senso está. De Putin pode-se esperar quase tudo. Apesar disso, e tendo em conta o histórico de acumulação de poder e riqueza de Putin, dos seus familiares e amigos, bem como o trabalho que teve para garantir que poderá manter-se no poder até 2036, não vejo razões, para já, para acreditar que vá dispersar forças militares ou deliberadamente provocar uma Terceira Guerra Mundial potencialmente suicida. Mas claro que se a adesão à NATO é que é o cerne do problema russo, e não uma Ucrânia pluralista e pró-ocidental, então Putin deveria concentrar as suas forças, mesmo enfraquecidas, não a combater ucranianos, mas sim os finlandeses, antes que seja tarde demais.

É claro que, até ver, a Rússia não tem invadido países porque eles podem aderir à NATO, ou porque efetivamente aderiram à Aliança Atlântica. Não invadiu a Polónia. Não invadiu os Bálticos. Porquê? Porque, ao contrário do que nos têm tentado convencer muitos pseudopacifistas, a Rússia não invade países porque eles estão bem armados com o equipamento militar ocidental avançado, porque fazem parte da NATO, porque beneficiam da sua garantia de segurança e defesa coletiva. Pelo contrário, a Rússia de Putin invade, conquista e anexa países vizinhos mais fracos e isolados! É por perceberem isto mesmo que suecos e finlandeses decidiram abandonar uma longa história de neutralidade. Os suecos e finlandeses, entre os povos mais educados do mundo, sabiamente procuram a segurança da Aliança Atlântica porque, na sua grande maioria, perceberam a verdadeira natureza da ameaça duma Rússia putinista, mais agressiva e imprevisível do que a Rússia soviética. Parece-me, por tudo isto, felizmente pouco provável que a Finlândia seja invadida. Outra coisa são ataques híbridos russos, de que aliás o país já foi alvo frequente no passado. Não é por acaso que fica em Helsínquia o centro de excelência da União Europeia para conflitos híbridos.

Veremos o que acontece. E veremos o que dirão então estes líderes eminentes e estes eminentes comentadores. Se a Rússia não invadir a Finlândia na iminência de aderir à Aliança Atlântica, espero ver estes líderes e comentadores a retirar publicamente a conclusão lógica. Afinal o problema não era a NATO! Isto, claro, se não estiveram – como insistem – simplesmente a reproduzir acriticamente propaganda russa e a criar falsas equivalências em nome de um suposto rigor. Vou ficar a aguardar, mas confortavelmente sentado, e não por muito tempo.