As nacionalizações, liquidações e resoluções de que o sistema financeiro nacional foi objecto nos últimos anos destruíram a confiança dos investidores não qualificados na banca como plataforma de colocação de instrumentos e produtos financeiros. Este segmento do mercado de capitais foi desprezado há anos pelos reguladores nacionais, apesar de todo um esforço a nível comunitário no sentido de os proteger e que se vem consubstanciando há muitos anos (a resolução Banif é mais um caso).

A supervisão comportamental, a vertente que analisa, define as regras de colocação dos produtos e instrumentos financeiros e a controla, que deveria propiciar a que o investidor menos conhecedor do tipo de risco que estava a subscrever fosse esclarecido no acto, não funcionou, pura e simplesmente. Associações de “lesados” são criadas para defesa das aplicações financeiras efectuadas junto da banca (como acção do que se designa por desintermediação) e todos os dias somos confrontados com casos em que é manifesto o baixo nível de literacia financeira do subscritor ou comprador de determinado produto financeiro, a agressividade da banca na colocação desse produto junto do investidor não qualificado, não descrevendo a natureza do produto nem o seu nível de risco.

O grau de literacia financeira da população portuguesa obrigaria a que fosse feito um maior esforço pedagógico. Não equivale ainda ao que se passa na Europa. Mas, por aqui, foram decénios de “bem-estar” que geraram confiança nas entidades financeiras colocadoras. No Estado Novo, os bancos não iam à falência. Depois, em 1975, foram nacionalizados e aguentados pelo Estado, ou seja, contribuintes, na péssima gestão subsequente, por ordem dos diversos governos.

Privatizados ou criados de novo a partir do início da década de 1980, os bancos tiveram injecções de capital privado que propiciaram desenvolvimento e crescimento. Com a adesão ao euro, entre 2000 e 2011, “comeram” com a gestão de um país feita por “economistas” que não sabiam o que era gerir sob “moeda única”, ou seja, com a perda da soberania monetária. Mas, nos momentos em que ainda houve possibilidades de o “aguentar”, o sistema financeiro manteve a confiança dos investidores não qualificados para operações de captação de capital, em actividade de desintermediação, até que tudo colapsou.

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Ao longo dos últimos anos teve o leitor a percepção do programa de literacia financeira, coordenado pelo Banco de Portugal, que reúne várias entidades ligadas ao sector financeiro e especialmente dirigido para investidores não qualificados? Teve o leitor conhecimento de alguma acção da CMVM (Comissão do Mercado de Valores Mobiliários) sobre a publicidade dos bancos que colocavam produtos com “capital garantido” junto de investidores não qualificados? Pelo contrário, quando o autor destas linhas contactava, na altura, tais bancos sobre o funcionamento de tal garantia e depois de muitas perguntas, acabavam apenas por responder: “a CMVM autorizou a sua publicidade nestes termos” (ver artigo “A Supervisão dos Produtos Financeiros”, Jornal de Negócios, de 25/7/2012).

Depois, foi o que se viu. Várias entidades supranacionais, nomeadamente a Comissão Europeia, têm recomendações, há muitos anos, para protecção aos investidores não qualificados. A própria CMVM tem trabalhos nesse sentido. Mas em Portugal nada se fez quanto à protecção deste segmento. As administrações dos bancos fixavam objectivos à sua rede de vendas no tocante à colocação (agressiva) de instrumentos, nomeadamente o papel comercial ou obrigações subordinadas, sem que da parte dos reguladores se obrigasse tal colocador a informar devidamente o investidor sobre o risco inerente ao produto que estava a subscrever.

Apenas tardiamente o Banco de Portugal exigiu ao grupo Espírito Santo uma garantia de 700 milhões de euros como provisão para satisfação de algum papel comercial junto dos investidores não qualificados com contas no BES, garantia essa que passou para as hierarquias da massa falida do grupo. Com todos estes acontecimentos o investidor não qualificado, anteriormente propenso a instrumentos de dívida do mercado global de capitais, sai do sistema e presume-se que por muitos anos se manterá afastado, totalmente desconfiado de qualquer proposta que lhe venha a ser apresentada no futuro.

A captação de capital nacional privado para investimento interno produtivo, designadamente na vertente mais importante e premente que se coloca à economia portuguesa e que é o desequilíbrio entre capitais próprios e alheios das empresas, o sobre-endividamento empresarial, desapareceu do horizonte. Os próprios investidores não qualificados estão a abandonar instrumentos como os fundos de investimento, que na forma de organismos de investimento colectivo (OIC), os transformam em investidores qualificados, com todas as virtudes que isso representa em termos de gestão profissionalizada.

O programa do actual Governo PS, que prevê a criação de medidas de incremento do mercado de capitais interno, não verá da parte do investidor não qualificado (e mesmo qualificado) qualquer propensão para o mesmo. Não só porque a desconfiança no sistema financeiro é grande, as plataformas de colocação deixaram de existir, porque o actual primeiro-ministro pretende reverter privatizações “a bem ou a mal”, como diz, porque a “coligação” que sustenta o actual governo não dá confiança quanto à manutenção dos princípios de uma economia social de mercado.

As forças vivas da economia portuguesa devem repensar urgentemente o edifício que deve ser construído de forma a conferir maior fiabilidade ao sistema, com os reguladores a funcionar para protecção do próprio sistema e novas plataformas mais fiáveis de captação de capital para investimento já que as anteriores foram destruídas. Obviamente, tudo isto a ser lançado por um próximo Governo, já que o actual é fraco e não dá confiança ao investimento em função dos apoios em que se sustenta, concretamente em forças políticas antagónicas à economia de mercado, que nada percebem da economia real em zona económica e monetária e de livre concorrência, o grande problema de gestão no século XXI em Portugal da parte dos governantes.

P.S. – A excelência dos reguladores em Portugal é de tal ordem que a Anacom, a autoridade das comunicações, ainda não conseguiu pôr a televisão digital terrestre (TDT) a funcionar, desde que o governo PS a lançou há quase cinco anos.

Economista, ex-administrador de entidades financeiras e de empresas de comunicação social e autor de “Guia de Bolsa-Introdução ao Mercado de Capitais”, Bnomics (2011)