Faz parte da mitologia mundial celebrar a passagem de ano, considerando-se que um novo ano traz sempre consigo uma vida nova. Para a Europa, o cenário não podia ser mais desfavorável a esta lenda urbana, porque se 2022 foi um annus horribilis, 2023 promete ser um valde horribilis annus.

Em 2022, vimos a guerra voltar ao continente europeu e a consequente subida do custo de vida, especialmente a partir da inflação no setor energético e alimentar. Esta é uma batalha que, certamente, continuaremos a travar ao longo do ano que se segue. A guerra não deverá ficar resolvida e, embora a inflação pareça estar a dar algumas tréguas, o custo de vida não vai descer. Os jovens continuarão a ser os mais prejudicados, como consequência da inflação e das ofertas precárias de emprego. É importante que os governos europeus, através de uma decisão central em Bruxelas, reforcem pensões e salários para colmatar a perda de capacidade de compra e combatam a precariedade jovem.

No ano recém-terminado, dissemos adeus às restrições relacionadas com a COVID-19 e retomamos o estilo de vida pré-pandémico. No entanto, o aumento exponencial de casos na China poderá trazer sérios problemas ao resto do mundo. A informação dada por Pequim é incompleta e pode estar a encobrir a presença de uma nova variante no país. Se for o caso, a Europa deve unir-se a Itália e tornar obrigatório um teste à chegada a solo europeu. Isto, ao contrário do que muitos consideram, não é uma forma de xenofobia, mas antes uma estratégia preventiva e temporária de proteção. Vários foram os países que o fizeram quando, há um ano atrás, Portugal batia recordes de novas infeções. Não deverá ser diferente agora que já nos habituamos a olhar para o vírus com uma certa distância. O fim da política de zero casos, na China, pode, no entanto, trazer um maior alívio à indústria europeia, já que o aumento de determinados preços se deveu à escassez de produção.

A crise climática também deverá ser uma parte constituinte do ano terrível que se avizinha. Em 2022, o mundo viu um conjunto de catástrofes históricas dantescas. Em Portugal, tivemos a triste oportunidade de ver a imprevisibilidade do clima atual, quando, em Julho, Portugal foi atingido por grandes incêndios, incluindo alguns que destruíram importantes reservatórios naturais, e por uma seca de níveis históricos, e, poucos meses mais tarde, vimos cidades inteiras a ser afetadas pelas chuvas torrenciais.

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Para o ano que agora começa, esperam-se medidas concretas a nível mundial e a nível europeu, por exemplo, com a concretização de uma COP28 mais radical e pragmática e menos idealista, e, a nível nacional, com a concretização da Lei de Bases do Clima, já aprovada em 2021. A luta juvenil pela ação climática deverá ter um papel importante na pressão feita aos Governos, não podemos atrasar mais a resposta a esta ameaça ao mundo como o conhecemos.

O presente ano inicia-se cheio de incertezas. Não sabemos bem se a crise de saúde pública, causada pela COVID-19, está, de facto, controlada. Não sabemos se a guerra na Ucrânia poderá ter um fim e trazer mais alívio ao custo de vida dos europeus. Não sabemos se nos espera uma recessão económica. Muito menos sabemos se os governos que elegemos continuarão estáveis e aptos para governarem. 2020 e 2021 foram, pelas razões por todos conhecidas, anos difíceis. 2022 foi um annus horribilis, especialmente para a Europa, quando se esperava um ano mais fácil. Pela junção de tudo o que houve de mau, acredito que 2023 será um valde annus horribilis, um ano muito mais complexo, muito mais desafiador… um ano terrível.

Resta-nos ter esperança de que esta minha previsão, e a de muitos outros, não passe de um breve delírio. Nem tudo está perdido, podemos sempre esperar que 2024 seja um ano positivo. Até lá, temos de esperar, desistir de enumerar os anos ou acabar com a esperança de tempos mais favoráveis.