Dizer que o neoliberalismo está relacionado com o aumento da obesidade, como fez a Dra. Isabel do Carmo, pode ser equivalente a afirmar que as “dietas” dos campos de concentração comunistas e nazis garantem perda rápida de quilos, processo “útil” à saúde pública.

Eu, infelizmente, tenho algum peso a mais, mas estou longe de ser neoliberal. Barack Obama, que dirige o país mais liberal do mundo, não pode ser considerado obeso, embora não se coíba de ir comer um hambúrguer perto da Casa Branca. A 24 de Junho de 2010, até furou o protocolo e levou o seu então homólogo russo, Dmitri Medvedev, a comer numa hamburgueria. Não sei se a partir daí, o Presidente russo, hoje primeiro-ministro, se tornou neoliberal ou se já era neoliberal e, por isso, deixou-se ir na cantiga de Obama.

Para alguns especialistas em matéria de emagrecimento e vida saudável, o neoliberalismo faz mal à saúde. Mas, já que estamos num momento em que todos se preocupam com a saúde e ninguém quer ficar obeso, não seria mau se a Dra. Isabel do Carmo se debruçasse sobre o estudo das “ementas” dos campos de concentração nazis e comunistas para contribuir para o emagrecimento das gerações presentes e futuras.

Talvez aí esteja o “segredo” de Samuel Willenber, um dos 67 prisioneiros que sobreviveram à revolta dos deportados do campo de concentração nazi de Treblinka e morreu na passada sexta-feira aos 93 anos.

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As normas alimentares contribuíam também para a ausência quase total de gordura entre os prisioneiros dos campos de concentração soviéticos. Segundo dados oficiais, eles tinham direito à seguinte ração diária: “Farinha – 700 gramas; Grão – 100 gramas; Massa – 16,6 gramas; Manteiga – 20 gramas; Gorduras – 3 gramas; Açúcar – 23,3 gramas; Bolachas – 16,6 gramas; Conservas – 2/4 de uma lata (10 gramas).

Na realidade, para receberem esta norma tinham de cumprir 100% do trabalho planeado e de depender de guardas e directores das prisões e campos de concentração com alguns restos de humanismo. Além disso, frequentemente, acontecia que grande parte dos produtos chegavam podres aos campos de trabalhos forçados.

Para quem quiser aprofundar o tema da dieta nos campos de concentração, recomendo a ler “Contos de Kolimá” (editados pela Relógio de Água) do grande escritor russo Varlam Chalamov, que passou numerosos anos a fazer trabalhos forçados, mas deixo aqui apenas um pequeno fragmento do seu conto “À noite”: “O jantar tinha terminado. Glebov lambeu com cuidado a tigela de alumínio, retirou minuciosamente as migalhas de pão da mesa para a palma da mão esquerda, levou-a à boca e chupou cautelosamente as migalhas. Sem engolir, sentia como a saliva na boca envolvia rápida e avidamente o minúsculo pedacinho de pão. Glebov não podia dizer queera saboroso. O sabor é outra coisa diferente, demasiadamente pobre em comparação com a sensação forte e viva que os alimentos dão. Glebov não se apressava a engolir o pão, este desfazia-se rapidamente na boca…”

Além do Gulag, os regimes comunistas tinham outras formas de “combater a obesidade” como a provocação de fomes artificiais que ceifavam a vida a milhões de pessoas.

A Dra. Isabel do Carmo certamente não estará contra debates políticos saudáveis, mas para os tornar possíveis são necessários ingredientes saudáveis e não “fórmulas mágicas” retiradas de obras especializadas na rotulação fácil de fenómenos complexos. Afinal, a obesidade de Mao Tse Tung não se devia ao seu neoliberalismo.