No início da vida adulta começa-se a edificação de um projeto de vida rumo a um caminho de realização pessoal e profissional, resultante do investimento académico feito em anos anteriores. Não raras as vezes, no confronto com a realidade, o “direito de ser feliz” é abalado por diversos obstáculos exteriores, como salários baixos, dependência económica dos pais e dificuldade em adquirir casa própria. Consequentemente, esta falta de autonomia e independência promove um sentimento de exclusão social profundo, colocando o jovem adulto numa posição marginal, incapaz de se tornar num agente primordial para o desenvolvimento do país.

Estas dificuldades, de natureza heterogénea, podem promover um sentimento de obstrução social que, ainda que invisível, é suficiente para colocar o jovem em permanente autoavaliação. As expetativas defraudadas transformam-se em desilusões, a desesperança na procura de emprego converte-se na tentação de encontrar alternativas — como sair do país ou aceitar um emprego fora da área de formação, descartando anos de investimento.

Ser adulto, querer provar a si e aos outros o seu potencial individual, leva-nos ao questionamento do nosso valor e da nossa importância social e a um eventual afastamento para com as políticas aplicadas no país, que não respondem às reais necessidades de quem se inicia na vida ativa. A dúvida sobre o futuro e a sensação de insegurança e instabilidade ajudam a instalar o medo e a minar a resiliência necessária para conquistar e desenvolver uma noção própria de independência.

Foram estas as dores levaram à criação do projeto Modernamente. Sentimos que a crescente precarização do emprego, envolta em baixos salários ou contratos instáveis, aliada à crise habitacional, onde os preços dispararam como uma flecha no meio de uma selva, empurram muitos jovens para uma espiral de negativismo.

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Sentimos a dificuldade de muitos entre a escolha de permanecer na “casa dos pais” ou de se sujeitarem a uma espécie de reality show em que a co-habitação tantas vezes se torna: abdicar da privacidade, tolerar a partilha da intimidade com desconhecidos com os quais podemos não criar afinidade, dificuldade em gerir as faltas de educação, insegurança e desconforto com alguns colegas de casa, etc. Acima de tudo, sabemos do desafio que é evitar sucumbir às emoções negativas, ampliadas pelo sentimento de impotência e pela falta de alternativas.

Criar um espaço seguro e informativo para a partilha destes desafios e ânsias comuns, dar voz a quem entra na vida adulta, apostar na sua autoafirmação, discutir quais os caminhos a traçar para uma vida saudável são alguns dos pilares que sustentam a criação do projeto Modernamente. Aliado à Associação Olhar, que há 22 anos acompanha e apoia a saúde mental da população geral, particularmente dos adolescentes e jovens adultos, procuramos criar um lugar de visibilidade onde a geografia humana é o jovem e a sua indissociável bagagem existencial.

Deste modo, defendemos o quão fundamental é que a visão do mundo não seja contaminada com o pessimismo, a desilusão, a hostilidade, o sofrimento, a incompreensão, mas sim que se paute por um discurso claro e uma atitude assertiva, onde a perseverança, o esforço, a confiança são os valores de humanismo a seguir.

A infantilização de uma sociedade que não ensina os seus cidadãos a lidar com as emoções, com as expetativas e as frustrações, criam quadros clínicos graves de ansiedade, depressão ou situações aditivas que promovem personalidades em conflito interior. Só com indivíduos socialmente bem implantados teremos seguramente uma sociedade, não perfeita, mas com energia e ousadia para seguir em frente.

Carlos Céu e Silva é psicólogo clínico, presidente da Olhar — Associação pela Prevenção e Apoio à Saúde Mental e da Laços Eternos — Associação de Apoio a Pais e Irmãos em Luto e autor do Dicionário Psicológico da Criança (ed. Âncora), Morrer na Ponte (ed. Coisas de Ler) e Édipo, Uma História Completa (ed. Coisas de Ler).

Filipe Carralves é mestre em ciências biofarmacêuticas e fundador do projeto ModernaMente. Tem experiência em medical writting, marketing de saúde e no desenvolvimento de projetos para a indústria farmacêutica.

Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.

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