No ano letivo passado, o Ministério da Educação decidiu que as provas de aferição seriam feitas pelo computador, numa atitude que visava modernizar e digitalizar o ensino e acabar com o desperdício do papel. Notaram-se falhas estruturais nas infraestruturas digitais das escolas portuguesas e muitos alunos não conseguiram sequer aceder à prova, no entanto, e por ser uma prova que não tem impacto na avaliação dos alunos, a ideia manteve-se para o atual ano letivo.

No entanto, fomos surpreendidos com a decisão de transformar as provas de final de ciclo do nono ano também para o digital. Esta decisão levanta vários problemas e é, na minha opinião, uma decisão irresponsável que serve apenas para demonstrar que a digitalização do ensino português está a ser feita a passos largos, quando, em vários países europeus, se estão a dar passos atrás no processo.

O primeiro problema passa pela falta de material digital nas escolas. O mesmo aconteceu nas provas de aferição do ano passado e devem voltar a acontecer este ano. No entanto, a prova de final de ciclo conta para a nota final das disciplinas de português e matemática, pergunto-me o que acontecerá aos alunos que não conseguirão aceder à prova. A solução que parece ter sido encontrada pelo IAVE é a de fazer dois turnos diferentes para as provas, mas isto ainda cria mais desigualdades do que aquelas que a prova por computador já trazia: dois grupos de alunos, a fazer a mesma prova em momentos diferentes. Uns às 9 da manhã, quando está provado que o cérebro dos jovens está menos ativo, outros em plena hora de almoço. É uma solução fraca.

O segundo problema é a ansiedade que as provas por computador poderão trazer aos mesmos alunos que, no ano passado, tiveram problemas para aceder à prova ou viram colegas a serem incapazes de resolver os exercícios. O terceiro, ainda relacionado com o segundo, passa pelo facto que a maioria dos alunos não sabe fazer fórmulas matemáticas a partir do teclado do computador. Para resolver este assunto, os professores de matemática terão, a partir do dia em que se retomarem as aulas, menos de dois meses para treinar esta adaptação, quando a maioria dos professores ainda tem matéria para dar e muitas revisões para se fazerem.

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Por fim, o quarto problema, tem que ver com os professores que serão chamados a corrigir as provas de final de ciclo. No ano passado, a FENPROF denunciou várias dificuldades no acesso à plataforma online de correção e várias queixas sobre a dificuldade de compreender a plataforma e o processo necessário para corrigir as provas.

É uma casa a arder e o Ministério da Educação parece não ouvir o desespero que os professores, alunos, diretores e encarregados de educação estão a demonstrar. Nem as escolas mais digitalizadas do país conseguiram fazer as provas digitais sem relatar problemas. Isto deve-nos fazer pensar sobre a relevância de repetirmos o processo e, ainda por cima, alargá-lo a provas de final de ciclo que têm um peso sobre as notas.

O processo de digitalização do ensino português deve-nos fazer refletir sobre a sua pertinência, muitos têm sido os passos dados, mas devemos estar prontos a dar passos atrás quando for necessário. Avançar num processo cego com provas internacionais que não funciona, ou que pelo menos não tem os resultados esperados, é uma atitude pouco responsável.