É impossível que um partido político não reflita sobre os principais indicadores do “Retrato de Portugal”, publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, a propósito do Dia Mundial da População.

De acordo com o referido relatório, a população portuguesa diminuiu nos últimos dez anos e o número de idosos aumentou 18%, passando de 115 idosos por cada 100 jovens, em 2008, para 157 idosos por cada 100 jovens na atualidade.

Assistiu-se ainda, entre 2008 e 2018, a um aumento de casais sem filhos (de 14%) e a um decréscimo dos casais com filhos (em 9%) e outros tipos de composição familiar (em 27%).

Estes dados apenas vêm confirmar a perceção empírica que todos temos de que, nos dias de hoje, nascem menos crianças em Portugal (87.020 em 2018, por comparação a 116.321 em 1990 ou 213.895 em 1960) e que as mulheres são mães, pela primeira vez, cada vez mais tarde (média de 30,4 anos em 2018, por comparação a 24,7 em 1990 ou 25,0 em 1960).

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São números assustadores e que nos devem fazer refletir. Afinal, que medidas interessam verdadeiramente a um jovem casal que teve uma criança ou que pondera ter?

1.     Devo elencar, em primeiro lugar, aquela medida que me parece da mais elementar justiça. Ter um bébé traduz-se num conjunto imensurável de encargos específicos, tais como o carrinho, a cadeira para o automóvel, o berço, as roupas, os cremes, o leite, as fraldas, e toda uma panóplia de produtos (e serviços) próprios para recém-nascidos. No entanto, todas essas despesas apenas são dedutíveis, em sede de IRS, através das despesas gerais e familiares. Assim sendo, o mesmo sistema que permite deduzir despesas relacionadas com “atividades de salões de cabeleireiro e institutos de beleza” ou com “atividades veterinárias” não permite deduzir despesas específicas com recém-nascidos. Quer isto dizer que se eu for ao veterinário tosquiar a minha cadela, posso deduzir a despesa; mas se comprar uma babycock (obrigatória para poder sair com um recém-nascido da maternidade), essa despesa não é dedutível em regime próprio. Devia-se, assim, proceder a uma alteração ao IRS no sentido de considerar dedutível as despesas com crianças (por exemplo, dos 0 aos 3 anos de idade).

2.     A licença parental também deve ser revista. Tratando-se de um período de dispensa de trabalho concedido na sequência do nascimento ou adoção de uma criança, durante a licença é pago o subsídio parental, i. e., uma prestação social que substitui os rendimentos de trabalho do pai ou da mãe durante o período de licença. Atualmente, os pais podem gozar 120 dias de licença remunerada a 100% ou, em alternativa, 150 dias de licença remunerada a 80%, sendo obrigatório que a mão goze os primeiros 42 dias (6 semanas) de licença após o nascimento do bebé e que o pai tire um mínimo de 15 dias úteis. Constatando-se evidente que a duração da licença é curta, sobretudo se compararmos com os países nórdicos, é imperativo alargar o aludido período para 10 meses, ficando ao livre critério de cada casal a distribuição desse período (se 5 meses para cada um, se 15 dias para o pai e 9 meses e meio para a mãe, se 10 meses para o pai ou a mãe, no caso das famílias monoparentais, ou se outra distribuição qualquer). Por outro lado, a atribuição do subsídio parental não deveria estar condicionada ao registo de contribuições para a Segurança Social nos meses anteriores ao nascimento. Desta forma, teríamos uma licença parental mais ampla e uma partilha flexível da mesma.

3.     As respostas sociais destinadas a crianças com idade inferior a 3 anos são amas, creches familiares e creches. De acordo com os dados do Conselho Nacional da Educação (“Estado da Educação 2017, Edição 2018), no Continente, contabilizavam-se 2621 ofertas de creche, 538 (21%) em “Território Interior” e 2083 em “Território não Interior”.

