O processo de ensino e aprendizagem à distância, derivado da situação pandémica, revelou diferentes condições de apoio e de acesso às tecnologias por parte das famílias. Revelou também falta de formação de alunos na utilização desses recursos para as suas aprendizagens. Os chamados nativos digitais não eram, afinal, “naturalmente peritos” no digital.

Os planos estratégicos atualmente em curso incidem maioritariamente na disponibilização de equipamentos, recursos e na capacitação de profissionais para uma integração das tecnologias na ação diária da escola. É o caso do Plano de Ação para a Transição Digital e de um conjunto de ações do Plano de Recuperação das Aprendizagens dos alunos.

Mas estarão essas respostas a considerar de modo suficiente os desafios da aquisição de competências digitais por parte das crianças e jovens, que interferem necessariamente nos seus percursos escolares? De que modos os currículos das várias disciplinas e as práticas pedagógicas podem promover o sentido crítico na pesquisa e avaliação de informação hoje facilmente disponível nos smartphones? Como estão os ambientes pedagógicos a incentivar a criação de conteúdos tendo em conta diferentes audiências? Como está a educação escolar a considerar as múltiplas competências necessárias no presente e no futuro que é cada vez mais marcado pelo digital? Pode ou deve a escola ignorar a cultura digital dos seus alunos?

A preocupação centrada nos riscos da internet levou, ao longo do tempo, ao desenvolvimento de programas de reconhecido mérito que promovem uma educação para a segurança online e o uso responsável das tecnologias. Atualmente, uma conceção mais abrangente de capacitação digital explica que se tenha, por exemplo, introduzido a programação desde os primeiros anos de escolaridade.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O que nos diz a investigação sobre os aspetos em que devem incidir os esforços para capacitar os jovens para usufruir das oportunidades e saber lidar com os riscos que encontram online?

Os questionários pan-europeus da rede europeia EU Kids Online, realizados em 2010 e 2018, apontam que as atividades mais realizadas pelas crianças e adolescentes na internet são as relacionadas com comunicação com amigos e com entretenimento. Muito menos referem usos mais complexos, subindo os degraus de uma “escada de oportunidades” online que lhes permitiria desenvolver atividades de participação cívica, de pesquisa de informação relacionada com os seus interesses ou de criação e disseminação dos seus próprios conteúdos.

A consideração de que essas competências não são inatas e de que a adolescência é uma fase crítica para o seu desenvolvimento levou ao desenho do projeto ySKILLS. Os resultados de um questionário realizado em escolas de seis países, entre os quais Portugal, apontam um mesmo padrão: a confiança dos alunos é elevada no que se refere a competências digitais de comunicação e interação e a competências técnicas e operacionais. Contudo, menos de metade aponta dominar bem competências relacionadas com a criação e produção de conteúdo ou com a navegação e informação.

Os resultados deste questionário mostraram ainda que a maioria dos alunos inquiridos desconhece a lógica dos algoritmos por detrás dos motores de busca e redes sociais, apesar de quase todos fazerem um uso diário delas. Com efeito, quando confrontados com afirmações sobre o funcionamento da internet (por exemplo, “o que aparece em primeiro lugar nas pesquisas é sempre a melhor fonte de informação”, ou “quando abro as redes sociais, a primeira publicação que vejo é a mais recente de um dos meus contactos”), menos de metade identificou corretamente se eram falsas ou verdadeiras.

Tais dados mostram que participar como um cidadão num mundo digital vai muito para além de ter acesso aos dispositivos. Implica certamente saber usar as funcionalidades das tecnologias, como fazer download de ficheiros, instalar aplicações, mudar definições de privacidade ou utilizar certos programas. Mas implica também um nível crítico na utilização, baseado no conhecimento sobre o seu funcionamento e conteúdo, como avaliar a informação encontrada ou saber o que se deve ou não partilhar.

Para muitos alunos, sem apoio familiar nesta matéria, a escola é o contexto por excelência onde podem encontrar essa orientação. Para todos, pode ser o espaço de partilha do que fazem em questões como a pesquisa de informação ou de criação digital, como fazem e porque o fazem. Estará a escola – e os professores – a desempenhar esse papel?