É sabido que José Caeiro da Matta, o Ministro dos Negócios Estrangeiros que, em nome de Portugal, assinou, a 4 de Abril de 1949, o Tratado do Atlântico Norte, não representava um governo democrático. A bem da verdade, dos doze estados fundadores da NATO, Portugal era o único que vivia sob um regime autoritário, singularidade que ajuda a entender a prioridade estratégica dos fundadores da Aliança: a criação de um espaço de segurança partilhada que pudesse conter o expansionismo soviético.

Tratou-se de um momento marcante na política externa portuguesa que pôs fim à neutralidade estratégica. Não foi uma viragem menor, pois fora esta mesma neutralidade que garantira a ausência de conflito em território nacional durante a Segunda Guerra Mundial. Em 1949 Portugal fez uma escolha: a NATO. Escolha que mudou tudo, para Portugal e para a Aliança. Com o colapso da União Soviética em 1991, a ameaça original deixou de existir. A Aliança Atlância passou de 12 para 32 membros, grande parte dos quais são oriundos do antigo Pacto de Varsóvia. Nesses anos, Portugal conduziu uma longa guerra colonial, assistiu ao desmoronamento do império, fez uma transição democrática e, em 1986, aderiu à Comunidade Europeia.

Celebrando os seus 75 anos, a NATO realizou uma cimeira em Washington para reforçar o compromisso dos aliados com a paz e a estabilidade no continente. Entende-se que, no quadro actual, a defesa da Ucrânia configura a primeira prioridade da organização. Ao investir militarmente contra um estado soberano europeu, Vladimir Putin demostrou que estamos longe da “paz kantiana”, que continuam a existir ameaças à segurança europeia. Face a esta realidade, a NATO, que em 2015 debatia a sua relevância estratégica, anunciou uma linha de apoio de 40 mil milhões de dólares e um programa de assistência de treino e de equipamento com o propósito de defender o território ucraniano. A presença de Zelensky em Washington garantiu a clareza da mensagem: a Aliança não recuará perante a agressão de Putin.

A NATO continua a ser uma aliança defensiva desenhada para evitar a guerra por meio da dissuasão, razão porque, depois de longos anos de ambiguidade, renova a aposta numa indústria de defesa europeia há muito relegada ao abandono. Sublinhe-se que, em 2014, somente três estados-membros cumpriam o compromisso de 2% do PIB em defesa acordado na Cimeira do País de Gales. Hoje, 23 países igualam ou superam essa meta. Paulatinamente, a Aliança reforça as suas capacidades de modo a poder continuar a servir como instrumento de dissuasão.

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Todavia, a segurança dos aliados vai muito para além do tradicional espaço transatlântico. Num mundo de interdependência e ameaças globais, dificilmente se pode escudar o Atlântico Norte de outras regiões. Por isso, o Indo-Pacífico passou a ser um eixo prioritário da NATO, mudança evidenciada pela presença na cimeira de Washington dos estados parceiros da região: o Japão, a Coreia do Sul, a Austrália e a Nova Zelândia. Esta nova arquitetura de segurança englobando o Indo-Pacífico, responde ao aprofundamento do relacionamento sino-russo, mas, mais importante, vai ao encontro dos novos palcos onde se defendem os nossos interesses e valores.

A este propósito, vale a pena recordar o artigo premonitório publicado pelo candidato presidencial John McCain na revista Foreign Affairs em 2007. O texto – An Enduring Peace Built on Freedom – sustentava a necessidade de se criar uma “Liga de Democracias” juntando as democracias do Atlântico e do Pacífico numa organização de valores e interesses comuns que agiria como “a mão de serviço da liberdade”. A organização prevista por McCain servia, também, para conter a Rússia, a China e outras ameaças à paz, para enfrentar o terrorismo internacional e para isolar regimes tirânicos.

Hoje, 75 anos depois da fundação da NATO, nenhum dos seus membros abandonou a organização. Todos são democracias, tal como os parceiros e os países que se candidataram à adesão. Talvez seja razoável assumir que hoje a Aliança Atlântica defende mais do que a soberania e o território dos seus membros. Com efeito, defende um modo de vida em liberdade, uma comunidade de pertença da qual Portugal faz parte. Uma comunidade de pertença chamada democracia.

Foi esta a semente que John McCain lançou ao propor a “Liga das Democracias”, uma semente que germinou no seio da Aliança.

Membro da Comissão Parlamentar de Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas