A doença renal crónica (DRC) é uma falência de órgão que no seu estadio terminal pode ser fatal. Os doentes que sofrem desta doença na fase mais avançada necessitam que as funções dos rins sejam substituídas por tratamentos (diálise). Ficar dependente de diálise representa um peso enorme na vida de um doente e da sua família, pelo tempo que retira de vida, pelos sintomas associados à doença e ao próprio tratamento. Mas a diálise representa também um enorme peso para a Sociedade e para o Orçamento em Saúde uma vez que “apenas” 13 mil doentes gastam cerca de 2.5% das despesas em saúde em Portugal (cerca de 246 milhões de Euros de acordo com dados da OCDE).

Em 2008 Portugal foi pioneiro na implementação de um programa de Gestão Integrada da Doença (GID): um modelo de cuidados que deveria envolver “as componentes de gestão clínica da doença, reorganização do modelo de prestação de cuidados e a definição de um modelo de financiamento específico que deveria assentar num sistema de informação que permitisse a monitorização e avaliação constante de todo o processo” (site da SPMS). Por outras palavras, a GID foi implementada enquanto modelo de abordagem da DRC como um todo, desde os estádios iniciais até à fase terminal.

Este modelo que parecia, à partida muito bem pensado por acompanhar a doença desde a fase da prevenção secundária ao tratamento sustentável, acabou por se cingir a um modelo de reembolso dos serviços proporcionados por prestadores privados, uma vez que o Serviço Nacional de Saúde se demitiu da organização de uma rede de cuidados que pudesse dar resposta a todos os doentes que precisavam de hemodiálise. Este modelo que pretendia envolver o doente e colocá-lo no centro dos cuidados nunca foi observado e os doentes nunca foram ouvidos nos cuidados que lhe são prestados apesar de poderem ter que ser submetidos a estes tratamentos por anos a décadas.  Os prestadores dos cuidados também nunca fizeram parte da decisão no que diz respeito ao reembolso dos serviços prestados, mas viram, nos últimos 15 anos, os seus pagamentos serem reduzidos unilateralmente apesar do aumento dos custos dos serviços que prestam. As regras definidas para os reembolsos também foram ficando obsoletas. A medicina evoluiu, o conhecimento das melhores práticas mudou, a inovação terapêutica alcançou novos patamares, mas este modelo estanque não refletiu estas mudanças, limitando o acesso dos doentes a outras formas de abordagem da sua doença.

É tempo de repensar este modelo e adaptá-lo à nova realidade:

  1. do ponto de vista conceitual, há que restaurar as ações de prevenção, intervenções em fases iniciais e retardar a progressão da DRC, mas também criar programas que realmente preparem os pacientes para a fase final da doença;
  2. do ponto de vista pragmático, os registos devem ser revistos não apenas para servir de suporte ao pagamento de serviços, mas para a atuação nos fatores modificáveis da doença;
  3. do ponto de vista contratual, há a necessidade de rever os resultados e indicadores de desempenho, para criar um modelo que permita individualizar as terapias e incluir resultados relacionados com o paciente, como a qualidade de vida. O modelo deve garantir efetividade de custo-benefício, mas apresentar também flexibilidade suficiente para personalizar os tratamentos.

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