Fernando Mútica Herzog, Fernando Buesa Blanco, José Luis López de Lacalle, Juan María Jáuregui Apalategui, Ernest Lluch Martín, José Ángel Santos Laranga, Josu Leonet Azkune, Froilán Elespe Inciarte, Juan Priede Pérez, Joseba Pagazaurtundua Ruiz e Isaías Carrasco Miguel foram alguns dos socialistas brutalmente assassinados pela ETA. Uns com tiros na barriga, outros com tiros na cabeça em frente aos filhos, outros em carros armadilhados com bombas. Matavam como praxis e encaravam a violência como meio legítimo de combate político.
A 20 de Outubro de 2011 renunciaram às armas e a democracia e a liberdade triunfavam sobre a barbárie da ETA. Nesse mesmo ano, a 3 de Abril, nascia um novo partido com sede em San Sebástian: o Bildu. Um partido de matriz radical, de extrema-esquerda e pró-independentista, fundado por um sinistro Arnaldo Otegi: ex-porta voz do Batasuna (antigo braço político da ETA), ex-ETArra e ex-presidiário condenado por terrorismo.
O hoje denominado EH-Bildu, conta com 21 deputados no parlamento basco, com 7 no parlamento de Navarra, com 5 nas Cortes e com 1 no Parlamento Europeu, onde alinham com o Bloco de Esquerda e com o Partido Comunista Português no Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde.
Até aqui poderíamos apenas lamentar que os herdeiros da ETA tenham sequer apoio popular que lhes permita um lugar em vários órgãos da soberania popular e democrática. Seriam, no fundo, particularidades e vicissitudes inerentes à própria democracia, e que se combatem pela palavra, pelo debate, pela razão, pelo exemplo e, sobretudo no caso do EH-Bildu, pela clarificação de que há um nós e um eles, e que nós e eles não nos confundimos. Nunca e em nenhuma circunstância, independentemente do momento político ou partidário concretos. Porque há linhas que não se cruzam; porque nenhum oportunismo político o justifica ou pode justificar; porque para defender a democracia há cordões sanitários que se impõem. E este é um deles.
Ora, o Partido Socialista Espanhol e Pedro Sanchéz quebraram esta regra. Primeiro, promoveram com o EH-Bildu uma moção de censura para derrubar o governo de Mariano Rajoy. Segundo, negociaram o próprio (Programa de) governo de Pedro Sanchéz e Pablo Iglesias, quando precisaram dos votos dos herdeiros da ETA. Em troca exigiram uma reforma profunda da actual lei laboral. Terceiro, quando apesar de em 2019 terem perdido as eleições de Navarra para a coligação Navarra Suma, liderada pelo Partido Popular e pelo Ciudadanos, assaltaram o poder naquela Comunidade Autónoma com a abstenção parlamentar (previamente negociada) do EH-Bildu. E quarto, com as mais recentes cedências em matéria de política educativa e orçamental, para poderem contar com o apoio dos 5 deputados do EH-Bildu na aprovação do Orçamento Geral do Estado.
Este último episódio não deixa, no entanto, de ser paradigmático. Perante a mão estendida do Ciudadanos de Inés Arrimadas – que ofereceu o seu apoio à proposta orçamental apresentada pelo governo espanhol, caso aspectos da Ley Celaá (lei sobre o sistema de ensino que se encontra em discussão nas Cortes) não prosseguissem, como eliminação do Castelhano como língua de ensino na Catalunha e no País Basco, por exemplo –, o PSOE de Pedro Sanchéz preferiu a companhia do EH-Bildu que exigiu precisamente o contrário do Ciudadanos em matéria de educação.
Ora, o PSOE de Pedro Sanchéz tinha alternativas, mas, mesmo assim, optou por enlamear-se com o EH-Bildu. Vergonha é a palavra que me surge. Vergonha pela escolha e vergonha pela memória curta quando nem dez anos passaram desde o último assassinato da ETA.
Assim, o PSOE de Pedro Sanchéz, ao sentar-se à mesa com Arnaldo Otegi, reconheceu uma legitimidade institucional a um partido que nasce das cinzas do terrorismo armado, da violência e do crime. Conseguiu, numa palavra, normalizar e reconhecer a legitimidade política e democrática que lhes faltava à luz das suas origens de sangue, morte e terror. Com este gesto, o PSOE de Pedro Sanchéz canibalizou a política espanhola, intoxicou o debate e radicalizou o Partido Socialista Espanhol onde militaram o Fernando Mútica Herzog, Fernando Buesa Blanco, José Luis López de Lacalle, Juan María Jáuregui Apalategui, Ernest Lluch Martín, José Ángel Santos Laranga, Josu Leonet Azkune, Froilán Elespe Inciarte, Juan Priede Pérez, Joseba Pagazaurtundua Ruiz e Isaías Carrasco Miguel, barbaramente assassinados pela ETA.
Um partido sem memória é um mero instrumento de uma agenda pessoal e deve ser denunciado pelo seus pares que, sabendo o que custou ganhar a democracia e a liberdade e vencer o terrorismo da ETA, se deveriam levantar, em uníssimo, e gritar basta.
Há uns dias assinei e subscrevi, juntamente com mais de 50 signatários, o texto publicado no Público “Abaixo assinado: A clareza que defendemos”, onde defendi que a deriva populista à direita deve ser combatida, e que qualquer iliberalismo que ponha em causa os mais elementares princípios da própria democracia deve ser rejeitado, independentemente das agendas políticas e partidárias deste ou daquele momento. Hoje, gostava de ver o mesmo gesto de intransigência política por parte da esquerda e do socialismo democráticos sobre o silencioso golpe de Estado em curso que se vive em Espanha. E este é só mais um exemplo: “Nosotros vamos a Madrid a tumbar definitivamente el régimen”, Arkaitz Rodriguez, deputado do EH-Bildu no parlamento basco, 12 de Novembro de 2020.