Oferta de creches, por NUTSIII, em Portugal, no ano 2017

Fonte: Estado da Educação 2017 (Edição 2018), Conselho Nacional de Educação

A taxa de cobertura das creches, no Continente, tem evoluído de forma consistente nos últimos anos, registando-se em 2016 um acréscimo de 22,2 pp face a 2007. No entanto, apesar da presença de estabelecimentos de educação e ensino com a valência de creche em todas as regiões do território nacional, a oferta pública é claramente insuficiente. Senão vejamos: (i) na distribuição geográfica da cobertura de respostas dirigidas à primeira infância verifica-se que 246 concelhos apresentavam, em 2016, uma taxa de cobertura de apenas 33%; (ii) distritos como Porto, Lisboa ou Setúbal estão abaixo da cobertura média do Continente, que é de 50,3% das crianças com acesso a estruturas de acolhimento e educação; (iii) na Região Autónoma dos Açores a rede pública de creches é inexistente, visto que todos os estabelecimentos com essa valência são exclusivamente da rede privada.

Fica assim demonstrado que é necessário apostar numa rede pública de creches mais ampla, ou no incremento da associação a uma rede de estabelecimentos privada que, em muitos locais, é maioritária mas insuficiente.

4.     Ainda relativamente às creches, os preços destas são absolutamente incomportáveis para qualquer jovem casal (e, mais ainda, para as famílias monoparentais), que vivam apenas do seu rendimento do trabalho dependente.

Preçário de colégio sito no Porto para 2019/2020

Na verdade, através de uma análise simples e rápida aos preçários existentes dos múltiplos colégios com valência de creche, podemos constatar que, para berçário e creche, a “propina” pode variar entre os 250,00€ e os 500,00€. Estes valores oscilam de acordo com o conjunto de taxas e emolumentos, laterais à propina, que se criam, tais como pré-inscrição, seguro escolar, matrícula ou renovação, prolongamento (depois das 17h00), serviço de refeitório, período não letivo, acolhimento (antes das 09:00), entre outros.

Todos estes emolumentos fazem com que o valor da propina dispare, levando a que uma parte significativa do rendimento do agregado familiar seja única e exclusivamente destinado à frequência de uma creche pela sua criança. Desta forma, todas estas taxas e emolumentos, que na prática inflacionam e camuflam o real valor da propina, deveriam ser eliminadas.

5.     Mas as creches ou outras estruturas de acolhimento não podem ser depósitos de filhos. Em Portugal, tal como na Bulgária, Lituânia, Hungria, Letónia, Dinamarca, Eslovénia, Suécia, Luxemburgo, Bélgica, Polónia e Grécia, os sistemas formais de acolhimento e educação integram as crianças em regime de tempo inteiro (durante 30 ou mais horas semanais). Mais concretamente no nosso país, do total de crianças que acedem a estes sistemas, somente 2,7% o fazem a tempo parcial. Quer isto dizer que, de todas as crianças existentes em Portugal, 50% tem acesso a estruturas de acolhimento, sendo que 47% passam nestes locais mais de 30 horas semanais, ao passo que apenas 3% das crianças ficam entre 1 a 29 horas nas creches por semana. Logo, estamos perante um cenário em que os pais não têm tempo para estar com os seus filhos, servindo-se das creches para os deixarem enquanto trabalham. Seria bom que, para os casais ou famílias monoparentais, com filhos até aos 3 anos de idade, existisse a possibilidade de, por exemplo, o pai ou a mãe trabalharem um dia por semana a partir de casa e terem um horário reduzido em 60 minutos por dia, ficando ao critério de cada um definir se esse período incidiria sobre o período da manhã e ou da tarde.

O nascimento de uma criança altera, complemente, a vida de um jovem casal. No entanto, para que tal aconteça mais vezes, é essencial que o Estado saiba responder às suas necessidades. Parece-me que as ideias descritas podem ser um bom ponto de partida para que, no futuro, este universo de eleitores confie em quem as defenda. E tenha mais filhos.

Professor universitário