Recentemente parece que o governo decidiu criar nas universidades portuguesas a figura de concurso interno para promoção dos docentes que já se encontrem nos quadros das instituições de ensino superior (Decreto-Lei n.º 84/2019). Impõe até que para esses concursos, só abertos se houver docentes em condições para tal, só se possam candidatar docentes com mais de 10 anos de carreira. Ora se era importante reformar o sistema universitário português, que é fortemente endogâmico, esta medida poderá contribuir para alimentar precisamente esse problema e potenciá-lo com consequências ainda difíceis de compreender. Deverá uma pessoa mais jovem ser bloqueada no seu desenvolvimento profissional porque tem um colega com mais de 10 anos de contrato por termo indeterminado? Penso que isso limita o desenvolvimento do sistema universitário português que precisa de gente jovem e ambiciosa para progredir.

A intenção parece-me que seria a de resolver um outro problema que se tem arrastado penosamente nos últimos anos que é o de concursos internacionais mal feitos e tendenciosos que acabam por escolher pessoas que já são da casa. Nem mesmo com a obrigatoriedade de ter nos júris dos concursos professores de outras instituições nacionais que não o da instituição que abre o concurso foi possível fazer desaparecer esse fenómeno. Em alguns casos haverá quase uma negociação do género: “aprova aqui o meu que eu aprovo depois o teu quando abrirem concurso na tua universidade”. Quando não é a situação contrária em que elementos externos em maioria podem escolher uma pessoa que garantirá menor capacidade de concorrência dessa universidade no futuro. É até um pouco ridículo ter docentes de outras escolas a escolher quem deverá trabalhar noutra. É um contrassenso que poucas universidades estrangeiras, especialmente as de topo, aplicam. Se uma universidade não sabe escolher o seu pessoal o que é que sabe fazer?

Na prática muitos concursos ditos “internacionais” para professor associado ou catedrático são hoje abertos para os que estão dentro, quando estes estão “em condições”, sendo depois necessário em sede de concurso, se aparecer alguém melhor ou mesmo francamente melhor, fazer uma avaliação forçada e injusta que apenas vai humilhar quem tem trabalhado para construir um currículo mais forte. Muitas vezes sabe-se que não haverá orçamento para trazer alguém de fora pelo que há candidatos já condenados à partida. Ao mesmo tempo, internamente, cria-se um sentimento de concorrência entre colegas na luta por essa promoção que é totalmente desnecessário. Um ambiente muito pouco saudável que destrói quaisquer possibilidades de verdadeira colaboração dentro dos próprios departamentos.

Penso que com base na identificação desse problema cria agora o governo a figura de concurso interno que é uma espécie de entendimento de que os que estão dentro merecem não estar em concorrência com os mais fortes lá de fora ou para que quando não haja orçamento para mais pessoal se faça o upgrade dentro da instituição já que o aumento de salário não terá o mesmo impacto do que contratar uma pessoa nova. A segunda justificação tem até bastante mérito, mas penso que estes concursos não resolvem o problema essencial que é o do desenvolvimento de um sistema universitário mais competitivo nem o da valorização das careiras de quem já está no quadro da universidade. A universidade portuguesa tem que evoluir para um sistema de avaliação de currículo dos docentes com critérios objetivos definidos em cada universidade do que constitui ser professor associado ou mesmo catedrático nessa mesma universidade. Na maior parte das universidades estrangeiras de topo o docente concorre consigo próprio tendo que corresponder aos critérios estabelecidos pela instituição para progressão de título (não necessariamente de salário já que naturalmente com a idade essas progressões vão acontecendo). Não é necessário que abra um lugar para que um docente se possa candidatar a essa progressão. A abertura de um novo lugar, que isso sim deve ser por concurso internacional aberto a todos, dá-se para preenchimento de uma posição nova: para o nível mais inicial para renovação de gerações, ou para níveis mais elevados para reforço e crescimento das equipas numa determinada área em que a universidade decide apostar.

A abertura de concursos nas universidades portuguesas continua a ser relativamente arcaica cheia de decretos com muitos critérios, ponderações, regras, e procedimentos que na prática podem ser facilmente ultrapassados por júris que infelizmente não raras vezes estão limitados pelos orçamentos ou têm outros objetivos que não o do reforço da capacidade do sistema científico português. São ciclos que se reforçam e que não deixam que Portugal cresça na sua produtividade científica que é ainda fraca no conjunto dos países ocidentais. Para que não percamos o barco, que já vai longe com as universidades chinesas a progredirem e a começar a dominar os principais rankings, é preciso pensar de outra forma o ensino superior valorizando os que estão dentro e apostando nos que vêm de fora com outras ideias. Isso não passa necessariamente por gastar mais dinheiro mas sim ter uma política de recursos humanos que reconhece o valor de cada um e lhe dá título (mas também obrigações) compatível com o seu esforço.

Gonçalo Homem de Almeida Correia é doutorado em transportes pela Universidade Técnica de Lisboa (Instituto Superior Técnico). Tem uma carreira universitária de 10 anos tendo sido professor na Universidade de Coimbra e no programa MIT-Portugal. Atualmente é professor na Universidade Técnica de Delft, Holanda, e professor convidado na Universidade Beijing Jiaotong em Pequim, China, nos seus programas de transportes.

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